man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Noiserv - 7305
Uma das mentes mais brilhantes e inspiradas da música nacional e um dos artistas queridos da nossa redação chama-se David Santos e assina a sua música como Noiserv. Vindo de Lisboa, Noiserv tem na sua bagagem um já volumoso compêndio de canções, que começaram a ser inscritas nos EPs 56010-92 e A Day in the Day of the Days, estando o âmago da sua criação artística nos álbuns One Hundred Miles from Thoughtless e Almost Visible Orchestra, adocicados pelo DVD Everything Should Be Perfect Even if no One's There. No outono de dois mil e dezasseis a carreira do músico ganhou um novo impulso com um trabalho intitulado 00:00:00:00, incubado quase de modo espontâneo e sem aviso prévio, mas que se tornou, justificadamente, mais um verdadeiro marco numa já assinalável discografia, ímpar no cenário musical nacional.
![New album] Noiserv – 7305](https://www.ecletismomusical.pt/wp-content/uploads/2025/10/566652850_18530072977008967_4753987768617290443_n-e1760687494832.jpg)
Quatro anos depois dessa pérola debitada quase integralmente nas teclas de um piano, Noiserv regressou com Uma Palavra Começada Por N, onze lindíssimas composições que, em pouco mais de meia hora, nos ofereceram um David Santos de regresso a territórios sonoros mais intrincados, subtis e diversificados, com o registo, no seu todo, a proporcionar-nos um banquete intenso e criativo e a impressionar pelo modo como diferentes nuances, detalhes e samples se entrelaçavam quase sempre com uma base melódica algo hipnótica, mas extremamente doce e colorida.
Agora, cinco anos depois de Uma Palavra Começada Por N, Noiserv tem um disco novo intitulado 7305, que além do notável avanço que o mesmo expressa relativamente à performance do autor, quer como poeta, quer como escritor, também aprimora ainda mais a sua já mítica versatilidade instrumental que, neste caso, teve a mira particularmente apontada a territórios mais sintéticos e eletrónicos, mas sem nunca descurar a presença, nomeadamente ao nível dos arranjos, de alguma instrumentação mais orgânica e acústica, não só ao nível das cordas, irrepreensiveis logo a abrir o alinhamento, na pueril melancolia psicadélica de 20.05. a self conversation is too loud for an empty room, mas também com o uso efetivo e marcante de sopros e de alguns elementos percurssivos.
O quotidiano que todos os dias nos atinge, que assola todos nós, sem exceção, que nos faz viver em permanente sobressalto, não só no que concerne ao cumprimento integral das nossas rotinas e horários, mas também, em paralelo, à convivência permanente com os nossos maiores medos, angústias, sobressaltos e falhas, mas também sonhos, desejos e aspirações, parece ser o grande mote concetual de 7305, tendo em conta a inteprretação que a nossa redação fez após a audição do registo. No entanto, esclarece-se, desde já, que é apenas uma interpretação nossa e que aquilo que o David idealizou para 7305 pode ser algo completamente diferente da nossa interpretação. No fundo é esta a magia da música; deixar que o ouvinte dela se aproprie e lhe dê o melhor uso pessoal e retire os ensinamentos e a inspiração que, num determinado momento, mais o reconforte. E, de facto, a música de Noiserv sempre teve este poder soporífero, esta capacidade de tocar o ouvinte mais dedicado e o fazer refletir sobre si próprio, a sua vida e os seus caminhos, aconselhado por um músico que também é um ser humano igual a nós, com alegrias, aspirações e medos e inquietações certamente parecidas ou semelhantes.
Um bom exemplo que justifica toda esta reflexão inicial acerca do conteúdo de 7305 é 20 . 13 . A lonely garden in the middle of a small house, uma composição cantada em inglês e que versa sobre a solidão e o desejo de encontrar explicações racionais nos momentos em que interiormente nos sentimos mais perdidos. Sonoramente, é uma canção muito complexa, porque se desenvolve dentro de uma ambientação essencialmente experimental, em que o sintético se entrelaça com o orgânico abrasivo das cordas, com elevada mestria. Depois, 20 . 25 . Resumidamente, uma canção cantada em português, amplia essa faceta comunicativa, fazendo, de acordo com o próprio Noiserv, um retrato do homem atual com ironia, poesia e alguma crítica, através de uma letra em que praticamente todas as palavras terminam em mente tende a reforçar o lugar de engano a que a nossa sociedade nos está a conduzir, uma completa troca de valores sobre o que é ou não importante na relação com o outro.
O registo prossegue e 20 . 08 . A Fearless Party Between A Kid And His Own Thoughts, a canção mais intimista e orgânica de todas as composições do disco, leva-nos, de certa forma, às origens da carreira de Noiserv, com uma melodia simples, mas sentida, a assentar num rendilhado sublime entre detalhes sintéticos e cordas dedilhadas com astúcia, sopros pueris e diversos entalhes percurssivos eminentemente metálicos, num resultado final intenso e sentimentalmente exuberante. Depois, 20 . 27 . A Long Journey In A Little Train To Poland, uma canção vigorosa e, a espaços, até algo abrasiva e com uma imponência muito subtil, mas óbvia, impressiona pela clemência e pelo detalhe, nuances que também transparecem no perfil interpretativo vocal do artista, mais intenso e processado do que o habitual.
Outro momento notável do registo é, sem dúvida, 20 . 16 . A Casa Das Rodas Quadradas, canção que se debruça sobre a dor subjacente aos momentos de mudança e que conta com a participação especial de Milhanas. O tema impressiona pela sua delicadeza e intimidade, imagens de marca de grande parte da carreira de Noiserv, que apostou com bastante frequência nas teclas de um piano para criar as suas melodias, fazendo-o aqui novamente e com um bom gosto indesmentível. O resultado final é bastante impressivo e comunicativo, envolvente e tocante, ampliado pela extraordinária dança protagonizada pelas vozes de Milhanas e Noiserv.
7305 é, em suma, um trabalho laborioso de lapidação, detalhe, delicadeza e refinamento, que alcança, no seu todo, laivos de excelência que, como já foi referido, alargam os horizontes sonoros do autor e o arco concetual estilístico do seu catálogo, com superior mestria. Ao longo de pouco mais de trinta e dois minutos estabelece pontes entre aquilo que é definido como o orgânico e acústico e o sintético, através de um manancial de ligações de fios e transistores que debitam um infinito catálogo de sons e díspares referências, únicas no cenário alternativo nacional e que também exalam um intenso charme, induzido por uma filosofia interpretativa que, mesmo tendo por trás um cada vez mais diversificado arsenal instrumental, nunca abandona aquele travo minimalista, pueril, orgânico e meditativo que carateriza o modus operandi deste músico único. Espero que aprecies a sugestão...