man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Magic Wands – Switch
Os Magic Wands são de Los Angeles e formaram-se em dois mil e oito quando Chris descobriu o myspace de Dexy Valentine, onde ouviu uma canção chamada Teenage Love e desde logo resolveu contactá-la. Pouco tempo depois Dexy mudou-se para Nashville e começaram a escrever música juntos, sendo o nome da banda uma alusão à capacidade de ambos conseguirem trabalhar e escrever música como equipa, apesar de viverem em lados opostos dos Estados Unidos. Ainda nesse ano de 2008 a dupla assinou pela Bright Antenna e editaram o primeiro EP, intitulado Magic Love & Dreams, gravado em Nova Iorque com o produtor John Hill. Na primavera de dois mil e doze editaram o disco de estreia, um registo chamado Aloha Moon que oito anos depois, em dois mil e vinte, ganhou sucessor, um álbum intitulado Illuminate que foi dissecado por cá nos últimos dias desse ano.
Agora, em plena primavera de dois mil e vinte e três, os Magic Wands, que são agora um trio, já que além de Chris e Dexy também contam na formação com o baterista Pablo Amador, estão de regresso com um novo compêndio de doze canções intitulado Switch, que nos remetem para aquele universo oitocentista bem balizado e com caraterísticas bastante peculiares e únicas, aquele rock com forte pendor nostálgico, feito com diversas camadas de guitarras, mudanças rítmicas constantes e um registo vocal geralmente abafado, nuances que ainda hoje são pedras basilares de alguns dos nomes mais proeminentes do indie rock, nomeadamente aqueles que o cruzam com a eletrónica.
De facto, o grande elogio que se pode fazer a estes Magic Wands é a capacidade que têm de agregar diferentes géneros e influências e, com essa amálgama impecavelmente organizada, incubarem um som com forte cariz identitário que tanto consegue ser enérgico, como etéreo e sempre bastante texturizado numa paleta vasta de efeitos, timbres e distorções, com a voz marcante de Dexy Valentine a ser o principal elementos agregador de toda esta trama conceptual.
O baixo encorpado de Joy e o cavernoso efeito planante que se entrelaça com a voz de Dexy, é uma porta escancarada, logo a abrir o disco, para este adn dos Magic Wands, com um polimento e uma majestosidade claramente superiores ao antecessor Illuminate, um disco que tinha um ambiente menos polido e um pouco mais lo fi. Depois, se o vibrante tema Switch, cruza o melhor soft rock com algumas bizarrias eletrónicas, numa espécie de cruzamento entre os The Kills e os The Horrors, já Daylight é um portento de garage rock repleto de doses indiscretas de uma pop suja e nostálgica que tanto diz a amantes de nomes ímpares como os Jesus And The Mary Chain ou os próprios Cure no período mais precoce da carreira.
Para conferir um cariz ainda mais imponente ao disco, se Time é uma daquelas composições que exala por todos os poros a pop dançante de uns Blondie, Falling Trees é uma daquelas composições que bebeu sem pudor na fonte daquela pop charmosa que abastece os mais contemporâneos Still Corners, uma pop leve e sonhadora, íntima da natureza etérea e onde os sintetizadores são reis, mas também uma pop que pisca muitas vezes o olho aquele rock alternativo em que as guitarras eléctricas e acústicas marcam indubitavelmente uma forte presença.
Em suma, disco que sonoramente obedece a um perfil interpretativo eminentemente experimentalista e lisérgico e que contém, como é natural, um elevado travo orgânico, já que os sintetizadores são, quase sempre, meros adornos indutores de detalhes e tiques que, muitas vezes, servem apenas para preservar o adn do projeto, Switch é um excelente soporífero para que não nos afoguemos nas águas turvas destes dias sempre agitados e inquietantes. É uma explosiva coleção de canções que nos conduz a um amigável confronto entre o rock alternativo de cariz mais lo fi com aquela pop particularmente luminosa e com um travo negro muito peculiar. Espero que aprecies a sugestão...
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The National – First Two Pages Of Frankenstein
First Two Pages Of Frankenstein é o curioso título do novo disco dos norte-americanos The National, um registo que quebra um longo hiato da banda nova-iorquina, que se tornou ainda mais angustiante para os fãs do projeto quando Matt Berninger confessou, numa entrevista recente, que durante a pandemia viveu numa espécie de bloqueio criativo e que esse facto e a existência de alguns projetos paralelos nas vidas dos vários músicos do grupo, poderia colocar em causa o futuro dos The National. Seja como for, First Two Pages Of Frankenstein ganhou vida, contendo onze canções no seu alinhamento e conta nos seus créditos com as participações especiais de nomes tão proeminentes como Taylor Swift, Sufjan Stevens e Phoebe Bridgers.
Os The National são um dos nomes maiores do indie rock contemporâneo e um disco novo do projeto causa, como é normal, justificado alvoroço e enormes expetativas relativamente ao seu conteúdo. A nossa redação não é indiferente a essa febre saudável e, na verdade, foi com bastante atenção e devoção que se embrenhou no conteúdo sonoro de First Two Pages Of Frankenstein, uma sofreguidão inicial que acabou por ser, de certo modo, defraudada pelo conteúdo do registo, mesmo após várias audições que, diga-se, foram sempre dedicadas, atentas e as últimas já algo esforçadas.
De facto, o nono disco da carreira dos The National confirma a perceção de que o grupo nova iorquino entrou numa espiral decadente e algo repetitiva, principalmente desde Sleep Well Beast, o álbum que viu a luz do dia em dois mil e dezassete e que levou definitivamente a banda para territórios sonoros menos imediatos e orgânicos, com os sintetizadores e outros arranjos e instrumentos inéditos, a fazerem, desde aí, cada vez mais parte do ideário sonoro de um grupo que acabou por cair, percebe-se agora, na redudância convencional ou na repetição aborrecida.
É justificado o elevado grau de exigência relativamente aos The National. Quando se gosta, quer-se receber muito em troca e se tal não sucede, até porque, como já referi, as tais expetativas são imensas, maior é a frustração pela ausência de correspondência, até porque, a cada novo lançamento deste grupo, mais do que perceber com clareza aquilo que une o alinhamento à herança da banda, convém olhar com atenção para os pontos de ruptura e de diferenciação e em First Two Pages Of Frankenstein, aquilo que se observa é, basicamente, uma sequência algo arrastada, cansada e entediante de composições quase sempre cinzentas e sem alma, assentes em trechos poéticos algo desconexos e instrumentações amiúde demasiado intrincadas para conseguirem oferecer uma audição prazeirosa e aconchegante.
Não se pense, no entanto, que First Two Pages Of Frankenstein não tem momentos altos e a nossa redação até destaca três. Um deles é Tropic Morning News, tema grandioso, que se acama numa inédita batida sintetizada e que se vai espraiando durante mais de cinco minutos, à boleia de várias nuances instrumentais, firmadas nas guitarras e nas teclas do piano e em diversos dos atuais entalhes entre eletrónica e rock alternativo, uma opção estilistica que incute na canção luminosidade e cor, aspetos algo inéditos no resto do disco, diga-se. Depois, a delicadeza introvertida de New Order T-Shirt e o hipnotismo indie de Eucalyptus, uma canção sobre o modo como um casal divide a sua fortuna após a separação, ajudam a induzir alguma aúrea de sentimentalismo, sensibilidade e até de uma certa pureza e requinte, ao âmago deste disco.
Como foi referido logo no início desta crítica, são de relevo os nomes de outros artistas que colaboram com os The National neste álbum. Aliás, tal listagem até é outra nuance que também ajudava a prever uma elevada bitola qualitativa no alinhamento. No entanto, num grupo em que esteve sempre algo presente a participação de vozes secundárias femininas, que até assumiram a primazia interpretativa e delegaram, em muitos casos, Matt Berninger para um papel de coadjuvante, algo difícil de se imaginar numa banda que sempre foi sonoramente tão íntima e dependente da sua voz principal, a presença, quer de Taylor Swift, quer de Phoebe Bridgers foi, na nossa óptica, dececionante, já para não referir o papel quase inexistente de Sufjan Stevens em Once Upon a Poolside. Nas canções Your Mind Is Not Your Friend e This Isn’t Helping, Phoebe Bridgers poderia ter tido a liberdade de ser mais contundente no modo como expõe vulnerabilidades individuais. Em Alcott, Taylor Swift mostra toda a beleza da sua voz, mas com uma simplicidade tal que acaba por toldar, de algum modo, a grandiosidade que a temática da canção pressupõe.
Devemos ser justos e referir de modo elogioso que First Two Pages Of Frankenstein é mais uma tentativa honesta de criar um exercício comunicacional confessional particularmente explícito relativamente às experiências e vivências de Matt Berninger, que procura, assim, estabelecer novamente uma conexão muito direta entre o seu pensamento e a nossa intimidade. Mas o modo como sonoramente o faz, secundado pelos restantes quatro elementos do grupo, acaba por ser pouco convidativo, porque este é um disco com uma complexidade tal, que acaba por abafar a sempre desejável acessibilidade quando se quer comunicar ideias, experiências e relatos que, para a completa absorção, procuram atingir de modo certeiro a intimidade e o lado mais sentimental de cada um. Seja como for, First Two Pages Of Frankenstein, não deixa de ser por causa desse falhanço mais um interessante legado que os The National deixam para a história do indie rock contemporâneo, mesmo que, desta vez, o estreitar de laços com o ouvinte não seja tão intenso e não fique demonstrado de modo tão impressivo como já sucedeu antes, a ímpar capacidade eclética que este grupo certamente ainda tem de compôr, em simultâneo, temas com um elevado teor introspetivo e verdadeiros hinos de estádio e sem defraudar o conceito central que levou estes cinco músicos a juntarem-se, há mais de duas décadas, para compôr. Espero que aprecies a sugestão...
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The New Pornographers – Continue As A Guest
Os The New Pornographers de Neko Case, Kathryn Calder, John Collins, Todd Fancey, Joe Seiders e o saxofonista Zach Djanikian, já têm sucessor para o excelente In The Morse Code Of Brake Lights, de dois mil e dezanove. Continue As A Guest é o nono e novo registo da carreira do coletivo canadiano, viu a luz do na reta final do passado mês de março e contém um faustoso alinhamento de dez canções que aprimoram, de um modo nunca antes visto, o habitual indie pop rock inspirado do grupo, com o alto patrocínio da Merge Records.
A primeira coisa que me apraz dizer depois de ter escutado este disco é que Continue As A Guest é um intrincado jogo de luzes e reflexos em forma de música, um disco cheio de brilho e cor em movimento, que tem um alinhamento alegre e festivo e que parece querer exaltar, acima de tudo, o lado bom da existência humana. Sendo, claramente, o registo mais grandioso e burilado da trajetória dos The New Pornographers, Continue As A Guest é, no seu todo, um registo tremendamente orquestral e impulsivo, sem deixar de conter algumas das marcas essenciais do melhor indie atual.
Logo em Realy Really Light, uma fabulosa e empolgante canção assinada por Dan Bejar, habitual colaborador do grupo e que coloca todas as fichas em alguns dos melhores tiques do indie rock e da pop contemporânea, com um clima cósmico e intemporal inebriantes, sente-se um desejo desmesurado do grupo de dar mais um salto em frente rumo a um desconhecido, que poderá ter tanto de intrigante, como de deslumbrante. De facto, goste-se ou não da música, a verdade é que ela obriga o ouvinte a querer continuar a conferir o restante alinhamento do disco, mesmo que a canção não tenha, de todo, agradado e enchido as medidas. O trompete que introduz Pontius Pilate’s Home Movies, uma amarga reflexão sobre a influência da internet na nossa existência, ajuda a cimentar ainda mais essa impressão de heterogeneidade e a reforçar a certeza de que, até ao final do registo, há que esperar uma espiral constante de surpresas sonoras. Neste tema, não faltando arranjos luminosos de um piano insinuante, a regra é o abrigo à sombra do rock denso e visceral, mas em Cat And Mouse With The Light as fichas já são colocadas naquela pop experimental e de cariz eminentemente contemplativo. Em suma, nas três primeiras canções do álbum, é vasta a confluência de estilos e constante o tatear por diferentes climas e universos.
A partir daí, a espiral abrupta de efeitos e ditorções de guitarras que se sobrepôem e se encadeiam na pulsante Last and Beautiful e o modo como aquele clima mais cósmico e agreste do rock dito mais clássico são homenageados no tema homónimo e em Bottle Episodes, duas canções liricamente consumidas pela recente pandemia e pelo clima de depressão que a mesma provocou em todos nós, fica bem patente a capacidade, cada vez maior, deste coletivo canadiano nos oferecer canções que são, na mesma medida, contagiantes e intrigantes. A ode oitocentista que configura a lindíssima canção Firework In The Falling Snow e a etérea delicadeza que exala de Marie and the Undersea, uma composição que versa sobre o culto do corpo e o recurso às cirurgias plásticas em busca de uma nova identidade, acabam por ser a cereja no topo do bolo de uma imensa e feliz coreografia sonora que não teve, felizmente, barreiras ou imposições estilísticas no momento em que foi concebida.
Disco em certos momentos particularmente explosivo e noutros implacavelmente reflexivo e ponderado, Continue As A Guest é, no seu busílis, uma trama orquestral complexa, um festim intrumental em que percussão, sintetizadores, sopros e guitarras, assim como as vozes de Newman e Case, se alternam e se sobrepôem em camadas, à medida que dez composições fluem naturalmente, sem se acomodarem ao ponto de se sufocarem entre si, num caldeirão sonoro criado por um elenco de extraordinários músicos e artistas, que sabem melhor do que ninguém como recortar, picotar e colar o que de melhor existe neste universo sonoro ao qual dão vida e que deve estar sempre pronto para projetar inúmeras possibilidades e aventuras ao ouvinte, assentes num misto de power pop psicadélica e rock progressivo. Espero que aprecies a sugestão...
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Temples – Exotico
Pouco mais de três anos após Hot Motion, os britânicos Temples estão de regresso aos discos com Exotico, o quarto trabalho da carreira deste quarteto de rock psicadélico, natural de Kessering e que, como certamente se recordam, estreou-se no formato longa duração em dois mil e catorze com o excelente Sun Structures, registo ao qual sucedeu, três anos depois, Volcano. Exotico, um álbum com um alinhamento de dezasseis canções, produzido por Sean Ono Lennon e misturado por Dave Fridmann, chegou aos escaparates no início deste mês de abril, com a chancela da ATO Recordings.
Exotico é, de facto, um título feliz para este novo registo dos Temples de James Bagshaw, Adam Smith, Tom Walmsley e Rens Ottink, porque ao longo das dezasseis canções do seu alinhamento, o quarteto coloca em prática, de um modo esplendoroso, diga-se, todos os seus imensos atributos instrumentais e melódicos, através de uma faceta estilística que tanto pode privilegiar uma vertente contemplativa, como no caso de Afterlife, como uma enorme exuberância sintética, plena de intensidade, bem expressa em temas como Gamma Rays, ou a acelerada Inner Space. Pelo meio, canções do calibre de Cicada, um valoroso tratado de indie rock nostálgico, ou Crystal Hall, uma divertida composição em que se destaca o arrojo das guitarras que alimentam um groove algo sinistro, demonstram que os Temples olham para a herança da melhor pop contemporânea como a peça chave conceptual das suas criações, algo que o sintetizador oitocentista que conduz Giallo também comprova, mas que também são exímios e movimentar-se num espetro mais rock, sempre, seja qual for o modelo que privilegiam, sem deixarem de homenagear aquele som que, há quatro ou cinco décadas atrás, conduziu alguns dos melhores intérpretes do universo experimental e progressivo e que marcou euforicamente a história do rock clássico.
Disco efusiante, sonoramente majestoso e vibrante, orelhudo e salutarmente ruidoso, Exotico é, portanto, uma espécie de disco de viagem, já que explora de modo profundo os melhores atributos da música indie do último meio século. Fá-lo de modo simultaneamente artístico, mas também esotérico e com uma abordagem eclética, enquanto pinta um curioso retrato deste mundo em que vivemos, com uma paleta de cores apenas ao alcance da imaginação transcendetal de uma banda única no panorama indie atual. Espero que aprecies a sugestão...
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EVACIGANA - Fiasco
Nascidos há meia década, os lisboetas EVACIGANA praticam uma entusiasmante e colorida mistura de rock alternativo, pop e post-hardcore efervescente, cheia de ganchos orelhudos, riffs em zig-zag e fortes contrastes sonoros. Estrearam-se, em dois mil e vinte, com um EP homónimo, produzido e misturado por Nuno Monteiro (Monday, Memória de Peixe, Filho da Mãe), que os levou a actuar em salas como Bang Venue, Texas Bar, Side B e SHE, em festivais como o Emergente e lhes garantiu lugar na compilação Novos Talentos Fnac 2021.
Fiasco é o título do disco de estreia dos EVACIGANA, um registo misturado por Guilherme Gonçalves (Keep Razors Sharp, Cabrita, The Legendary Tigerman) e masterizado por Clara Araújo na Arda Recorders. No seu alinhamento, o grupo aumenta o arrojo e a amplitude e os polos do som da banda alargam-se. Se outrora o rock piscava o olho à pop, agora a relação é assumida e feliz. Mas não se pense que um dos noivos se aprumou muito… As canções simplificaram-se, mas a meiguice e acessibilidade das mesmas encontra-se bem embrulhada por um papel rugoso e áspero. Oiça-se, por exemplo, o início vertiginoso de “Dobra”, tema que abre o álbum. Um choque epiléptico de guitarras e bateria, num riff punk que nos arrasta desenfreadamente e implode num apaziguador verso shoegaze, até se transformar num refrão orelhudo e pegajoso, que teima em descolar. Em contraste, “Anáguas”, o primeiro single do disco, é pop que se desdobra numa colorida sequência de guitarras cintilantes, conduzidas por uma secção rítmica a pulsar, num jogo de espaços permanente onde as duas vozes guiam as melodias a um auge de euforia caleidoscópica. É no meio destas contradições e aparente desconforto, que ao longo dos dez temas que compõem Fiasco, os EVACIGANA continuam a vincar ainda mais a sua peculiar identidade e colorida paleta sonora. Espero que aprecies a sugestão...
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Damien Jurado - Sometimes You Hurt The Ones You Hate
O norte-americano Damien Jurado atravessa, claramente, uma das fases mais profícuas da sua já longa carreira. Depois de na primavera de dois mil e vinte e um, ter editado o excelente registo The Monster Who Hated Pennsylvania, regressou, no verão do ano passado, com um novo disco também monstruoso, intitulado Reggae Film Star e já está de volta com outro álbum; chama-se Sometimes You Hurt The Ones You Hate, contém oito canções, é, imagine-se, o décimo nono registo de originais do músico e compositor natural de Seattle e tem, como é hábito ultimamente, a chancela da Maraqopa Records.
Se é verdade que faz parte da natureza humana, para o bem ou para o mal, procurar infligir dano em quem não nos quer bem, ou simplesmente, em quem, por uma questão de perspetiva, experiência de vida, preconceito, ideologia, religião e muitos outros fatores mais, não se encaixa em nós e até, em último grau, nos causa repulsa, certamente não será por causa da música de Damien Jurado. Aliás, este Sometimes You Hurt The Ones You Hate até é bem capaz de ser, diga-se, um bom ponto de partida para começarmos a olhar para determinados indíviduos de um modo mais favorável e otimista.
É este o espírito positivo, encantador e mágico da música de Damien Jurado e de um já extenso e riquíssimo catálogo, que recebe com este álbum uma adição de oito extraordinários temas incubados por um dos maiores cantautores e filósofos do nosso tempo. São oito relatos impressivos de vivências, que podem ser associadas, facilmente e sem qualquer pudor, à nossa própria existência mundana, encarnados em composições melodicamente irrepreensíveis e instrumentalmente fartas.
Neiman Marcus, para a nossa redação o momento maior de Sometimes You Hurt The Ones You Hate, deslumbra devido ao já habitual timbre vocal sussurrante de Jurado, que comunica com o nosso âmago com incrível proximidade, mas também devido a um modus operandi sonoro que, algures entre a penumbra e a luz, sobrevive à boleia de um timbre nas cordas rugoso, bem tipificado num estilo de manobrar a viola que é simultaneamente revelador de inquietude e de serenidade. E esse estilo vai-se aprimorando na vibrante e impulsiva majestosidade de James Hoskins, no soberbo intimismo enevoado que exala de A Lover, A Balcony Fire, An Empty Orchestra, na acusticidade sorridente de Mr. Frank Dell, ou no inconfundível aroma jazzístico de Match Game 77 (Episode 1097), num resutado final que encarna um exercício exemplar de majestosa psicadelia, pleno de uma sofisticação muito própria e sem paralelo no panorama da indie folk contemporânea, mas que também pisca o olho, com gula e intensidade, à herança do melhor indie rock norte-americano de final do século passado. Espero que aprecies a sugestão...
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Frankie Rose – Love As Projection
Como todos certamente se recordam, a norte-americana Frankie Rose fez parte dos projetos Vivian Girls, Crystal Stilts e Dum Dum Girls e também participou numa dupla chamada Beverly, onde se juntou a Drew Citron para criar um indie rock com forte cariz lo fi. Além desta carreira profícua de mãos dadas com outros intervenientes, estreou-se há cerca de uma década num projeto a solo, tendo-o feito, em dois mil e catorze, com o disco Herein Wild, ao qual se seguiram Cage Tropical em dois mil e dezassete e Seventeen Seconds dois anos depois.
Esta saga discográfica de Frankie Rose, em nome próprio, tem uma nova adição, com o registo Love As Projection, um alinhamento de dez canções que chegou recentemente aos escaparates, à boleia da Slumberland Records. Neste seu novo disco, Frankie Rose volta a apostar num registo instrumental eminentemente sintético, criando melodias marcadamente lisérgicas e ecoantes, que acamam letras com um elevado cariz emocional e comunicativo e que se debruçam, fundamental, sobre os grandes dilemas do mundo ocidental.
Canções como Anything ou Sixteen Ways, inebriantes, feitas de sintetizações cósmicas enleantes, um registo percurssivo frenético e cascatas de guitarras melodicamente sagazes, mas também, num perfil mais intimista e atmosférico, Come Back, são bons exemplos do travo nostálgico de um álbum que amplia a perceção nítida que esta artista, atualmente sedeada em Brooklyn, Nova Iorque, olha, cada vez mais, de modo tremendamente anguloso para a melhor herança da pop dos anos oitenta do século passado, uma pop que, como sabemos, devia muito do seu arquétipo a sintetizações cósmicas enleantes e cordas melodicamente sagazes, matrizes identitárias fundamentais de Love As Projection.
A presença de Brandt Gassman nos créditos de produção do registo e de Jorge Elbrecht na mistura, ajudaram imenso, obviamente, a burilar a luminosidade, a confiança e o otimisto que exalam de um alinhamento que é, como já se percebeu, um faustoso compêndio de pop digital, mas também um registo que olha para o rock alternativo através de um perfil sonoro pouco usual, mas que é aqui impecavelmente retratado. Espero que aprecies a sugestão...
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Lichen Slow – Rest Lurks
Rest Lurks é o título do disco de estreia do projeto Lichen Slow, que junta Malcolm Middleton dos Arab Strap e Joel Harries, guru da eletrónica que fez parte dos míticos Team Leader. É um maravilhoso alinhamento de doze canções, plenas de generosidade, convicção e impressionismo, nomeadamente no modo como plasmam a visão física e espiritual de dois músicos abençoados, relativamente ao mundo que os rodeia e no qual, por acaso, também, vivemos.
Rest Lurks amplifica descontroladamente o talento único de dois artistas que há um par de anos não se conheciam nem nunca se tinham visto, mas que o acaso juntou, em muito boa hora, com a benção de um amigo comum. São estes encontros, os imponderáveis e o acaso, que acabam, quase sempre, por gerar e criar magia, com aquela autenticidade que, de outro modo, nunca seria possível. E Rest Lurks exala essa evidência, tantas vezes sobrenatural e que nestes quase cinquenta minutos é tão bem exposta no modo como cruza cordas acústicas ou distorções contundentes, com sintetizações e efeitos que, do insinuante e quase impercetível, ao majestoso e contundente, abarcam basicamente tudo aquilo que de melhor define a eletrónica ambiental atual.
Do alinhamento deste belíssimo e luxuriante catálogo de temas, podia destacar a ímpar delicadeza comovente de Hobbies, uma canção sobre entrega e desprendimento, mas também sobre dor e saudade (I hold you in my arms and I think about death), podia descrever o manancial sintético com poderes encantatórios que sustenta Pick Over The Bones, podia convidar a uma dança sem tabús ao som de Preset, podia divagar sobre a velocidade vertiginosa em que todos vivemos e que Tense ajuda soporíferamente a abrandar, podia avisar os mais incautos que Sunshine Policy (Sombre Song) nos coloca numa majestosa máquina do tempo rumo ao melhor rock progressivo setentista, ou que It’s Not What We Thought é uma seta apontada ao âmago do melhor adn daquele que foi, nos anos oitenta, o topo da forma dos Talk Talk e, na mesma onda, podia evocar os Low de Ones And Sixes para descrever Imposter Syndrome, mas este é um disco que vale pelo todo e a audição individual de uma única canção, descontextualiza-o, acabando, essa opção redutora, por fazer com que esta obra perca muito do seu brilho, porque este é, claramente, uma daquelas registos que se definem como uma peça única que merece idêntica devoção, numa escuta feita de fio a pavio.
Rest Lurks é uma doce paleta de cores, muitas vezes a preto e branco, um oásis aconchegante de dor, loucura e perdição, um tormento de beleza e inspiração. É uma expressão sublime de contradições e a materialização assustadoramente real do modo como a sagacidade de duas mentes inspiradas consegue feitos únicos e inolvidáveis, demonstrando que é possível a convivência saudável entre ordem e caos, amor e ódio, paz e guerra, presença e ausência. Este não é um disco para ser descrito no que diz respeito a géneros, influências, arsenais instrumentais, filosofias estilísticas ou intenções. Rest Lurks é para ser sentido, como obra suprema que é e os Lichen Slow são uma banda para ser apreciada, acima de tudo, por esse prisma espetacular. Espero que aprecies a sugestão...
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Ulrika Spacek – Compact Trauma
Criadores do melhor disco do ano de dois mil e dezassete para a redação deste blogue, os britânicos Ulrika Spacek de Rhys Edwards, Rhys Williams, Joseph Stone, Syd Kemp e Callum Brown, estão de regresso com um disco intitulado Compact Trauma, um trabalho que sucede ao EP Suggestive Listening, que foi gravado, produzido e misturado, em dois mil e dezoito, numa galeria de arte chamada KEN e à qual os Ulrika Spacek chamam de sua casa, a bolha onde se refugiam para compôr, idealizar vídeos e expressar-se através de outras formas de arte além da música.
Compact Trauma tem dez canções e foi incubado no mesmo local e com um modus operandi semelhante a Suggestive Listening. No entanto, o registo também foi sendo burilado num estúdio mais profissional, localizado em Hackney, uma experiência bastante intensa para a banda, que sempre esteve habituada ao seu casulo KEN e que se viu envolta em tensões várias no seu seio devido a esta saída da habitual zona de conforto. Aliás, essa nova nuance na rotina e na estratégia do grupo foi algo traumática, um facto que, curiosamente, ou talvez não, acabou por inspirar o conteúdo de Compact Trauma.
Portanto, esta experiência nova dos Ulrika Spacek acabou por ser, no fundo, o cimento que agrega e compacta o conteúdo de Compact Trauma, um disco que volta a colocar a banda, aprimorada com uma faceta mais pop, na órbitra da sua já habitual sonoridade punk, feita com fortes reminiscências naquela faceta sessentista ácida e psicotrópica, burilada, como sempre, com um timbre metálico de guitarra rugoso, acompanhado, quase sempre, por uma bateria em contínua contradição.
A filosofia de composição musical destes Ulrika Spacek baliza-se, portanto, através de um assomo de crueza, tingido com uma impressiva frontalidade, quer lírica quer sonora. O minimalismo é aqui um conceito enganador, porque se a guitarra é, quase sempre, o grande suporte das canções, em seu redor gravitam diferentes arranjos, quer orgânicos, quer sintéticos. E se a guitarra nunca perde identidade, a bateria mantém-se precisa no modo como confere alma e robustez ao ritmo de cada composição.
Se em The Sheer Drop não são propriamente as cordas quem primeiro deslumbram no alinhamento de Compact Trauma, mas um sintetizador hipnotizante, ainda antes do primeiro minuto do tema já estão a assumir as rédeas, algo que sucede logo a partir do primeiro instante de Accidental Momentary Blur, composição que rompe com todas as dúvidas relativamente a uma possível ausência de autenticidade ou a um hipotético desgaste de uma fórmula que até pode inquietar os ouvidos mais sensíveis, mas que é e foi amplamente bem sucedida, quer em The Album Paranoia e, principalmente, em Modern English Decoration. Depois, se It Will Come Sometime acentua a já referida rugosidade punk com uma tonalidade um pouco mais intimista que o habitual, se Diskbänksrealism é um tratado de rock noventista alternativo sem espinhas, se If The Wheels Are Coming Off, The Wheels Are Coming Off vira agulhas para uma filosofia mais ambiental e narcótica e se Lounge Angst coloca todas as fichas numa certa indulgência acústica intensamente reflexiva, No Design, fecha em grande o disco, à boleia de uma espécie de shoegaze progressivo, que se baliza num registo percussivo com um travo jazzístico muito charmoso, adocicado por diversas sintertizações planantes e um teclado insinuante.
Compact Trauma é, em suma, mais um contínuo exercício insinuante de tornar aquilo que é descrito habitualmente, na música, como algo aparentemente desconexo e texturalmente incómodo, em algo que, quer ritmíca, quer melodicamente, é grandioso, sedutor e instigador, enquanto expressa, com nota máxima, um modo bastante textural, orgânico e imediato de criar música e de fazer dela uma forma artística privilegiada na transmissão de sensações que não deixam ninguém indiferente. De facto, Compact Trauma atesta a segurança, o vigor e o modo criativamente superior como este grupo britânico entra em estúdio para compôr e criar um shoegaze progressivo que se firma com um arquétipo sonoro sem qualquer paralelo no universo indie e alternativo atual. Um dos discos obrigatórios do ano, claramente. Espero que aprecies a sugestão...
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Shame - Food For Worms
Dois anos depois do extraordinário registo Drunk Tank Pink, os britânicos Shame, um quinteto formado por Eddie Green, Charlie Forbes, Josh Finerty, Sean Coyle-Smith e Charlie Steen e que se estreou em dois mil e dezoito com o disco Songs Of Praise, que fez furor na nossa lista dos melhores lançamentos discográficos desse ano, estão de regresso com mais uma obra-prima. Chama-se Food For Worms, tem a chancela da Dead Oceans e em dez canções oferece-nos um punk rock de primeira água, com um espetro identitário abrangente que, dos The Fall aos Stone Roses, passando pelos Buzzcocks, Ride, os Blur, os Primal Scream, os Joy Division e os mais contemporâneos Parquet Courts ou Interpol, encontra as suas origens no rock psicadélico setentista e no punk da década seguinte e que não renegando algumas caraterísticas essenciais do rock alternativo noventista, também não enjeita abraçar a herança nova iorquina que tentou salvar o rock no início deste século.
É com as guitarras viscerais e ruidosas de Fingers Of Steel que os Shame nos introduzem no alinhamento de Food For Worms, um disco que seduz, instiga e maravilha pela crueza e pela espontaneidade do rock que exala e que contendo aspetos identitários deslumbrantes de todo o espetro sonoro acima identificado, agrega-os com enorme mestria, ao mesmo tempo que consolida o adn de uma banda que começa a ser referência e inspiração para outras. E quando esse patamar se atinge, um pódio ao alcance de poucos, estamos, obviamente, na presença de uma referência incontornável do indie rock atual. Food For Worms carimba, definitivamente, os Shame nesse grupo restrito.
Food For Worms instiga o ouvinte pelo modo cuidado como foi produzido, através do trabalho exemplar de Flood (Nick Cave, U2, PJ Harvey, Foals), ao mesmo tempo que preserva um dos aspetos essenciais que distinguem esta banda de muitas outras que se movem no mesmo espetro sonoro; A capacidade de oferecerem a mesma energia e a mesma vibração, num disco, que conseguem transmitir ao seu público nos concertos. As distorções das guitarras, quase sempre posicionadas no plano cimeiro do arsenal instrumental dos temas, sendo bom exemplo disso a frenética Six-Pack, o vigor do baixo e o timbre seco da bateria, fabuloso na piscadélica Yankees, são reproduzidas fielmente nas versões ao vivo e o próprio modo como as canções se sucedem, quase ininterruptamente, tem também esse travo de imediatismo e de frenesim que os concertos nos oferecem. Mesmo na mais íntima e intrincada Alibis, nos arranjos acústicos que introduzem Orchid, na instabilidade de The Fall Of Paul, ou no inconfundível travo pop de Aderall, o momento maior do disco, nunca é colocado em causa este modus operandi que pretende comunicar diretamente com o ouvinte e de modo a deixar mossa. Aliás, mesmo na componente escrita existe essa vontade de estabelecer uma relação íntima conosco, como tão bem documentam os versos contundentes de Different Person.
Em suma, Food For Worms alimenta a ânsia de todos aqueles que procuram projetos sonoros que fujam ao apelo radiofónico e que, simultaneamente, oferecam ao rock novos fôlegos e heróis. Os Shame conseguem este desiderato há já meia década e, mesmo abraçando, nas suas canções, o lado mais negro do amor e as suas habituais agonias e as dores e os medos de quem procura sobreviver nesta típica urbanidade ocidental cada vez mais decadente de valores e referências, fazem-no sem medo, como seria de esperar num grupo de cinco jovens britânicos de gema, rudes e efervescentes, que têm o seu modus operandi bem presente e, devido a este fantástico registo, a certeza de um futuro devidamente consolidado na primeira linha do indie rock alternativo. Espero que aprecies a sugestão...