man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Wilco - Cousin
Os norte americanos Wilco de Jeff Tweedy são um dos projetos mais profícuos do universo indie e alternativo atual. Não cedem à passagem do tempo, não acusam a erosão que tal inevitabilidade forçosamente provoca, mantêm-se firmes no seu adn e conseguem, disco após disco, apresentar uma nova nuance interpretativa, ou uma nova novela filosófica que surpreenda os fãs e os mantenha permanentemente ligados e fidelizados. Cousin, o novo álbum dos Wilco, não foge a essa permissa, depois de no ano passado, no registo duplo Cruel Country, a aposta ter sido num travo eminentemente folk, que foi, à época, uma espécie de regresso às origens e aos primórdios da carreira da banda de Chicago, no Illinois.
Cousins vê hoje a luz do dia com a chancela da própria etiqueta da banda, a dBpm. O seu alinhamento de dez canções foi produzido pela galesa Cate Le Bon, que já mexeu em álbuns de nomes como os Deerhunter, Kurt Vile, Tim Presley e John Grant e os seus pouco mais de quarenta minutos oferecem-nos, sem qualquer dúvida, uma manifestação impressiva de que Jeff Tweedy e os seus fiéis companheiros ainda têm muito para dar e, claro, para vender.
Logo a abrir o registo, a espiral elétrica e a vasta miríade de sopros, distorções e insinuações percurssivas que sustentam Infinite Surprise, trazem-nos logo à memória a memorável herança da obra prima da banda de Chicago, o aclamado Yankee Hotel Foxtrot de dois mil e um, ainda hoje, com inteira jutiça, um dos discos essenciais da indie folk rock alternativa contemporânea. Logo de seguida, o piano e as distorções cavernosas de Ten Dead, esclarecem-nos que, de facto, Cousin não será um decalque exaustivo de uma fórmula, mas mais um passo firme e faustoso em frente no enriquecimento do adn de um projeto incomparável no modo como disserta, sem preconceitos e amiúde até de forma irónica, sobre uma América que vive uma contemporaneidade algo perigosa, fraturada em dois extremos dominantes, recentemente espartilhada por um vírus que não não foi fácil de lidar nesse vasto território e ensaguentada de traumas e males raciais, assentes numa sequência nada feliz de décadas e até de séculos de casos mal resolvidos, que remontam ao período da escravatura, o grande motivo da Guerra Civil que o país viveu há pouco mais de duzentos anos e que deixou fantasmas ainda a pairar.
As cordas reluzentes de Leeve e, principalmente, de Evicted, duas canções que obedecem a um modus operandi que aproxima os Wilco de uma psicadelia blues de superior filigrana, que se escuta com aquela intensidade que fisicamente não deixa a anca indiferente, colocam Cousin num eixo mais radiofónico, mas sem deixar de lado a faceta experimental e lisérgica que o grupo tanto preza e que certamente quis que este seu novo trabalho tivesse. É um experimentalismo folk, conduzido por cordas mais acústicas e com um travo de minimalismo lo fi, aspectos que são, como se sabe, traves mestras no percurso discográfico do projeto, marca que o próprio Yankee Hotel Foxtrot tão bem ilustrava em canções como War On War, ou Jesus Etc.. Volto a referir-me à obra prima de dois mil e um porque, de facto, conhecendo minuciosamente a discografia dos Wilco, esse é, sem dúvida, o disco da banda que maior influência terá tido no processo de incubação de Cousin.
Se no início do milénio a fórmula que orientou Yankee Hotel Foxtrot pretendia revolucionar o adn Wilco, pouco mais de duas décadas depois, não há como negar que o propósito foi semelhante. O processo de incubação inicial de Cousin terá tido em mente materializar de modo espedito, uma fórmula interpretativa que originasse canções dominadas por guitarras, mas a exibirem linhas e timbres com um clima marcadamente progressivo e rugoso e onde não faltasse, se necessário, piscares de olhos a climas mais sintéticos, intimistas e jazzísticos, como evidenciam Sunlight Ends e A Bowl and A Pudding, uma visão detalhística aprimorada que temas como I'm Trying To Break Your Heart ou Radio Cure plasmaram, com alma e luz, em dois mil e vinte e um.
Finalmente, o intrigante clima algo hipnótico, mas visceral de Cousin, o tema homónimo, uma canção feita para se escutar de punhos cerrados, a monumentalidade de Pittsburgh, um verdadeiro tratado de sentimentalismo latente e de pura melancolia, uma canção que nos embarca numa viagem lisérgica ímpar e que subjuga momentaneamente qualquer atribulação que no instante da audição nos apoquente e a bonomia complacente da lindíssima balada Soldier Child, enriquecem ainda mais o esplendor de um disco que, colocando na linha da frente o lado mais sensível e emotivo do grupo, deixa no ouvinte a perceção clara que foi espetacular o momento em que os Wilco optaram por ligar a sua faceta experimental mais uma vez a pleno gás para, obtendo um balanço delicado entre o quase pop e o ruidoso e sem nunca descurar aquela particularidade fortemente melódica que costuma definir as suas composições, conseguirem criar uma verdadeira obra-prima que irá certamente figurar, com inteira justiça, num lugar bastante cimeiro dos melhores discos da carreira do projeto.
O amor, a paixão e as suas travessuras, nas quais se incluem críticas mais ou menos veladas a uma América contemporânea cada vez menos socialmente justa e refém dos seus medos, como de certo modo referi acima, sempre foram temáticas bastante importantes para Jeff Tweedy que, servindo-se dos Wilco, nunca deixou de surpreender pelo modo como foi diversificando a sua abordagem a estes conceitos ao longo de mais duas décadas. Do repentismo sincero e inconsciente de Wilco A.M., ao trato leve e sublime em Sky Blue Sky, passando pela imersão em vários psicoativos sentimentais em Yankee Hotel Foxtrot, ou fazendo uma primeira súmula de como sentem e vibram com sentimentos tão intensos, tentada em The Whole Love, os Wilco conseguem, neste Cousin, uma vez mais, a sempre tão desejada visão caricatural daquilo que os move como pessoas e músicos, enquanto enriquecem uma história discográfica, às vezes barulhenta e intensa, outras mais introspetiva e carregada de soul, mas sempre tremendamente criativa e instigadora. Espero que aprecies a sugestão...