man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Yo La Tengo – This Stupid World
Depois de os Yo La Tengo terem andado em dois mil e vinte a divulgar uma música por dia durante uma semana, uma sequência que culminou com a edição de um EP instrumental intitulado We Have Amnesia Sometimes e de, no ocaso do mês de agosto desse ano, terem editado um outro EP intitulado Sleepless Night, um alinhamento de sete canções com um original e covers de Bob Dylan, The Flying Machine, The Delmore Brothers, Ronnie Lane e os The Byrds, agora, em pleno arranque dois mil e vinte e três, a banda que nasceu em mil novecentos e oitenta e quatro pelas mãos do casal Ira Kaplan e Georgia Hubley (voz e bateria) e James McNew e que me conquistou definitivamente há quase uma década com o excelente Fade, volta às luzes da ribalta com um novo álbum intitulado This Stupid World, um alinhamento de nove estupendas canções que viu a luz do dia hoje mesmo, com a chancela da Matador Records.
São poucas as bandas que se podem dar ao luxo de beneficiarem da proteção imaculada de uma longa e bem sucedida carreira, para chegarem a um determinado ponto da mesma e, embrenhando-se na composição, terem o privilégio de poderem deixar de lado qualquer preocupação radiofónica ou comercial relativamente ao conteúdo do que criam. Partindo dessa permissa, todos aqueles que estão menos familiarizados com o catálogo deste projeto de Hoboken, nos arredores de Nova Jersey e que escutarem This Stupid World, o (imagine-se) décimo sétimo disco da carreira do trio, serão certamente assaltados pela ideia de estarem na presença de uma banda que foi, registo após registo, consolidando um estatuto e que agora, numa fase de plena maturidade, nada mais têm a provar e podem usufruir do gozo pleno que lhes dará poderem entrar em estúdio livres de amarras ou constrangimentos criativos e, mesmo assim, terem a certeza que o produto que colocarem nas lojas será um sucesso garantido.
No entanto, quem conhece bem os Yo La Tengo acaba por ter uma impressão mais ampla. This Stupid World é, na verdade, mais um capítulo eufórico e radiante numa epopeia estilística sonora que privilegiou, desde a estreia em mil novecentos e oitenta e seis com o registo Ride The Tiger, de completa e absoluta liberdade criativa, ou seja, o modus operandi foi, realistícamente, sempre este. Não houve aqui uma espécie de crescendo naquilo que foi a bitola qualitativa dos discos que foram sendo colocados nas prateleiras, apenas ligeiras e naturais oscilações estilísticas que, passando pelo rock clássico, o surf rock, o lo fi, o indie puro e duro, a new wave, o punk rock, o rock progressivo e o psicadélico, a country, a folk, a eletrónica e até o jazz, colocaram sempre o melhor indie rock alternativo em declarado ponto de mira. E, na minha modesta opinião, está errado quem não considera que o melhor indie rock alternativo não é nada mais nada menos do que este rock que consegue agregar pitadas daqui e de acolá, com subtileza, arrojo, desenvoltura e superior habilidade criativa, algo que sucede neste álbum dos Yo La Tengo com ímpar sabedoria.
Portanto, This Stupid World é esse tipo de disco. Contém nove composições que têm como principal atributo conseguirem, umas vezes com indisfarcável subtileza e outras com esplendoroso requinte, unir, congregar, construir e desconstruir e sublinhar todo um universo de géneros e estilos que também demarcam, e não será certamente por acaso, as fronteiras do melhor cancioneiro norte americano de igual período.
Logo a abrir o registo, o baixo encorpado e a rispidez das guitarras que a longa epopeia cósmico-hipnótica Sinatra Drive Breakdown exala, são dois trunfos instrumentais que afagam e acamam o ouvinte, independentemente do seu grau de familiariedade com o grupo e, cereja no topo do bolo, também com naquele adn algo imediato e cru que formata a sensibilidade típica da banda e que foi já , no fundo, amplamente dissecado acima. A seguir, segue-se o período mais acessível do disco, com o garage efusivo de Fallout e, no pólo oposto, a sensibilidade acústica country-folk descaradamente noventista de Aselestine e, num registo mais subtilmente entrelaçado com tiques da melhor tropicália, de Until It Happens, a projetarem a personalidade ímpar de um ecletismo que também sabe como enfeitiçar e enlear, mesmo os mais resistentes. Pelo meio, o toque jazzístico enevoado e empolgante de Tonight's Episode e a sobriedade melancólica de Apology Letter, acrescentam uma faceta ainda mais ambiental e intimista a um alinhamento que, se terminasse aqui em formato EP, era, desde já, justamente descrito como memorável e único.
A partir daí e até ao ocaso de This Stupid World, o frenesim sintetizado borbulhante de Brain Capers, a gloriosa indiferença experimental em que assentou, certamente, a criação do tema homónimo e o apurado sentido cândido e profundo de Miles Away, um tratado de eletro rock ambiental intratável, carimbam, sem apelo nem agravo, a certeza de que este disco merece ser um estrondoso sucesso comercial ou, pelo menos (já que agora esta questão do sucesso comercial não se mede propriamente pela quantidade de discos vendidos), ser escutado por todos aqueles que têm nos cânones essenciais do rock alternativo das últimas quatro décadas pilares fundamentais do seu gosto musical. De certeza que não se vão arrepender e que, no final, depois do modo repeat ter sido ativado instantaneamente, se vão sentir ainda mais enriquecidos por terem a possibilidade de, quatro décadas depois da estreia, ainda poderem escutar e saberem que está no ativo uma banda tão rica, vigorosa, inspiradora, independente, dinâmica e fluída, como são os Yo La tengo. Espero que aprecies a sugestão...