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Midlake - A Bridge To Far

Sexta-feira, 07.11.25

Três anos depois do excelente registo For the Sake of Bethel Woods, os norte-americanos Midlake de Eric Pulido estão de regresso ao formato longa duração com um disco intitulado A Bridge to Far, o sexto da carreira, que acaba de ver a luz do dia com a chancela do consórcio Believe / Bella Union e que conta com várias participações especiais, nomeadamente Madison Cunningham, Hannah Cohen e Meg Lui.

Midlake – A Bridge To Far Review: A career highpoint

Com um alinhamento de dez canções e produzido por Sam Evian, A Bridge To Far reclama, com firmeza, o posicionamento dos seus autores num lugar de relevo do panorama indie e alternativo, nomeadamente naquele espetro sonoro que aposta na riqueza dos detalhes e na sapiência melódica, como traves mestras do processo criativo. De facto, os Midlake sempre tiveram esta apetência para a criação de canções aprazíveis e reluzentes e que, simultaneamente, contendo sempre um elevado grau de acessibilidade, mostrassem o elevado grau de refinamento.

A típica folk norte-americana, feita de cordas reluzentes e com aquele timbre metálico ecoante tão caraterístico, sempre fizeram parte do cardápio da banda e, logo a abrir o disco, a impetuosa Days Gone By plasma praticamente todas as caraterísticas acima descritas, com alguns arranjos de origem sintética a ofereceram ao tema o tal clima intrincado e rico que os Midlake tanto apreciam. Logo a seguir, no tema homónimo, temos um olhar mais contemplativo e, ao mesmo tempo, envolvente, numa canção em que cordas e bateria se entrelaçam com minúcia, convidando as vozes a entrarem numa dança sonora em que elas e os instrumentos foram criativamente coreografados e corresponderam ao milímetro a esse apelo.

Depois de tão auspicioso início, A Bridge To Far, um álbum que se debruça sobre temas tão díspares como o estoicismo, a esperança perante a adversidade e a humildade imposta pelos acontecimentos da vida, entra em alta rotação com The Ghouls, uma composição vibrante e imponente, orquestralmente rica e diversificada, introduzida por um sólido piano e depois conduzida por um registo percurssivo frenético que acama cordas e teclados, num resultado final muito charmoso, emotivo e com um delicioso travo psicadélico.

De seguida, Guardians coloca-nos de novo na senda de uma folk psicadélica bastante evocativa e detalhisticamente rica, com o piano, alguns sopros, uma bateria de forte travo jazzístico e uma viola dedilhada com minúcia, a criarem um dos momentos mais intimistas de um alinhamento que encontra, logo depois, no piano insinuante e no baixo encorpado que sustentam o jazz espacial de Make Haste, o verdadeiro âmago de quase quarenta minutos recheados de canções soberbas no modo como suportam, sem receio, ténues e quase indefinidas fronteiras entre delicadeza e epicidade, muitas vezes numa mesma composição.

Eyes Full Of Animal, um tema que vai crescendo em arrojo e emotividade, mostra bem essa faceta de A Bridge to Far em que a ostentação sonora não é feita gratuitamente, mas de modo bastante calculado. Esta canção tem no balanço quase hipnótico da bateria o sustento perfeito para uma acomodação quase indecifrável de uma diversidade instrumental que é, sem uma audição muito atenta, praticamente impossível de nomear na sua totalidade.

Até ao ocaso de A Bridge To Far, os saxofones vigorosos de The Calling, uma inesperada explosão de cores e de sentimentos, a curiosa abordagem que é feita à eletrónica de cariz mais ambiental em Within/Without, outra composição que impressiona pelo modo como os sons se sobrepôem em subtis camadas e o clima onírico e pastoral da encorajadora The Valley Of Roseless Thorns são outros momentos altos de um álbum sólido, com um ritmo bastante natural do início ao fim e bastante espontâneo e quente, principalmente no modo como exala uma dinâmica muito singular e, em simultâneo, uma forte e marcante faceta emocional.

Em suma, se o resultado final de A Bridge To Far não deixa de ser vistoso, a verdade é que é também profundamente comovente, até no modo como nos mostra que os Midlake investiram muito de si próprios e da sua exposição pessoal perante o mediático, naquele que é o conteúdo do registo. Essa coragem, geralmente universalmente incompreensível, é sempre de realçar e de elogiar e ainda mais quando acontece de modo tão deslumbrante e bonito. Espero que aprecies a sugestão...

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publicado por stipe07 às 19:07

Damien Jurado – Private Hospital

Quarta-feira, 05.11.25

O norte-americano Damien Jurado atravessa, claramente, desde há algum tempo para cá, uma das fases mais profícuas da sua já longa carreira. Depois de na primavera de dois mil e vinte e um ter editado o excelente registo The Monster Who Hated Pennsylvania, regressou, no verão do ano seguinte, com um novo disco também monstruoso, intitulado Reggae Film Star e em dois mil e vinte e três lançou Sometimes You Hurt The Ones You Hate, o décimo nono registo de originais deste músico e compositor natural de Seattle, um trabalho que, como é habitual neste artista, teve a chancela da Maraqopa Records, a sua própria etiqueta.

Damien Jurado — Little Saint

Agora, exatamente dois anos depois, Damien Jurado está de regresso com um novo compêndio de originais intitulado Private Hospital, uma coleção de onze músicas produzidas pelo próprio e que, contando com as contribuições especiais de Lacey Brown, Aura Ruddell, Zach Alva e Stevan Alva, proporcionam-nos, em pouco mais de trinta e dois minutos, um novo festim de indie pop rock luxuriante e vibrante, caraterísticas bem patentes logo em Celia Weston, o tema de abertura, um tratado de epicidade rugoso e simultaneamente luminoso, que disserta, com sagaz ironia e requinte, sobre o inevitável fim da nossa passagem por esta vida terrena.

Depois de tão imponente abertura, Private Hospital segue a todo o vapor no clima algo psicadélico e tremendamente cinematográfico de Here In The States, uma canção que crítica severamente o caos económico e social em que, na perspetiva do próprio, está mergulhado o país de origem de Jurado, evidenciando, desse modo, uma habitual faceta deste músico, relacionada com a crítica social, sempre sustentada por pontos de vista algo mordazes, mas certeiros e, muitas vezes, encarnados com uma elevada dose de ironia, como é uma vez mais o caso.

O clima mais soturno e ambiental de Hey Pauline, representa, com notável riqueza estilística, as mais recentes experimentações que Jurado, também um mestre da folk, tem colocado em prática, através de instrumentos que habitualmente só fazem parte do cardápio de quem se dedica a criar uma pop de cariz mais sintético. De facto, uma das grandes virtudes de Jurado tem sido, ultimamente, a capacidade de se adaptar aos novos desenvolvimentos tecnológicos e de alargar o seu cardápio instrumental na hora de entrar em estúdio, sem colocar em causa o adn essencial do seu catálogo. O piano eletrónico de forte travo cósmico que conduz Heaven's a Drag é outro exemplo prático desse modus operandi, em que os sintetizadores têm a primazia, mesmo que sejam depois afagados por alguns entalhes percussivos e pelo registo vocal ecoante adocicado de Jurado, num resultado final algo contemplativo.

Private Hospital prossegue em grande estilo em Howard Morton e na robustez de uma batida que sustenta um tema repleto de faustosos arranjos instrumentais, em que cordas, sopros e metais, se vão revezando entre si no predomínio e na liderança da indução de emotividade e charme e altivez a uma composição que balança numa fronteira muito ténue entre o clássico, o retro e o futurista. Depois, Pictures On The Run é um oásis de intimidade com um ligeiro travo a tropicália, um detalhe bastante curioso, mesmo que um sintetizador algo rugoso seja o seu grande sustento sonoro. Já Vampira encontra na mestria de alguns entalhes sintéticos a base que exala um clima amiúde sinistro e inquietante, como é apanágio de uma composição que versa sobre aquilo que uma pessoa sente e faz quando está sobre o efeito de um feitiço inquebrável e não se consegue livrar do mesmo. Private Hospital chega ao seu ocaso em grande estilo, com Call Me, Madam, um tema de forte travo vintage, potenciado por um processo de gravação eminentemente analógico, que coloca as fichas num clima ligeiramente jazzístico.

Em suma, importa dizer, uma vez mais e em jeito de conclusão, que estas novas canções de Damien Jurado, editadas exclusivamente em formato físico de livro, além do digital, sendo, como já vimos, instrumentalmente fartas e filosoficamente tocantes, comunicam com o nosso âmago, através de uma forma de compôr que, algures entre a penumbra e a luz e com uma sofisticação muito própria, é incubada por um dos maiores cantautores e filósofos do nosso tempo, um artista sem paralelo no panorama da indie folk contemporânea. Espero que aprecies a sugestão...

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publicado por stipe07 às 17:52

The Lemonheads - Love Chant

Segunda-feira, 03.11.25

Quase duas décadas depois de um disco homónimo, os The Lemonheads de Evan Dando estão de regresso ao mesmo formato à boleia de Love Chant, um álbum que viu a luz do dia no início recentemente e que nos faz voltar a sentir aquele clima tão caraterístico, que o cenário indie norte-americano replicou com pujança nos anos noventa do século passado.

The Lemonheads: “Love Chant” - REcos da Realidade

Disco produzido pelo brasileiro Apollo Nove e que resultou de um aturado processo de escrita, composição e maturação, algo bem patente na linha temporal longa que baliza o lançamento de vários dos seus temas em formato single, Love Chant é uma confirmação do elevado grau de astúcia e criatividade, assinado por Evan Dando, a grande força motriz dos The Lemoheads, um músico que é, sem sombra de dúvida, um dos nomes mais relevantes do indie rock das últimas quatro décadas e que, neste rgisto, teve a inestimável ajuda de nomes tão relevantes como J Mascis, líder dos Dinosaur Jr, Juliana Hatfield, Tom Morgan, Bryce Goggin, Erin Rae, John Strohm, Nick Saloman e Adam Green, dos The Moldy Peaches.

Uma das grandes qualidades dos The Lemonheads foi sempre o enorme sentido melódico das suas canções, mesmo que o ruído e a aspereza fizessem parte do cardápio instrumental das mesmas. Em Love Chant, disco gravado no Brasil, essa virtude continua bem presente, ampliada pelo elevado grau de heterogeneidade de pouco mais de trinta e cinco minutos que nos levam facilmente e num abrir e fechar de olhos, do nostálgico ao glorioso, à boleia de uma espécie de indie-folk-surf-suburbano, particularmente luminoso e que acaba por se tornar até viciante, tal é a sua frescura e a proximidade que estabelece com o ouvinte. 

Assim, e olhando para alguns dos grandes momentos do álbum, se em Deep End a banda de Boston oferece-nos um espetacular tratado de indie punk rock, com guitarras exemplarmente eletrificadas e repletas de distorções abrasivas e um baixo e uma bateria arritmados, mas exemplarmente coordenados, a sustentarem uma composição, onde não faltam solos inebriantes e aquele notável espírito garageiro que nos marcou a todos há cerca de três décadas, já em The Key Of Victory, o projeto dá uma guinada completa em quase quatro minutos íntimos e introspetivos, gravados nos míticos estúdios Abbey Road, em Londres e que nos oferecem um portento de acusticidade, em que cordas dedilhadas com astúcia, curiosamente por Apollo Nove e diversos arranjos etéreos, tocados por Erin Rae, oferecem-nos uma peça sonora leve, luminosa e profundamente bela. Pelo meio, a garageira e abrasiva In The Margin proporcionam-nos aquele inconfundível travo grunge que todos conhecemos, através de guitarras encharcadas em fuzz e um registo percussivo frenético, nuances que não deixam de ser também uma das matrizes essenciais do ADN dos The Lemonheads, sempre abertos a novas descobertas e paisagens sonoras. Pelo meio, outro grande momento de Love Chant é a aspera, seca, contundente e também abrasiva Togetherness Is All I'm After, canção que condensa, uma vez mais, alguns dos melhores ingredientes daquele rock alternativo e garageiro, que marcou a juventude da minha geração, mas fá-lo com uma destreza melódica superior e com uma curiosa tonalidade psicadélica. A voz adocicada de Evan Dando, quer neste tema, quer nos restantes, diga-se, acaba por ser o ponto de equilíbrio de toda uma estética sonora muito própria e que acaba por ir ao encontro de um louvável intuíto de nos fazer viajar no tempo e entregar-nos o que queremos ouvir, um disco caseiro e pleno de contemporaneidade, mas também perfumado pela melhor herança do passado.

Em Love Chant não deslumbra apenas a versatilidade instrumental e performativa dos intervenientes, mas também, muitas vezes, o balanço perfeito entre o vigor e a delicadeza dos arranjos, dominados quase sempre pelas cordas, mas, principalmente, pelo tom emocional e profundamente melódico das canções, que plasmam uma evidente maturidade musical de um projeto que ainda se quer mostrar relevante, interventivo e inventivo, através de um dos melhores exemplares de indie rock do ano. Espero que aprecies a sugestão...

 

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publicado por stipe07 às 17:10

Noiserv - 7305

Quarta-feira, 29.10.25

Uma das mentes mais brilhantes e inspiradas da música nacional e um dos artistas queridos da nossa redação chama-se David Santos e assina a sua música como Noiserv. Vindo de Lisboa, Noiserv tem na sua bagagem um já volumoso compêndio de canções, que começaram a ser inscritas nos EPs 56010-92 e A Day in the Day of the Days, estando o âmago da sua criação artística nos álbuns One Hundred Miles from Thoughtless Almost Visible Orchestra, adocicados pelo DVD Everything Should Be Perfect Even if no One's There. No outono de dois mil e dezasseis a carreira do músico ganhou um novo impulso com um trabalho intitulado 00:00:00:00, incubado quase de modo espontâneo e sem aviso prévio, mas que se tornou, justificadamente, mais um verdadeiro marco numa já assinalável discografia, ímpar no cenário musical nacional.

New album] Noiserv – 7305

Quatro anos depois dessa pérola debitada quase integralmente nas teclas de um piano, Noiserv regressou com Uma Palavra Começada Por N, onze lindíssimas composições que, em pouco mais de meia hora, nos ofereceram um David Santos de regresso a territórios sonoros mais intrincados, subtis e diversificados, com o registo, no seu todo, a proporcionar-nos um banquete intenso e criativo e a impressionar pelo modo como diferentes nuances, detalhes e samples se entrelaçavam quase sempre com uma base melódica algo hipnótica, mas extremamente doce e colorida.

Agora, cinco anos depois de Uma Palavra Começada Por N, Noiserv tem um disco novo intitulado 7305, que além do notável avanço que o mesmo expressa relativamente à performance do autor, quer como poeta, quer como escritor, também aprimora ainda mais a sua já mítica versatilidade instrumental que, neste caso, teve a mira particularmente apontada a territórios mais sintéticos e eletrónicos, mas sem nunca descurar a presença, nomeadamente ao nível dos arranjos, de alguma instrumentação mais orgânica e acústica, não só ao nível das cordas, irrepreensiveis logo a abrir o alinhamento, na pueril melancolia psicadélica de 20.05. a self conversation is too loud for an empty room, mas também com o uso efetivo e marcante de sopros e de alguns elementos percurssivos.

O quotidiano que todos os dias nos atinge, que assola todos nós, sem exceção, que nos faz viver em permanente sobressalto, não só no que concerne ao cumprimento integral das nossas rotinas e horários, mas também, em paralelo, à convivência permanente com os nossos maiores medos, angústias, sobressaltos e falhas, mas também sonhos, desejos e aspirações, parece ser o grande mote concetual de 7305, tendo em conta a inteprretação que a nossa redação fez após a audição do registo. No entanto, esclarece-se, desde já, que é apenas uma interpretação nossa e que aquilo que o David idealizou para 7305 pode ser algo completamente diferente da nossa interpretação. No fundo é esta a magia da música; deixar que o ouvinte dela se aproprie e lhe dê o melhor uso pessoal e retire os ensinamentos e a inspiração que, num determinado momento, mais o reconforte. E, de facto, a música de Noiserv sempre teve este poder soporífero, esta capacidade de tocar o ouvinte mais dedicado e o fazer refletir sobre si próprio, a sua vida e os seus caminhos, aconselhado por um músico que também é um ser humano igual a nós, com alegrias, aspirações e medos e inquietações certamente parecidas ou semelhantes. 

Um bom exemplo que justifica toda esta reflexão inicial acerca do conteúdo de 7305 é 20 . 13 . A lonely garden in the middle of a small house, uma composição cantada em inglês e que versa sobre a solidão e o desejo de encontrar explicações racionais nos momentos em que interiormente nos sentimos mais perdidos. Sonoramente, é uma canção muito complexa, porque se desenvolve dentro de uma ambientação essencialmente experimental, em que o sintético se entrelaça com o orgânico abrasivo das cordas, com elevada mestria. Depois, 20 . 25 . Resumidamente, uma canção cantada em português, amplia essa faceta comunicativa, fazendo, de acordo com o próprio Noiserv, um retrato do homem atual com ironia, poesia e alguma crítica, através de uma letra em que praticamente todas as palavras terminam em mente tende a reforçar o lugar de engano a que a nossa sociedade nos está a conduzir, uma completa troca de valores sobre o que é ou não importante na relação com o outro.

O registo prossegue e 20 . 08 . A Fearless Party Between A Kid And His Own Thoughts, a canção mais intimista e orgânica de todas as composições do disco, leva-nos, de certa forma, às origens da carreira de Noiserv, com uma melodia simples, mas sentida, a assentar num rendilhado sublime entre detalhes sintéticos e cordas dedilhadas com astúcia, sopros pueris e diversos entalhes percurssivos eminentemente metálicos, num resultado final intenso e sentimentalmente exuberante. Depois, 20 . 27 . A Long Journey In A Little Train To Poland, uma canção vigorosa e, a espaços, até algo abrasiva e com uma imponência muito subtil, mas óbvia, impressiona pela clemência e pelo detalhe, nuances que também transparecem no perfil interpretativo vocal do artista, mais intenso e processado do que o habitual.

Outro momento notável do registo é, sem dúvida, 20 . 16 . A Casa Das Rodas Quadradas, canção que se debruça sobre a dor subjacente aos momentos de mudança e que conta com a participação especial de Milhanas. O tema impressiona pela sua delicadeza e intimidade, imagens de marca de grande parte da carreira de Noiserv, que apostou com bastante frequência nas teclas de um piano para criar as suas melodias, fazendo-o aqui novamente e com um bom gosto indesmentível. O resultado final é bastante impressivo e comunicativo, envolvente e tocante, ampliado pela extraordinária dança protagonizada pelas vozes de Milhanas e Noiserv.

7305 é, em suma, um trabalho laborioso de lapidação, detalhe, delicadeza e refinamento, que alcança, no seu todo, laivos de excelência que, como já foi referido, alargam os horizontes sonoros do autor e o arco concetual estilístico do seu catálogo, com superior mestria. Ao longo de pouco mais de trinta e dois minutos estabelece pontes entre aquilo que é definido como o orgânico e acústico e o sintético, através de um manancial de ligações de fios e transistores que debitam um infinito catálogo de sons e díspares referências, únicas no cenário alternativo nacional e que também exalam um intenso charme, induzido por uma filosofia interpretativa que, mesmo tendo por trás um cada vez mais diversificado arsenal instrumental, nunca abandona aquele travo minimalista, pueril, orgânico e meditativo que carateriza o modus operandi deste músico único. Espero que aprecies a sugestão...

 

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publicado por stipe07 às 16:10

Geese - Getting Killed

Segunda-feira, 20.10.25

Caos e tensão são adjetivos que se ajustam às mil maravilhas aos Geese, uma banda de Nova Iorque que teve a sua génese há quase uma década no profícuo e efervescente bairro de Brooklyn e que é atualmente formada por Cameron Winter, Emily Green, Dominic DiGesu e Max Bassin, quarteto ao qual se junta o teclista Sam Revaz, quando o projeto toca ao vivo. Estrearam-se nos discos já esta década, em dois mil e vinte e um, com o registo Projector, ao qual se sucedeu 3D Country dois anos depois e agora, há poucos dias, Getting Killed, um alinhamento de onze canções produzidas por Kenneth Blume e que têm a chancela da Partisan Recordings.

Pujantes e, ao mesmo tempo íntimos, contundentes e simultaneamente emotivos, os Geese são o exemplo perfeito de como na música muitas vezes a ausência de regras estilísticas rigidas, de seguidismos ou de balizamentos é, também, uma boa fórmula para se chegar ao sucesso e à tão almejada perfeição. Getting Killed, o novo álbum do quarteto, pode ser catalogado, de modo simplista, como um disco de indie rock, mas é claramente muito mais do que isso. Os seus quarenta e cinco minutos condensam, sem ordem definida e numa espécie de caos ordenado, world music, jazz, folk, rock, pop, R&B, grunge, garage, psicadelia, punk e tudo aquilo que mais quiseres colocar nesta listagem. Depois, qual cereja no topo do bolo, temos Cameron Winter, considerado já por muitos como um dos vocalistas mais carismáticos do cenário indie e alternativo atual. Se num segundo ele choca-te e instiga-te com um voz ensurdecedora e, imagine-se, algo desconfortável, pouco depois está a falar, de modo contundente, ao teu coração, sussurrando-te ao ouvido com o registo mais adoçicado que possas imaginar. Pelo meio, captando a nossa atenção frequentemente de uma forma pouco convencional e até algo chocante, mantém uma performance algo arrastada, mas sempre tensa, atributos que ampliam ainda mais o modo bem sucedido como ele comunica connosco, mesmo que a disposição para o escutar não esteja nos píncaros.

Começa-se a escutar Trinidad, o tema que abre Getting Killed e, numa espécie de alegoria aquele jazz da primeira metade do século passado, percebe-se logo a cadência e o travo de um perfil sonoro ansioso, fragmentado e descontrolado, aspetos que vão ser transversais a todo o disco, independentemente do perfil interpretativo selecionado para cada composição, que explora sempre um som vibrante e que parece estar permanentemente a querer fugir ao típico arquétipo estrutural do formato canção, na sua forma mais pura e natural.

Feitas as apresentações, logo a seguir Cobra escancara, de par em par, as janelas da nossa alma para a contemplação de uma pop lisérgica e luminosa, com Husbands a colocar as fichas num perfil mais minimal e eletrónico, mas nem por isso menos abundante em detalhes, tiques e nuances, geralmente percussivas, que nos mantêm permanentemente alerta relativamente ao rumo que a canção possa levar.

Getting Killed prossegue em grande estilo e 100 Horses é outro exemplo feliz desta filosofia interpretativa musculada e quase irreal, em que os instrumentos frequentemente se confundem e mal se distinguem, deixando-nos sempre em absoluto suspense; No travo funk da composição saboreia-se um arsenal instrumental que tem na rugosidade do baixo e na aspereza das guitarras, elementos decisivos na indução de extase a uma canção de elevado pendor lisérgico. Antes, já o ímpeto vibrante do tema homónimo e o modo como as cordas crescem em intensidade e astúcia em Islands Of Men, tinham-nos mostrado que as guitarras são também uma arma de arremesso essencial do disco e que a guitarrista Emily Green e o baixista Dominic DiGesu são peças vitais no seu movimento sinuoso que, por incrível que Às vezes possa parecer, nunca resvala nem se despista.

Até ao ocaso de Getting Killed, o refrão gospel e a alegria contagiante de Half Real, uma belíssima canção de amor e o hino Taxes, um tema que tem tudo para se tornar numa das melhores canções do século XXI, são outros instantes impressivos de um disco cheio de reviravoltas e imprevistos, que escapa constantemente às expetativas que sobre ele se possam colocar e que parece saciar uma curiosidade inquieta e indomável que os Geese sentiram de explorar o máximo possível o potencial criativo que neles existe e o arsenal intrumental que dispôem.

Num dos discos do ano, cheio de força e vigor criativo, timbres e dinâmicas, este quarteto nova iorquino mostra que o sucesso e a felicidade no seio desta forma de arte chamada música, podem andar de mãos dadas, desde que se ponha de lado convenções e regras e se aposte numa fé inabalável no instinto e naquilo que ele nos pedir que seja feito no momento de criar e de desconstruir, porque aí, quando a realidade se dissolve, vale mesmo tudo. Espero que aprecies a sugestão...

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publicado por stipe07 às 12:38

Living Hour – Internal Drone Infinity

Sexta-feira, 17.10.25

O bucolismo de Winnipeg é o poiso dos Living Hour, um projeto sonoro canadiano que se estreou em dois mil e dezasseis nos discos com um homónimo que teve a chancela da conceituada Lefse Records e que em oito canções nos ofereceu uma revisão bastante contemporânea de toda a herança que o indie rock de cariz mais melancólico, ambiental e lo fi nos tem deixado, com fundamentos que remontam à psicadelia que começou a fazer escola na década de sessenta do século passado.

Living Hour Announce New Album, Share New Single Featuring Jay Som - Our  Culture

Em dois mil e vinte e dois e três anos após o registo Softer Faces, os Living Hour regressaram ao formato álbum com Someday Is Today, um trabalho que contava nos créditos da produção com a colaboração da multi-instrumentista e produtora norte-americana Melina Mae Duterte aka Jay Som, além de Jonathan Schenke e Samur Khouja e que sonoramente parecia estar preso num qualquer transístor há várias décadas, mas que foi libertado com o aconchego que a evolução tecnológica permite, ajudando-nos a olhar de frente para o vasto oceano de questões existenciais, que entre o arrojado e o denso, nos obrigam sempre a procurarmos uma estadia de magia e delicadeza invulgares, caso queiramos respostas consistentes e definitivas.

Agora, três anos depois de Someday Is Today, os Living Hour têm já nos escaparates um álbum intitulado Internal Drone Infinity, que viu a luz do dia com a chancela da Paper Bag Records e que estilisticamente acaba por seguir as premissas reflexivas do disco anterior, já que as suas dez canções incorporam, na íntegra, doses indiscretas de uma pop suja e nostálgica, que nos leva a degustar, em pouco mais de trinta e cinco minutos, um amigável confronto entre o rock alternativo de cariz mais lo fi com aquela pop particularmente luminosa e com um travo a maresia muito peculiar.

Temas como Wheel, que sobrevive à custa de cordas vibrantes, que são trespassadas por efeitos abrasivos ecoantes, num tema que vai crescendo em arrojo e emoção, ou Waiter, uma canção que os coloca na senda daquele rock com elevado travo shoegaze, feito de cordas sujas e tremendamente abrasivas, acamadas por um baixo imponente, mas discreto, são momentos impressivos de Internal Drone Infinity e que nos elucidam relativamente ao elevado nível de densidade, nostalgia, crueza e hipnotismo que o disco contém. No entanto, no superior travo intimista orgânico da guitarra que sustenta Best I Did It, no registo percussivo arrastado e simultaneamente hipnótico da épica e rugosa Firetrap e no clima grunge e enleante de Big Shadow, encontramos outros atributos transversais a todo o registo, com alguns sintetizadores a conferirem, amiúde, a toda a trama os indispensáveis adornos, além de ajudarem as canções a terem a alma e a filosofia desejadas.

Em suma, Internal Drone Infinity amplifica ainda mais a faceta oitocentista que sempre instigou este quarteto no momento de compor e de criar. Instrumentalmente, impressiona o elevado grau de lisergia das guitarras, melodicamente sagazes, que dão vida a um clima bastante sentimental e envolvente, mas também se nota um superior cuidado com os detalhes e a busca constante de majestosidade e de têmpera. Como já referi, conceitos como densidade, nostalgia, crueza e hipnotismo, assaltam a nossa mente canção após canção, sempre com elevada essência pop e um acerto melódico que nunca vacila. Espero que aprecies a sugestão...

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publicado por stipe07 às 17:43

The Autumn Defense – Here And Nowhere

Sábado, 11.10.25

Depois de um hiato de onze anos os norte-americanos The Autumn Defense, de John Stirratt e Pat Sansone, membros dos Wilco, estão de regresso aos discos com um alinhamento de onze canções intitulado Here And Nowhere, que tem a chancela da Yep Roc Recordings e que sucede ao registo Fifth, que o projeto que existe desde mil novecentos e noventa e nove, lançou em dois mil e catorze.

pic by Mikael Jorgensen

Com Jeff Tweedy embrenhado na sua obra-prima de enorme envergadura e extraordinário conteúdo intitulada Twilight Override, John Stirratt e Pat Sansone aproveitaram a janela de oportunidade que se abriu de par em par e resolveram, em boa hora, dar um novo impulso ao seu notável projeto paralelo The Autumn Defense. O resultado são onze belíssimas canções que celebram, com nostalgia e encantamento, aquela tonalidade radiofónica e aprazível que também deve marcar um bom projeto de indie rock, enquanto aprimoram o adn pretendido e que, neste caso, aposta na riqueza de uma heterogeneidade instrumental praticamente sem entraves, para criar canções que podem ir, num ápice, do épico ao intimista, muitas vezes quase sem o ouvinte dar por isso.

The Ones, o tema que abre o alinhamento de Here And Nowhere, é o reflexo claro desse modus operandi dos The Autumn Defense. Imponente, mas também intimista e reflexiva, a composição começa por impressionar devido a um delicado dedilhar de cordas, que é exemplarmente abraçado por uma bateria complacente. Depois, diversos entalhes percussivos e um piano e alguns sopros insinuantes são a cereja no topo do bolo de um tema que coloca todas as fichas em alguns dos melhores tiques do indie rock experimental setentista e da pop contemporânea, com um clima cósmico e intemporal inebriantes, que tem tanto de intrigante, como de deslumbrante.

Feitas as apresentações do álbum com tão notável canção, Here And Nowhere prossegue e somos constantemente atingidos por sons e detalhes que achávamos que mais nenhuma banda teria a ousadia de replicar em simultâneo, mas que aqui são tocados sem qualquer entrave. Por exemplo, o riff da guitarra da Beatliana I’ll Take You Out Of Your Mind, uma composição com um travo psicadélico bem escondido, mas omnipresente, a majestosidade que transparece da conexão entre baixo e piano, exemplarmente rematada por uma secção de sopros de elevado nível em Winter Shore, o piano imponente, que sustenta a ímpar beleza melódica que transparece de Old Hearts, exemplarmente rematada por um trompete competente e o modo como texturas sinteticas e guitarras acústicas se sobrepoem e vão deixando a voz fluir em Hearts Arrive, são mais quatro belos exemplos da força e do vigor de um disco que acaba por proporcionar ao ouvinte mais atento uma sensação de abrigo e de conforto que não é de descurar.

Alegria e trizteza, riso e dor, luz e sombra, são sensações e ideias muito presentes em Here And Nowhere, um álbum mágico no modo como transpira aquela musicalidade que irrompe e atiça. É um disco que consegue transmitir sempre beleza e cor, mesmo nos tais momentos em que alguns sentimentos menos positivos vêm à tona, algo comum em algumas das suas canções. De facto, beleza e tristeza misturam-se constantemente, mas nunca ninguém disse que isso é ngativo nesta forma de arte, antes pelo contrário. E não serei eu a dizê-lo, certamente, aos The Autumn Defense, até porque o disco comprova que eles possuem a fórmula correta para conseguirem proporcionar-nos sensações tão díspares e, ao mesmo tempo, retemperadoras, através de algum do melhor indie rock alternativo que se faz atualmente, vindo do lado de lá do atlântico. Espero que aprecies a sugestão...

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publicado por stipe07 às 16:13

The Antlers – Blight

Sexta-feira, 10.10.25

Os The Antlers, um projeto fundamental do indie rock experimental norte-americano dos últimos vinte e cinco anos, formado por Peter Silberman e por Michael Lerner, lançaram em dois mil e vinte e um o último disco de originais, um trabalho chamado Green To Gold, que tem finalmente sucessor. Trata-se de um alinhamento de dez canções intitulado Blight, que acaba de ver a luz do dia, com a chancela da Transgressive Recordings.

The Antlers Blight

Como certamente os leitores mais atentos deste espaço de crítica e divulgação musical se recordam, os The Antlers mantiveram-se ativos depois de Green To Gold, nomeadamente em dois mil e vinte e três, ano em que divulgaram os temas Ahimsa, sete minutos preenchidos com uma lindíssima folk tipicamente americana, batizados com o nome de um ancião índio e cujo original era um dos momentos maiores da carreira a solo de Peter. Ofereceram-nos, também, mais três temas; A lindíssima balada I Was Not There, uma canção intitulada Rains, que era um espantoso tema sobre renovação, otimismo e abertura à mudança e Tide, uma composição que versava sobre o modo como o tempo passa implacavelmente, sem pausas ou esperas, por cada um de nós.

Blight, o novo disco da dupla, acaba por ser uma consequência lógica desse processo criativo, com os seus pouco mais de quarenta e cinco minutos a impressionarem imenso, quer pela riqueza detalhística e pela diversidade de nuances, transversal às nove canções do alinhamento, quer pela própria filosofia lírica e estilística subjacente ao registo e, acima de tudo, pela emotividade e assombro que a sua audição dedicada suscita.

Logo no registo vocal penetrante e no meigo piano de Consider The Source, somos submergidos num universo sonoro sui generis, em que folk, eletrónica ambiental e jazz dançam entre si, numa mescla escorreita e homogéna, que toca no âmago, mesmo que a predisposição para tal seja mínima. A música dos The Antlers mantém, duas décadas depois, intacta essa faceta nobre e sentida, que teve desde sempre, de oferecer aos ouvintes um regaço aconchegante de repouso e de intimidade, mesmo que algumas canções possam abordar temáticas algo depressivas e sombrias.

Blight aprimora esse modus operandi com diversos momentos altos e de audição obrigatória. Carnage, por exemplo, versa, de acordo com Silberman, sobre o modo cruel como tratamos outras espécies para nossa conveniência. O cheiro de fumo de um incêndio numa floresta ou o som de uma motoserra são, de acordo com o projeto, contradições que é impossível ignorar. Sonoramente, Carnage começa por carregar em si um travo minimalista sintético alimentado por um toque repetitivo num teclado, que começa a ser adornado por diversas nuances percurssivas, um piano insinuante e, finalmente, por alguns entalhes abrasivos, que culminam numa explosão sónica de reverberizações, sobrepostas em camadas quase indecifráveis que, como é hábito nos The Antlers, não deixam de estar, curiosamente e por incrível que pareça, repletas de intimidade e de delicadeza. Depois, Something In The Air é uma canção soberba no modo como respeita e, de certo modo, sublima a mais pura essência do adn dos The Antlers. Num misto de intimidade, espiritualidade e delicadeza, o piano magnânimo e cru, as cordas serenas que depois, a meio, resvalam para uma espiral sónica de reverberizações e os vários entalhes percurssivos, muitos de origem sintética, constroem um tema melodicamente simples, mas rico em nuances e que acaba por ser também lindíssimo porque, a espaços, consegue ser inquietante, não deixando indiferente o ouvinte mais dedicado.

O minimalismo sussurrante e algo inquietante de Pour, a delicada luminosidade que exala das cordas acústicas que dedilham com destreza o manto melódico que vai depois acomodar a espiral sintética em que assenta a vigorosa e cósmica Deactivate, o modo paciente como a guitarra e a bateria tricotam um soporífero oásis de jazz experimental intitulado Calamity e a pacata solidez de A Great Flood, são outros momentos altos de um disco que acaba por encarnar uma espécie de epopeia sonora que acumula um amplo referencial de elementos típicos de diversos universos sonoros, que se vão entrelaçando entre si de forma particularmente romântica, cinematográfica e até, diria eu, objetivamente sensual. Espero que aprecies a sugestão...

01. Consider The Source
02. Pour
03. Carnage
04. Blight
05. Something In The Air
06. Deactivate
07. Calamity
08. A Great Flood
09. They Lost All Of Us

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Sun Kil Moon And Amoeba – Sun Kil Moon And Amoeba, Vol. II

Domingo, 05.10.25

Natural da pequena localidade de Massillon, no Ohio, Sun Kil Moon é o nome do projeto atual a solo do cantor e compositor Mark Kozelek, que ficou conhecido por ter sido o líder dos carismáticos Red House Painters. Este é um dos projetos que constam na listagem da melhor indie folk contemporânea e um dos mais queridos para a nossa redação. Cada novidade de Sun Kil Moon é tragada por cá com delícia e minúcia, algo a que não foge à regra Sun Kil Moon And Amoeba, Vol. II, um novo disco do artista, que surge no nosso radar meio ano depois de termos conferido Wolves, um delicioso tema que tinha a chancela da Caldo Verde Records, tal como sucede com este novo álbum do músico.

MusicPress

Conforme o título indica, Sun Kil Moon And Amoeba, Vol. II é o segundo capítulo de uma saga colaborativa que Sun Kil Moon tem encetado, nos últimos tempos, com um grupo de músicos húngaro de jazz chamado Amoeba, formado por Péter Sabák, Bence Molnár, Viktor Sági e Levente Boros.

Logo em Wolves, o tema acima referido e que abre o registo, está bem patente o perfil interpretativo transversal ao alinhamento de oito canções deste álbum. Em Wolves, ficamos boquiabertos com o perfil tremendamente jazzístico, boémio e claramente experimental de uma canção que, logo nos primeiros acordes e batidas, se percebe que é, na sua génese, angulosa, quente e visceral.

Com essa experiência ímpar e curiosa que nos marca durante a audição de Wolves, em que somos abanados e convidados, sem aviso prévio, a um subtil abanar de ancas, mantemos claramente a postura em Happy Birthday Elle, uma composição que encanta pelo modo como bateria e guitarra se entrelaçam com astúcia em quase oito minutos que exalam um jazz experimental algo minimal e crú, mas tremendamente saciador. Depois, o modo como a voz de Kozelek, divagante e sentida, se torna, ele própria, num indutor fundamental do perfil melódico do tema, enquanto disserta sobre a vida e o passado da protagonista, amplia ainda mais o grau de proximidade entre artista e ouvinte.

O disco prossegue e somos de novo sujeitos a um imersivo exercício de contemplação com a longa Dulcolax, uma canção algo densa e inquietante, mas exemplarmente burilada com constantes interseções entre cordas acústicas e alguns entalhes sintéticos. Depois, Mother And Daughter oferece-nos um instante de pura contemplação enquanto guitarra e bateria travam, com bom gosto, mais uma amigável luta enleante e a majestosa Fairytale Sunday oferece ao piano as rédeas enquanto Kozelek disserta, no seu também habitual registo declamativo, sobre a sua relação especial com este grupo de músicos húngaros que marcaram o cenário musical alternativo de Budapeste nos últimos anos, não só através do projeto Amoeba, mas também à boleia de outras colaborações, quer em nome próprio, quer com outros músicos.

Até ao ocaso de Sun Kil Moon And Amoeba, Vol. II,  no encanto até algo romântico de What The World Needs Now Is Love, na subtila aproximação a ambientes mais consentâneos com a eletrónica ambiental em Budapest Block e na primazia que é dada à voz em Verőce, mais uma canção em que Kozelek declama sobre esta estreita colaboração com o projeto Amoeba, ficamos devidamente esclarecidos relativamente ao sentimento geral que este disco nos transmite. Trata-se de um belíssimo compêndio sonoro, onde a simplicidade melódica coexiste com uma densidade sonora suave e esteticamente bastante vincada e com uma assintura única, em uma hora de música que transborda uma majestosa e luminosa melancolia que, diga-se, sabe tremendamente bem nesta altura do ano. Espero que aprecies a sugestão...

01. Wolves
02. Happy Birthday Elle
03. Dulcolax
04. Mother And Daughter
05. Fairytale Sunday
06. What The World Needs Now Is Love
07. Budapest Block
08. Verőce

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publicado por stipe07 às 10:08

Jeff Tweedy – Twilight Override

Sexta-feira, 26.09.25

O norte-americano Jeff Tweedy, líder do míticos Wilco, é, claramente, um dos músicos mais profícuos e criativos do cenário musical alternativo atual e, sem sombra de dúvida, um dos mais menosprezados. Não é amplamente reconhecida a sua enormíssima capacidade criativa, algo censurável quando ela é tremendamente inspirada e, melhor do que isso, bastante inspiradora para quem se predispuser a embrenhar-se, com a devida dedicação, na sua filosofia interpretativa, seja ao nível poético, seja no que diz respeito ao modus operandi muito peculiar, e certamente bastante intuitivo, do seu processo de composição.

Jeff Tweedy of Wilco

Pic by Shervin Lainez

Concretizando, na última década e meia, ao comando da sua banda, idealizou e incubou The Whole Love (2011), Star Wars (2015), Schmilco (2016) Cruel Country (2022) e, muito recentemente, Cousin (2023). Entretanto, em dois mil e dezoito, aproveitou para escrever uma auto-biografia intitulada Let's Go (So We Can Get Back): A Memoir of Recording and Discording with Wilco, Etc., onde dissertou sobre aspetos da sua personalidade e do seu trajeto nos Wilco.

No que concerne à carreira a solo, à boleia desse exaustivo exercício escrito de introspeção, acabou por criar diversos registos, destacando-se WARM, onze canções que viram a luz do dia nesse mesmo ano de dois mil e dezoito com a chancela da insuspeita dBpm Records e que sucederam a Together at Last, editado no ano anterior, um registo de versões de alguns dos temas mais emblemáticos da sua, na altura, já extensa carreira. Depois de WARM, em dois mil e dezanove chegou Warmer, disco que, conforme o título indica, não estava dissociado do conteúdo do antecessor, já que, além de ter sido gravado durante o mesmo período em que foi captado WARM, acabou por, na sua essência, obedecer à mesma filosofia sonora estilística.

No início do estranho outono de dois mil e vinte, Jeff Tweedy deu ao mundo Love Is The King, a última obra discográfica em nome próprio, antes de Twilight Override, de um compositor que assenta o seu processo criativo numa concepção de escrita que, de acordo com o que de certa forma ficou plasmado no início desta análise, explora bastante a dicotomia entre sentimentos e o modo criativo e refinado como musica as letras que daí surgem, aliando o seu adn pessoal às tendências mais contemporâneas da folk e do rock alternativo.

Assim, Jeff Tweedy volta a colocar-nos em sentido devido ao espetacular novo capítulo discográfico da sua carreira a solo. Trata-se de um triplo (?) álbum com um total de trinta canções, intitulado, como já referi, Twilight Override, que tem a chancela da dBpm e que foi gravado pelo próprio Tweedy no seu estúdio The Loft, em Chicago, com a ajuda do seu colaborador de longa data, Tom Schick, contando com as participações especiais de James Elkington, Sima Cunningham, Macie Stewart, Liam Kazar e Spencer e Sammy, filhos de Tweedy.

É um verdadeiro exercício exaustivo de megalomania debruçar-nos sobre o conteúdo das trinta canções desta verdadeira obra conceptual, apesar de haver algumas composições que merecem claro destaque e citação. Mais do que isso, o que importa ressaltar de Twilight Override, à partida, é ser um disco para ser escutado na íntegra, como um todo. Instrumentalmente heterogéneo, com momentos épicos e outros intimistas, tem como grande trunfo a força que emana de dentro de si, nomeadamente no modo como se debruça sobre as fragilidades e as potencialidades da nossa espécie, ou seja, sobre o conceito de humanidade, aquela humanidade que todos temos dentro de cada um de nós e como essa mesma humanidade conduz e determina a forma como nos relacionamos com o próximo e vivemos em comunidade.

A partir daí, o amor acaba por ser o tema central do disco. Não apenas o amor sensual e que é vivido entre duas pessoas apaixonadas e que se relacionam emocional e fisicamente, mas também a compaixão, a amizade, a ternura e o apego que temos por aqueles que nos rodeiam e fazem parte da nossa vida. Jeff Tweedy quer, basicamente, na simplicidade do modo como dedilha as cordas de uma viola e na facilidade aparente com que parece conseguir inventar sons e melodias como se isso fosse intrínseco ao seu próprio eu, mostrar-nos que, muitas vezes, o sucesso da nossa passagem por este mundo está no modo como não arranjamos problemas onde muitas vezes eles não existem e, em vez disso, damos preferência aos sentimentos e à permissão que damos aos mesmos, para que se espraiem por todos os nossos poros e, depois, toquem no outro. Se o contagiam ou têm efeito, isso é outra questão, mas termos a consciência tranquila relativamente ao modo como demonstramos para fora o que o nosso coração sente, parece ser, na minha óptica, a grande lição que tiramos de um álbum que tem, sem sombra de dúvida, este potencial comunicativo, reflexivo e até redentor. Atesto que quem o escutar com fervor, vai sair muito mais rico dessa experiência.

Olhando então para algumas das canções, se logo a abrir o disco, One Tiny Flower impressiona pela exuberância e pelo modo como nos remete para aquelas fabulosas experimentações feitas com cordas e teclados que fizeram do clássico Yankee Hotel Foxtrot, dos Wilco, um disco essencial do cenário indie deste século, o perfil eminentemente contemplativo de Enough de Stray Cats In Spain, o olhar para dentro que Tweedy faz em Out In The Dark, um tema que reflete sobre o processo criativo que tem orientado a carreira deste músico extraordinário, o modo como em Feel Free somos incentivados a reconhecer as diferentes formas e vertentes que o conceito de liberdade pode abranger, em pouco mais de sete minutos com um perfil sonoro inicialmente de forte pendor orgânico e reflexivo e o punk folk abrasivo de Lou Reed Was My Babysitter, um tema vibrante e intenso, que impressiona pelo modo sagaz e buliçoso como faz brilhar as cordas que, sempre num registo acústico, mas cheias de força e vigor, conseguem exalar têmpora e rispidez, enquanto são exemplarmente acompanhadas por uma bateria frenética, mas sempre segura, são momentos obrigatórios deste impressivo e jubilante tratado folk, dominado, de alto a baixo, por timbres de cordas, muitas vezes particularmente estridentes, que abastecem a tal constante dicotomia entre sentimentos e confissões, não faltando também, algumas nuances mais eletrificadas e radiofónicas, sempre sem descurar essa essência eminentemente reflexiva e sentimental da génese do catálogo do músico.

Twilight Override é, em suma, a demonstração clara de que não é para todos estar-se imbuído com uma capacidade única e invejável de destilar melodias lindíssimas com a ajuda de uma simples viola, eletrificada, por exemplo, de modo estrondoso em No One's Moving On, ou acústica, quase como quem respira. É abençoado Tweedy por o conseguir e somos abençoados nós por podermos assistir na primeira fila a esse exercício que, mais do que criativo, é, certamente, também redentor para o autor e não apenas para o ouvinte, como já referi. De facto, Twilight Override carrega, em pouco menos de duas horas de audição, mas que passam num esgar, uma inacreditável simplicidade melódica que é simplesmente arrebatadora mas terrivelmente eficaz e desprovida de qualquer sede de exacerbado protagonismo, diga-se. O resultado final é uma atmosfera bucólica e encantatória, mas intrigante, num álbum que manifesta de forma pura, desinteressada e bastante reveladora, uma pessoalidade única e inconfundivel no panorama indie atual. Espero que aprecies a sugestão...

CD 1
01. One Tiny Flower
02. Caught Up In The Past
03. Parking Lot
04. Forever Never Ends
05. Love Is For Love
06. Mirror
07. Secret Door
08. Betrayed
09. Sign Of Life
10. Throwaway Lines

CD 2
01. KC Rain (No Wonder)
02. Out In The Dark
03. Better Song
04. New Orleans
05. Over My Head (Everything Goes)
06. Western Clear Skies
07. Blank Baby
08. No One’s Moving On
09. Feel Free

CD 3
01. Lou Reed Was My Babysitter
02. Amar Bharati
03. Wedding Cake
04. Stray Cats In Spain
05. Ain’t It A Shame
06. Twilight Override
07. Too Real
08. This Is How It Ends
09. Saddest Eyes
10. Cry Baby Cry
11. Enough

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