man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Trace Mountains – Into The Burning Blue
Sedeado em Nova Iorque, o projeto Trace Mountains liderado por Dave Benton, já tem sucessor para o extraordinário registo House Of Confusion, editado em dois mil e vinte e um. Into The Burning Blue é o nome do novo álbum do projeto, um alinhamento de nove canções produzidas por Craig Hendrix, misturadas por J. Ryan Francis e masterizadas por Ryan Schwabe, que chegou aos escaparates no dia vinte e sete de setembro com a chancela da Lame-O.
Quinto disco da carreira deste projeto Trace Mountains, Into The Burning Blue contém trinta e sete minutos efusiantes que deambulam entre a folk, o indie rock e a psicadelia e que são bem capazes de oferecer a este grupo nova iorquino um lugar de destaque no que concerne aos álbuns mais influentes, inspirados e inspiradores e acolhedores de dois mil e vinte e quatro. É um registo muito intimista e reflexivo, como se percebe logo em In A Dream, o tema de abertura, bastante inspirado no fim de uma relação amorosa do músico, que durou oito anos, uma rutura que deixou marcas em Benton. A canção ilustra um passeio noturno de bicicleta feito pelo autor, durante o qual, enquanto olha pelas janelas das casas por onde passa, reflete sobre o seu lugar numa América cada vez mais capitalista e isolada sobre si mesma.
Friend, a terceira composição do alinhamento de Into Burning Blue, uma canção que versa sobre a solidão e que conta com a participação especial de Craig Hendrix, dos Japanese Breakfast, que também produz o disco, como foi referido acima, cimenta essa tónica filosófica, enquanto mostra os melhores atributos sonoros do alinhamento, impressionando pelo modo como algumas cordas reluzentes são dedilhadas com belíssima complacência, juntamente com um perfil vocal emotivo e intimista e diversas texturas percussivas, mais ou menos implícitas.
Hard To Accept, o segundo tema do alinhamento de Into Burning Blue, é outra composição algo sombria, contemplativa e enigmática, caraterísticas habituais de algumas das propostas sonoras mais intimistas dos Trace Mountains e que colocam a herança da melhor pop oitocentista em declarado ponto de mira, nuance bem patente nas diversas camadas sintéticas planantes que, juntamente com uma guitarra com um efeito metálico curioso, sustentam uma canção que também não deixa de ser contagiante e exalar os cânones fundamentais daquele indie rock tipicamente americano e com uma certa tonalidade folk.
Disco inspirado no modo como devemos optar sempre pela resiliência face ao desespero, este disco é, no fundo, uma espécie de odisseia romântica, materializada numa jornada longa e emocionalmente grandiosa, amiúde absurdamente épica até, porque embora se sustente em letras que parecem verdadeiros clichés, a verdade é que resultam e têm este efeito renovador e soporífero.De facto, quando escutamos o baixo avassalador de Crawling Back To You e os belíssimos arranjos de cordas das enleantes Ponies e Shelter Gone & Done, vivenciamos aquela sensação metafísica de conetividade entre o nosso âmago e a obra sonora. No meio, a ligar os dois pólos com astúcia, Dave Benton, que ocupa, assim, o nosso espaço e o nosso tempo com um indie rock que encarna uma verdadeira vibe psicadélica e, como se percebe, poeticamente melancólica. Espero que aprecies a sugestão...
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Mount Eerie - I Saw Another Bird
O cantor e compositor norte-americano Phil Elverum é uma das personagens mais fascinantes do indie rock alternativo contemporâneo do lado de lá do atlântico e lidera o fantástico projeto Mount Eerie, que tem pronto para chegar aos escaparates um novo e monumental cardápio de vinte e seis canções intitulado Night Palace, álbum que irá ver a luz do dia a um de novembro com a chancela da P.W. Elverum & Sun, etiqueta do próprio músico.
Sucessor do registo Lost Wisdom pt. 2, que Mount Eerie lançou em dois mil e dezanove e que contava com a participação especial da cantora Julie Doiron, Night Palace será, certamente, um disco recheado de teclados efervescentes, guitarras abrasivas mas também repletas de efeitos planantes e com uma filosofia rítmica feita de salutar incoerência e heterogeneidade, os grandes eixos condutores do processo sonoro que cimenta I Walk, um dos singles já divulgados do registo, um tema com uma tonalidade muito crua, intuitiva, orgânica e experimental e que divulgámos há algumas semanas.
Poucos dias depois desse primeiro contacto com o alinhamento de Night Palace, escutámos Broom Of Wind, a sexta composição do alinhamento do álbum, um tema que, mantendo a tónica nas guitarras, exalava um clima um pouco mais íntimo e melancólico, que o antecessor. Agora chega a vez de escutarmos I Saw Another Bird, a décima quarta composição do alinhamento do disco, que também tem nas cordas a grande força motriz. É uma canção vigorosa e com um curioso clima lo-fi particularmente incisivo, conduzida por guitarras encharcadas em aspereza e eletrificação, uma canção plena de nostalgia, nos remete para a herança de algumas propostas que fizeram furor no panorama indie e alternativo de final do século passado. Confere...
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Temples – Day Of Conquest
Etá por estes dias a comemorar dez anos de existência Sun Structures, o disco de estreia dos britânicos Temples, um álbum com doze canções, que teve a chancela da Fat Possum e que colocou este quarteto formado por James Edward Bagshaw (vocalista e guitarrista), Thomas Edison Warsmley (baixista), Sam Toms (baterista) e Adam Smith (teclista e guitarrista), na primeira liga daquela estética sonora que vive de uma conexão feliz entre alguns dos tiques fundamentais do indie psicadélico dos anos sessenta e a alma e a essência daquele rock muito britânico.
Para comemorar a efeméride, este grupo natural de Kessering, acaba de lançar um EP com cinco temas intitulado Other Structures, composições que foram gravadas nessa época, mas que acabaram por ficar de fora do alinhamento de Sun Structures, além de b-sides de alguns dos singles do disco. Uma dessas canções é Day Of Conquest, um tema encorpado, que impressiona pelo vigor percurssivo vitaminado e pela rugosidade das guitarras, uma canção que nos oferece um assertivo desfilar de electricidade e de fuzz, enquanto nos leva, como é habitual nos Temples e com grande eficácia, numa viagem no tempo, do presente ao passado. Confere...
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Foxing – Foxing
Em dois mil e vinte e três os aclamados Foxing celebraram uma década do lançamento do seu disco de estreia Albatross, considerado hoje um verdadeiro clássico do emo rock norte-americano contemporâneo. No entanto, a banda formada pelo vocalista Conor Murphy, o guitarrista Eric Hudson, o baterista Jon Hellwig e o baixista Brett Torrence, o mais recente membro, não ficou presa ao passado e tem já um novo disco nos escaparates. É um homónimo com doze canções, produzido e misturado por Hudson, o guitarrista e que viu a luz do dia com a chancela da Grand Paradise.
Foxing sucede ao aclamado álbum Draw Down The Moon, que o grupo natural de St. Louis, no Missouri, lançou em dois mil e vinte e um e mantém o projeto na senda de uma sonoridade que consegue, em pouco mais de alguns segundos, passar do caótico e abrasivo, ao profundamente melancólico e planante, sempre com um travo tremendamente lisérgico, utilizando um processo criativo que tem tanto de inédito e pouco usual, como de profundamente atrativo e catártico. É, na sua génese, uma opção racional focada no uso coerente e intencional do ruido, direcionando-o para um propósito previamente delineado e que olha para o mesmo como uma virtude e uma porta aberta a inúmeras e bem sucedidas possibilidades criativas. De facto, o som dos Foxing incomoda a espaços, também embala em certos períodos, mas a verdade é que, de uma forma ou de outra, nunca deixa de ter em si algo de comovente e instintivamente magnético.
Foxing ganha vida no leitor físico ou digital e logo no perfil simultaneamente lo fi e depois contundentemente cavernoso de Secret History, percebemos, com prontidão, que nos espera uma imponente e vertiginosa parada de emo rock experimental e progressivo, que ganha contornos de excelência no manancial lisérgico de cordas abrasivas, distorções incontroladas e detalhes percussivos da mais variada proveniência de Greyhound, tudo rematado exemplarmente com o inconfundível falsete de Murphy, uma das imagens de marca de todo o alinhamento, diga-se. Depois, Hell 99, a segunda composição do álbum, uma canção vigorosa, crua, caótica, efusiva, rugosa, frenética, contundente e, principalmente, abrasiva, já agora cantada pelo guitarrista Eric Hudson e que reflete sobre a sensação de fadiga extrema e de burnout, amplifica ainda mais o grau de imponência e de profusão sonora e a profunda emotividade lírica do registo, com os gritos de Eric a quererem personificar aquele desejo que todos nós temos, amiúde, de deitar cá para fora tudo aquilo que nos asfixia e abafa.
Com um início tão ofegante, seco e ríspido, chegamos, em Spit, aquele instante em que temos de decidir se ficamos por aqui e não damos nem uma segunda oportunidade ao disco, ou se não resistimos a essa tentação fácil e seguimos em frente, inevitavelmente até ao ocaso de Foxing. E a verdade é que o travo narcótico da canção tem esse efeito de nos prender, até porque a curiosidade em relação ao que ainda poderá vir a seguir, é algo que se sente com uma clareza pouco usual nos dias de hoje.
O eco agudo do som sintetizado repetitivo que introduz Cleaning, a canção com o perfil mais etéreo e experimental do disco, o inesperado travo indie de Barking e os bips percussivos que se cruzam com a bateria na explosiva Kentucky McDonald's parecem conter, nesta sequência, criada certamente para ser o âmago conceptual do registo, uma espécie de código sagrado que, se conseguirmos decifrar, nos faz aceder ao mundo alternativo que os Foxing consideram ser o melhor refúgio e a alternativa mais segura relativamente ao mundo real em que coexistimos.
Imponência e verticalidade na abordagem ao rock mais efusivo e um olhar anguloso a uma salutar epicidade, são também ideias que assaltam o ouvinte mais atento no final da audição de um disco que se assume como um catálogo obrigatório dentro das propostas mais contemporâneas que abordam aquele rock progressivo que tem feito escola no outro lado do atlântico nas últimas três décadas. E diga-se, em abono da verdade, que esta banda norte-americana assume-se, sem qualquer receio e com Foxing, como um projeto porta estandarte de um subgénero do rock que tem tido um airplay cada vez menor depois do período aúreo que viveu no dealbar do novo século, mas que ainda agrega, feizmente, uma legião fiel e devota de seguidores. Espero que aprecies a sugestão...
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Real Estate - Daniel (Elton John Cover)
Pouco mais de meio ano depois da edição do disco Daniel, um tomo de onze canções produzidas por Daniel Tashian, os Real Estate de Martin Courtney, Alex Bleeker, Matt Kallman, Julian Lynch e Sammi Niss, estão de regresso com uma fantástica cover que incubaram para o clássico Daniel, assinado por Elton John e que abria o disco Don't Shoot Me I'm Only the Piano Player que o músico britânico lançou em mil novecentos e setenta e três, com a chancela da DJM Records.
Esta versão de Daniel assinada pelos Real Estate, oferece-nos quase quatro minutos com um salutar e acochegante polimento melódico, ampliado pelo modo como o típico efeito das guitarras do projeto de Nova Jersei busca eficazmente uma luminosidade efusiva que era, curiosamente, uma das imagens de marca do tema original, uma das canções pop mais emblemáticas da década de setenta do século passado e um elemento sonoro essencial do riquíssimo catálogo de Elton John. Confere...
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Mount Eerie – I Walk
O cantor e compositor norte-americano Phil Elverum é uma das personagens mais fascinantes do indie rock alternativo contemporâneo do lado de lá do atlântico e lidera o fantástico projeto Mount Eerie, que tem pronto para chegar aos escaparates um novo e monumental cardápio de vinte e seis canções intitulado Night Palace, álbum que irá ver a luz do dia a um de novembro com a chancela da P.W. Elverum & Sun, etiqueta do próprio músico.
Sucessor do registo Lost Wisdom pt. 2, que Mount Eerie lançou em dois mil e dezanove e que contava com a participação especial da cantora Julie Doiron, Night Palace será, certamente, um disco recheado de teclados efervescentes, guitarras abrasivas mas também repletas de efeitos planantes e com uma filosofia rítmica feita de salutar incoerência e heterogeneidade, os grandes eixos condutores do processo sonoro que cimenta I Walk, um dos singles já divulgados do registo, um tema com uma tonalidade muito crua, intuitiva, orgânica e experimental, um curioso tratado de indie rock com forte pendor progressivo e até psicadélico. Confere I Walk e o artwork e a tracklist de Night Palace...
Night Palace
Huge Fire
Breaths
Swallowed Alive
My Canopy
Broom Of Wind
I Walk
(soft air)
Empty Paper Towel Roll
Wind & Fog
Wind & Fog pt. 2
Blurred World
I Heard Whales (I Think)
I Saw Another Bird
I Spoke With A Fish
Myths Come True
Non-Metaphorical Decolonization
November Rain
Co-Owner Of Trees
Myths Come True pt. 2
& Sun
Writing Poems
the Gleam pt. 3
Stone Woman Gives Birth To A Child At Night
Demolition
I Need New Eyes
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Wand - Vertigo
Os Wand são uma banda norte americana, oriunda de Los Angeles e liderada por Cory Hanson, um músico que toca regularmente com Mikal Cronin e os Meatbodies. Tocam um indie punk rock psicadélico, progressivo, experimental e fortemente aditivo e Ganglion Reef, o disco de estreia, editado em dois mil e catorze, foi um marco e uma referência para os amantes do género. No ano seguinte, Golem, o sempre difícil segundo disco, tinha no fuzz rock a sua pedra de toque, talvez a expressão mais feliz para caraterizar o caldeirão sonoro que os Wand reservam para nós.
Agora, quase uma década depois, os Wand estão de regresso aos discos à boleia deVertigo, um espetacular alinhamento de oito canções, que sucede ao álbum Laughing Matter, editado em dois mil e dezanove e que tem tudo para figurar na lista dos melhores registos discográficos de dois mil e vinte e quatro e em posição de assumido destaque.
Vertigo tem a assinatura de um dos projetos mais negligenciados do panorama sonoro alternativo atual, um belo segredo que não deveria estar tão escondido e que deve chegar a todos os ouvidos dos apreciadores do género sonoro em que navega. Parece claro que os seus quase quarenta minutos que foram incubados de modo a materializarem uma espécie de banda sonora ideal para um western contemporâneo que tem como propósito o bem comum e a sua audição com esse propósito, não irá defraudar as expetativas iniciais de todos, mesmo as mais otimistas.
Logo a abrir o registo, o travo enevoado da guitarra e o registo sombrio vocal de Hanson, nuances que sustentam com mestria Hangman, comprovam a excelência da essência sonora que orientou os Wand no momento de compôr este seu sexto álbum. Curtain Call, logo de seguida, aprimora um certo perfil psicotrópico e denso, com o clima jazzístico da bateria e uma constante distorção planante e abrasiva a deixarem numa dúvida permanente relativamente ao rumo que o disco vai tomar daí em diante. E, de facto, no clima progressivo de Mistletoe, uma canção que consegue, imagine-se, conjugar em simultâneo eletrónica com rock alternativo, funk, noise rock, avant garde, post punk, fica bem expressa a tal cinematografia que inicialmente serviu para introduzir o ouvinte relativamente à primeira impressão que Vertigo criou na redação, após a primeira audição.
O disco prossegue e ao quarto tema, chegamos ao âmago do alinhamento. JJ é uma intrincada e intimista canção, uma espécie de upgrade de adição psicotrópica com elevada lisergia. Sintetizadores munidos de um infinito arsenal de efeitos e sons originários das mais diversas fontes instrumentais, reais ou fictícias, uma secção rítmica feita com um baixo pulsante e uma bateria com um forte cariz étnico, que é várias vezes literalmente cortada a meio por riffs de guitarra, numa sobreposição instrumental em camadas, onde vale quase tudo, é a essência sonora de uma desarmante canção, que também não descura um forte sentido melódico e uma certa essência pop, numa busca de acessibilidade que se saúda. Depois, no rock imperialmente cavernoso de Smile, na melancolia maquinal de Lifeboat, na cosmicidade celestial do manto rugoso de distorções que afagam High Time, temos a confirmação da já declarada abrangência, que parece sempre, ao longo do disco, estranhamente fluída, intuitiva e natural, provando a incomparável mestria e a hipnótica subtileza de um alinhamento que, no fundo e de um modo geral, assenta muita da sua riqueza na dicotómica e simbiótica relação entre o fuzz da guitarra e vários efeitos sintetizados arrojados, com uma voz sempre peculiar a rematar este ménage espetacular.
Momento mais alto do catálogo dos Wand, Vertigo é a ambiciosa materialização de um todo sonoro, porque as canções não devem ser apreciadas de modo estanque, nem desalinhadas da posição em que se encontram. Cada composição é uma parte metamórfica de um esplendoroso edifício sonoro, minuciosamente arquitetado para encarnar uma espécie de verdade científica que diz que a música dos Wand pode muito bem ser um atalho rapidíssimo para aceder a uma dimensão sonora que aconchega, anima e cura quem andar mais avesso relativamente ao que de bom a vida tem para nos oferecer. Espero que aprecies a sugestão...
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Rui Gabriel – Compassion
Nascido na Venezuela, com a infância vivida na Nicarágua e emigrante nos Estados Unidos, primeiro em Nova Orleães, onde fez parte da banda punk Lawn e agora sedeado em Fort Wayne, no Indiana, Rui Gabriel acaba de se estrear nos discos com um álbum intitulado Compassion, dez canções coproduzidas por Nicholas Corson e que refletem sobre estas mudanças do músico na sua vida, as pessoas que o marcaram e que, no fundo, abordam a transição para a vida adulta.
Compassion é um capítulo eufórico e radiante de abertura de carreira de um músico que promete criar uma epopeia estilística sonora que vai privilegiar e colocar sempre em declarado ponto de mira, apostamos, a herança do melhor indie rock alternativo da década de noventa do século passado. Mas não se pense que esta nossa impressão é depreciativa, no que concerne à predisposição de Rui Gabriel, na hora de criar e compôr, se dedicar apenas a um processo criativo de recorte e colagem de influências, sem induzir um cunho próprio e algo inédito. Logo a abrir o disco, as cordas acústicas, o piano e o violoncelo que adornam com mestria Dreamy Boys e, no ocaso do álbum, em Money, a batida sintética planante, exemplarmente acompanhada pelo piano e pelo baixo, uma trama que nos remete para a melhor herança de uns Primal Scream, entroncando no leque de influências preferencial do autor, comprovam a abrangência das mesmas e o modo como o músico consegue, navegando num leque tão vasto, arquitetar o seu adn sonoro, com subtileza, arrojo, desenvoltura e superior habilidade criativa.
De facto, é essa a grande ideia que transparece da audição de Compassion, uma capacidade superior de abrir um leque muito específico e esticá-lo o mais possível, sem que se parta. O rugoso perfil folk de Church of Nashville, uma canção que os Wilco não se importariam nada de terem criado nos dias de hoje, o travo psicadélico de Target, induzido por uma melodia sintética hipnótica, uma batida vibrante, diversos detalhes percussivos, o clima cósmico tremendamente dançante e anguloso de Change Your Mind e o fuzz insinuante de uma guitarra e o timbre solarengo e surf lo fi das cordas vibrantes que sustentam Summertime Tiger, comprovam que este músico dá razão a quem considera que o melhor indie rock alternativo não é nada mais nada menos do que aquele rock que consegue agregar pitadas daqui e de acolá, com subtileza, arrojo, desenvoltura e superior habilidade criativa, algo que sucede neste álbum de estreia de Rui Gabriel com ímpar sabedoria.
Em suma Compassion tem como grande atributo conseguir, umas vezes com indisfarçável subtileza e outras com esplendoroso requinte, unir, congregar, construir e desconstruir e sublinhar todo um universo de géneros e estilos que influenciam o autor e que, curiosamente, ou talvez não, no fundo também demarcam as fronteiras do melhor cancioneiro norte americano alternativo atual. Uma grande estreia de um projeto que promete imenso. Espero que aprecies a sugestão...
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GUM And Ambrose Kenny-Smith – Ill Times
GUM é um projeto a solo liderado pelo australiano Jay Watson, um músico com ligações estreitas aos POND e aos Tame Impala, que em dois mil e vinte e três fez faísca no nosso radar devido a um disco intitulado Saturnia, um alinhamento de dez canções que viu a luz do dia no final do verão e que sucedeu ao registo Out In The World, que o artista lançou em dois mil e vinte.
Agora, cerca de um ano depois de Saturnia, GUM está de regresso e de mãos dadas com Ambrose Kenny-Smith, um dos elementos fundamentais dos King Gizzard And The Lizard Wizard. Juntos andaram a incubar um disco intitulado Ill Times, um alinhamento de dez canções que viu recentemente a luz do dia, com a chancela da p(doom) Records, a etiqueta dos próprios King Gizzard And The Lizard Wizard.
Jay Watson e Ambrose Kenny-Smith têm algo em comum que, desde logo, obriga todos aqueles que gostam de navegar nas águas turvas do indie rock psicadélico, a escutarem com devoção III Times. Ambos gostam de alimentar e de encher o seu adn de ambientes sonoros com enorme sentido melódico e com uma certa essência pop, sempre numa busca de acessibilidade e abrangência. E, de facto, III Times está cheio de canções ricas em arranjos, detalhes e nuances, mas são, ao mesmo tempo, verdadeiros pontos de encontro com aquele prazer que todos sentimos, independentemente do nosso grau de exigência sonora, por ouvir uma canção que nos embala e que fica no ouvido.
Assim que se escuta os efeitos ecoantes de Dud e somos afagados por uma espiral de epicidade instrumental e vocal que levita, percebemos, com clareza o que aí vem. Esta composição é um tema que Kenny-Smith tinha começado a compôr com o seu avô Broderick Smith, um músico bastante conhecido na Austrália e que faleceu em maio do ano passado. A dupla que assina o disco acabou por terminar o serviço e o resultado final é uma estonteante canção com uma ímpar vibração cósmica, sensação conferida por sintetizações planantes, um registo percussivo enleante acamado por um baixo encorpado e diversos entalhes de guitarras e de sopros, num resultado final assente num puro e salutar experimentalismo e que serve de catalisador para o restante alinhamento de III Times. O tema homónimo, logo a seguir, completa a trama, mostrando-nos um estrondoso hino à melhor herança do rock psicadélico setentista do século passado. É outra composição imponente, repleta de guitarras encharcadas com riffs impetuosos, acamados por um baixo cavernoso. Este perfil orgânico que sustenta o tema é depois embrulhado por uma vasta pafernália de sintetizações cósmicas, às quais compete um extraordinário papel de adorno, num resultado final repleto de guinadas, interseções, detalhes inesperados e trechos de puro experimentalismo.
Com tão virtuoso arranque, não se pense que o nível decresce. O clima enleante do teclado e da batida hipnótica que sustentam Minor Seetback, colocam-nos a dançar instintivamente, enquanto nos projetam para territórios de elevada cosmicidade e lisergia, enquanto Fool For You, não abrandando na grandeza, coloca todas as fichas num ambiente mais intrincado e rugoso, mas sem deixar de conter a sensualidade que o tema anterior tinha tratado de fazer despertar, mesmo no ouvinte mais empedernido e resistente.
Até ao final, o curioso travo motown de Resilience, o modo como em Old Transistor Radio o hip-hop e o R&B estão na mira, a eletrónica minimalista e jazzística de Emu Rock e a irrepreensível tonalidade pop do piano que adorna Marionette, são outros momentos altos de toda esta caldeirada sonora impressiva que é III Times, um álbum envolto num pacote seguro e familiar, que permite a Jay Watson deixar mais uma vez vincada a sua apetência natural para se servir das suas raízes e conferir às mesmas o seu toque de personalidade, assimilando nelas e sem beliscar, todas as referências que o seu convidado lhe ofereceu de mão beijada, inserindo-o, com mestria, num processo criativo que esteve, certamente, isento de formalismos, possibilitando aos dois intervenientes aprenderem e assimilarem nas respetivas carreiras o melhor da outra metade, fazendo-o com enorme bom gosto, ao mesmo tempo que refletem juntos e com indisfarçável temperamento sobre este mundo conturbado em que todos vivemos. Espero que aprecies a sugestão...
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Soft Kill – In The Town Where I Was Born (The Pinkerton Thugs cover)
Depois de terem surpreendido a crítica em outubro de dois mil e vinte e dois com o registo Canary Yellow, o projeto Soft Kill manteve-se extremamente ativo e profícuo, lançando mais dois discos desde então. O ano passado incubaram o registo Metta World Peace, que foi cuidadosamente dissecado pela nossa redação e na passada primavera um alinhamento de treze canções intitulado Escape Forever.
Algumas semanas depois do lançamento desse oitavo álbum da carreira da banda liderada por Tobias Grave, o projeto sedeado em Portland tem para nos oferecer mais uma espetacular novidade. Trata-se de uma versão de In The Town Where I Was Born, um original que fazia parte do registo The Pain And The Pinkerton Thugs, que a banda The Pinkerton Thugs lançou em mil novecentos e noventa e sete.
Se o original é uma canção de elevado pendor acústico e intimista, a versão assinada pelos Soft Kill coloca todas as fichas num perfil sonoro eminentemente pop, com o timbre metálico enleante de uma guitarra a suportar um shoegaze cósmico repleto de têmpora e invulgarmente luminoso. A mesma, ao apoiar-se em teclados frenéticos e num baixo vigoroso, acaba por mover-se também nas areias movediças de uma psicadelia lisérgica particularmente narcótica. Confere a cover e o original...