man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Few Fingers - Burning Hands
Nuno Rancho, músico dos Dapunksport e dos Bússola, colaborador dos Indignu, líder dos Team Maria e já com três dicos a solo e André Pereira,que tem acompanhado os Ultraleve, os Team Maria e os Quem É O Bob? são a dupla que dá vida aos Few Fingers, dois cúmplices, amigos e antigos vizinhos que já comungam musica e projetos há quase duas décadas. Few Fingers acaba por ser uma consequência óbvia de tão estreita ligação entre dois músicos bastante criativos e Burning Hands, um álbum que viu a luz do dia a vinte e oito de setembro, à boleia da Omnichord Records, o novo passo da dupla rumo ao merecido estrelato.
Cheio de canções com uma sonoridade indie folk particularmente aconchegante e sedutora, conduzidas por uma Lap Steel Guitar, o principal elemento instrumental agregador do disco, Burning Hands é eminentemente acústico e, conforme indica a banda na entrevista que me concedeu e que podes apreciar a seguir a esta crítica, tem um forte pendor orgânico, simples e despretencioso, debruçando-se em algo tão simples como aquele momento do dia em que as nossas tarefas e obrigações ficaram para trás e é o momento de fazer um balanço sobre tudo aquilo que vivemos. Curiosamente, ou talvez não, a simplicidade intimista do vídeo de From Pale To Red, o single já retirado do trabalho, da autoria de Tiago Gomes, é, na minha opinião, particularmente encantadora e além de clarificar a cumplicidade que existe entre ambos, mostra-nos como podemos fazer esse exercício reflexivo, através de um vídeo tão bonito e profundo que parece estabelecer um firme propósito estético no ideário artístico atual e futuro dos Few Fingers, em que os filmes das canções irão ser sempre pensadas de acordo com o conteúdo das mesmas.
Maioritariamente pensado e escrito pelo Nuno e tocado pelo André, este é um álbum dominado então pelo esplendor das cordas, acústicas ou eletrificadas e o seu alinhamento oferece-nos uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles vão surgindo nas músicas, muito de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral de Burning Hands uma sensação, quanto a mim, enganadoramente, minimal. O álbum contém um açúcar muito próprio e um pulsar particularmente emotivo e rico em sentimento, não deixando assim, em nenhum instante, de ser eficaz na materialização concreta de melodias que vivem à sombra de uma herança natural claramente definida e que, na minha opinião, atinge um estado superior de consciência e profundidade nos acordes únicos e lindíssimos da confessional Our Own Holidays.
Burning Hands é alma e emoção traduzidas à voz e às cordas, como documento sonoro ajuda-nos a mapear as nossas memórias e ensina-nos a cruzar os labirintos que sustentam todas as recordações que temos guardadas, para que possamos pegar naquelas que nos fazem bem, sempre que nos apetecer. Basta deixarmo-nos levar pelos sussurros da voz, para sermos automaticamente confrontados com a nossa natureza, à boleia de uma sensação curiosa e reconfortante, que transforma-se, em alguns instantes, numa experiência ímpar e de ascenção plena a um estágio superior de letargia. Espero que aprecies a sugestão...
Nuno Rancho e André Pereira, a vossa trajetória musical até à formação dos Few Fingers e o nascimento de Burning Hands, este vosso fabuloso disco de estreia, aconteceu e foi passada, no caso do Nuno, em participações em bandas como os Dapunksport, os Bússola e os Tema Maria, além de trabalhos a solo e colaborações com os Indignu e, no que que concerne ao André, a participação nos Ultraleve, Tema Maria e nos Quem é o Bob. Além de saltar à vista uma provável coexistência nos Tema Maria, de que modo é que os astros conjuraram para que fosse possível unirem esforços e dessa união feliz nascer os Few Fingers?
Nuno Rancho: Éramos praticamente vizinhos, conhecemo-nos quando começámos a fazer música há uns 15 anos atrás, tivemos na altura numa banda juntos mas rapidamente enveredamos por outros projectos separadamente, depois de 2008 a 2012 voltamos a juntar-nos com os Team Maria onde lançamos um álbum e o ano passado desafiados pela Omnichord Records gravamos um tema inédito (From Pale To Red) para a compilação Leiria Calling, gostamos imenso da canção e achamos que faria todo o sentido gravar um álbum que seguisse a mesma linha estética.
E agora uma questão cliché… Quais são, antes de mais, as vossas expetativas para este Burning Hands?
Esperamos reacções positivas e que as pessoas consigam ouvir o álbum de uma ponta a outra sem passar faixas à frente. Depois de ouvirem o álbum queremos que as pessoas nos procurem ao vivo.
Disco dominado pelo esplendor das cordas, acústicas ou eletrificadas, confesso que o que mais me agradou na sua audição foi uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles surgiam nas músicas, muito de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral de Burning Hands uma sensação, quanto a mim, enganadoramente, minimal. Talvez esta minha perceção não tenha o menor sentido mas, seja como for, em termos de ambiente sonoro, o que idealizaram para o álbum inicialmente correspondeu ao resultado final ou houve alterações de fundo ao longo do processo?
Desde o inicio sabíamos que queríamos fazer canções com uma sonoridade folk onde a Lap Steel Guitar tivesse um papel preponderante, há canções em que isso se nota menos mas foi sempre essa a linha condutora, queríamos fazer um disco acústico, maioritariamente orgânico virado para as canções.
Além de ter apreciado a riqueza instrumental, quer orgânica, quer eletrónica, e também a criatividade com que selecionaram os arranjos, gostei particularmente do cenário melódico destas vossas novas canções, que achei particularmente bonito. Em que se inspiram para criar as melodias? Acontece tudo naturalmente e de forma espontânea em jam sessions conjuntas, ou as melodias são criadas individualmente, ou quase nota a nota, todos juntos e depois existe um processo de agregação?
Todas as canções do álbum são inicialmente ideias minhas que apresentava ao André, algumas canções já completas com estruturas e letras definidas, outras apenas esboços que depois montamos em conjunto, posteriormente com a canção já estruturada todo o instrumental do álbum ficou a cargo do André que gravou todos os instrumentos.
A simplicidade do vídeo de From Pale To Red é, na minha opinião, particularmente encantadora e clarifica a cumplicidade que existe entre ambos. Tomando como ponto de partida este vídeo tão bonito e profundo, diria até, existe no ideário artístico atual e futuro dos Few Fingers, um propósito firme e um plano já definido quanto ao rumo a tomar acerca da vossa componente visual, nomeadamente os filmes que ilustram os vossos singles, ou será tudo pensado e decidido no momento consoante as circunstâncias?
Para o video de From Pale To Red decidimos confiar na visão do nosso amigo Tiago Gomes, pedimos-lhe um video simples e intimista. Com uma produção completamente amadora o video acabou por superar as nossas expectativas, as imagens abraçam a canção na perfeição. A narrativa do próximo video clip será completamente diferente, os vídeos serão sempre pensados conforme a canção.
Burning Hands foi misturado e produzido por ambos. Esta opção acabou por surgir com naturalidade ou já estava pensada desde o início e foi desde sempre uma imposição vossa? E porque a tomaram?
Nunca pensamos na possibilidade da mistura e produção ser feita por outra pessoa, à medida que fomos trabalhando no álbum fomos percebendo que estávamos a ir no caminho certo e deixamo-nos ir até ao produto final. Apesar disto não pomos de parte a possibilidade de no futuro essas tarefas serem realizadas por outra pessoa.
Confesso que fiquei particularmente surpreso com a simplicidade do artwork de Burning Hands. Como surgiu a ideia e qual a razão? Caso exista alguma explicação plausível, além de uma possível relação com o nome da banda e do próprio disco...
A ideia do artwork vem do nome do álbum e também do nome da banda. Não queremos entrar em grandes explicações, queremos deixar em aberto, que criem a vossa própria historia ao olharem para a capa e ao juntarem os elementos da mesma.
Adoro a canção Our Own Holidays. Os Few Fingers têm um tema preferido em Burning Hands?
Neste momento a Forward March é a canção que gostamos mais, talvez por ter sido a ultima a entrar no álbum.
Não sou um purista e acho que há imensos projetos nacionais que se valorizam imenso por se expressarem em inglês. Há alguma razão especial para cantarem em inglês e a opção será para se manter?
A maior parte das bandas e artistas que me influenciam cantam e Inglês, não me imagino a cantar noutra lingua.
O que vos move é apenas o rock, a folk e a indie pop experimental ou gostariam ainda de experimentar outras sonoridades? Em suma, o que podemos esperar do futuro discográfico dos Few Fingers?
Queremos começar já a trabalhar no próximo álbum a ideia é continuarmos a fazer canções com guitarra acústica e Lap Steel, o folk será sempre a base dos Few Fingers.
Para terminar, mais uma curiosidade… Quais são as três bandas atuais que mais admiram?
Father John Misty, Arcade Fire, Radiohead.
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Benjamim - Auto Rádio
Depois do Walter Benjamin, o Luis Nunes resolveu ser só Benjamim, escrever em português, montar arraiais na pacatez de Alvito, deixando Londres para trás e nessa linda vila alentejana montou um estúdio de gravação, por onde têm passado alguns músicos e projetos nacionais que têm merecido amplo destaque por cá, neste espaço de crítica e divulgação sonora.
Benjamim também abriu as hostilidades em relação à sua nova carreira a solo e Auto Rádio surge como o primeiro passo de um percurso cheio de anseios e expectativas e que até já resultou numa espécie de Volta a Portugal, materializada numa sequência de concertos de norte a sul do nosso país, durante trinta e três dias seguidos e que, nas palavras do próprio Benjamim, foi a digressão mais extensa e intensa que já aconteceu em Portugal, tendo passado por festas populares, associações culturais, festivais, bares, esplanadas, no meio da rua, num castelo, coretos e tabernas onde Benjamin tocou para todos os tipos de público que se pode encontrar. Gonçalo Pôla, amigo do músico, encarregou-se do registo foto-videográfico desta empreitada e elaborou um diário de estrada, um documento visual e sonoro precioso, não só para a percepção mais nítida do conteúdo musical e conceptual de Auto Rádio, mas também como documento de estudo de uma outra realidade muitas vezes ignorada do universo dos concertos no nosso país e de como é possível conceber espectáculos de música nos locais mais inusitados.
Antes de olhar com algum cuidado para o alinhamento de Auto Rádio é interessante elucidar acerca das motivações e das fontes de inspiração de doze canções que misturam rock, folk e a indie pop de cariz mais experimental. De facto, Auto Rádio debruça-se sobre as memórias que Benjamim guarda de relatos que o seu pai fazia do tempo que passou em Angola, de onde veio após a revolução dos cravos e, mais recenteemnte, de algumas histórias que Quinito, um amigo alentejano de Benjamim, lhe confidenciou, dos tempos que passou na Guiné, onde esteve destacado como militar no tempo da guerra colonial. Depois, a crise, relatos sobre a Invicta de onde a mãe é natural, o amor e carros a acelerar pela marginal de uma qualquer cidade são também ideias expostas com enorme bom gosto, uma ímpar sensibilidade e um intenso charme que parecem não se importar de transmitir uma óbvia sensação de despreocupação, algo que espalha um inconfundivel sentimento de qualidade, ainda maior pela peça em si que este disco representa, principalmente para o autor.
Benjamim confessa que as suas influências vão do Duo Ouro Negro à Lena d'Água, passando pelos Beatles, os Beach Boys e Bob Dylan. Influências à parte, confesso que o que mais me agradou na audição de Auto Rádio foi uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles surgiam nas músicas, muito de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral do disco uma sensação, quanto a mim, enganadoramente, minimal. Na verdade, temas como Eu Quero Ser o Que Tu Quiseres e Do Céu e da Terra, estão cobertas por uma aúrea de sensibilidade e fragilidade romântica indisfarçáveis e depois, o bom gosto dos arranjos de cordas de O Quinito foi para a Guiné e a criatividade ímpar de Metereologia, explicam-se devido aqueles simples detalhes que, muitas vezes com uma toada lo fi, fazem toda a diferença no cariz que a canção toma e nas sensações que transmite.
Disco extraordinariamente jovial, que seduz pela forma genuína e simples como retrata eventos e relacionamentos de um quotidiano rotineiro, Auto Rádio está imbuído de uma enorme beleza melódica e estilística. É um documento que se escuta com enorme fluidez, onde existe um encadeamento claro entre os vários temas e uma noção de sequencialidade única, mesmo aqueles que parecem opostos no conceito e na ideia que procuram aflorar. Variado, portanto, nas temáticas que aborda, leva-nos à mesma, num abrir e fechar de olhos, do nostálgico ao glorioso, numa espécie de indie-folk-surf-suburbano, feito por um dos mestres nacionais de um estilo sonoro com nuances e características muito particulares. Confere a entrevista que Benjamim concedeu a Man On The Moon e espero que aprecies a sugestão...
Eu Quero Ser O Que Tu Quiseres
Tarrafal
Sintoniza
Os Teus Passos
O Quinito Foi Para A Guiné
O Sangue
Meteorologia
Volkswagen
Rosie
Do Céu E Da Terra
Auto Rádio
O Exílio
Depois do Walter Benjamin, o Luis Nunes resolveu ser só Benjamim, escrever em português, montar arraiais na pacatez de Alvito, deixando Londres para trás e nessa linda vila alentejana montar um estúdio de gravação, por onde têm passado alguns músicos e projetos nacionais que também tenho destacado no meu blogue e que falam sempre muito bem do tempo que passaram aí contigo. Agora, com uma banda, chegou a vez de olhares para a tua própria carreira e Auto Rádio surge como o primeiro passo de um percurso para o qual já criaste algum tipo de anseios e expetativas?
O primeiro passo surgiu em Dezembro com a morte do Walter Benjamin. Tinha de me libertar das amarras de um projecto que tinha há muito tempo e que, com o tempo, foi deixando progressivamente de fazer sentido, principalmente nesta fase em que voltei a morar em Portugal. As expectativas eram muitas mas mais no sentido dos desafios que toda esta mudança iria despertar, do que em termos de recompensa.
Antes de olharmos para o conteúdo de Auto Rádio deixa-me perguntar-te… Porque resolveste fazer uma espécie de Volta a Portugal, materializada numa sequência de concertos de norte a sul do nosso país, durante trinta e três dias seguidos?
Por muitas razões. Em primeiro lugar queria levar a música às pessoas, aproveitando agora o facto da mensagem das canções ser muito mais directa por causa da proximidade da língua, em segundo lugar queria aprender a cantar estas canções e habituar-me à mudança de língua, queria ser confrontado com todos os meus medos de frente – mudar de inglês para português é bem mais difícil do que parece. Por último, queria fazer algo que nunca tivesse sido feito e poder começar esta nova fase da minha vida com força e perceber como é que as pessoas reagiam às canções, independentemente do contexto. Ainda não conheci ninguém que se lembre de uma tour tão extensa e intensa em Portugal. Tocámos em festas populares, associações culturais, festivais, bares, esplanadas, no meio da rua, num castelo, coretos e tabernas para todos os tipos de público que se pode encontrar. Foi a viagem mais fixe que fiz com amigos – poder aliar a música a isso é um privilégio.
E como surgiu a ideia da presença do fotógrafo Gonçalo Pôla, que tem a cargo o registo foto-videográfico da empreitada e a elaboração de uma espécie de diário de estrada, que podemos acompanhar numa página da internet?
O Gonçalo é a pessoa que acompanhou este projecto mais de perto desde o início, foi a pessoa com quem mais desabafei acerca de todo este processo, algo que não foi mesmo nada fácil. Também foi ele que fez o vídeo de “Os teus passos” e foi juntos que começámos a imaginar a Volta a Portugal em Auto Rádio. Eu e o Gonçalo temos vários projectos sonhados que queremos concretizar, um deles é fazer um filme e isso tornou a presença dele absolutamente obrigatória nesta aventura toda.
Olhando então para o disco… De memórias remotas do Portugal colonial, que te chegaram aos ouvidos pelo teu pai, que regressou à metrópole em 1974 e por filmes super 8 que ele trouxe na bagagem, seja pelas histórias de um amigo teu alentejano chamado Quinito, que lutou na Guiné, ou as paisagens de Portugal, do Porto e até o amor, é imenso e intenso o ideário lírico e sonoro de Auto Rádio. É simples esta opção pouco ficcional e quase autobiográfica de escreveres sobre aquilo que te rodeia, em vez de inventares, na íntegra, histórias e personagens imaginárias, com as quais nunca terás à partida de te comprometer?
Eu gosto de inventar histórias aldrabando as minhas. Acho que nunca é simples escrever, seja sobre uma pessoa que conheces ou sobre o teu carro, mas eu acabo sempre por me comprometer com as personagens das minhas canções. Como é que alguma vez poderia agora vender o meu carro? Não dá, já está no coração.
Achei curiosas algumas das influências sonoras que referes, nomeadamente nas redes sociais, que vão do Duo Ouro Negro à Lena d'Água, passando pelos Beatles, os Beach Boys e Bob Dylan. Influências à parte, confesso que o que mais me agradou na audição de Auto Rádio foi uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles surgiam nas músicas, muito de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral do disco uma sensação, quanto a mim, enganadoramente, minimal. Talvez esta minha perceção não tenha o menor sentido mas, em termos de ambiente sonoro, aquilo que idealizaste para o álbum inicialmente, correspondeu ao resultado final, ou houve alterações de fundo ao longo do processo?
Eu queria um disco absolutamente bipolar, isto sou eu a voltar ao zero, a reaprender a escrever canções e a experimentar com todos os sons que tinha à mão. Mudei a minha vida toda e construí o meu estúdio só para poder fazer isso. Claro que a cada dia que passou as coisas mudaram, essa é a parte mais entusiasmante de fazer um disco – é uma viagem em que o caminho nunca é muito claro, apesar de o destino já estar traçado pelas canções.
Além de ter apreciado a riqueza instrumental, o encadeamento e a sequencialidade entre as músicas e também a criatividade com que selecionaste os arranjos, gostei particularmente do cenário melódico destas tuas novas canções, que achei particularmente bonito. Em que te inspiraste para criar as melodias?
Acho que me deixei ir, quis fazer canções pop que é o que gosto de fazer. Inspirei-me em milhares de coisas diferentes, desde histórias a discos que ouço. Acho que a história acaba por influenciar as melodias, a música tem que bater certo com o que dizes senão ninguém acredita.
Auto Rádio foi produzido por ti. Esta opção acabou por surgir com naturalidade ou já estava pensada desde o início e foi desde sempre uma imposição tua? E porque a tomaste?
Bem, eu sou produtor de outros discos e produzir é uma coisa que eu adoro fazer, apesar de nem sempre ser fácil estar a cantar e a produzir o mesmo disco. Mas este foi um disco mesmo difícil de deitar para fora, houve muita resistência à mudança por parte das pessoas que normalmente acompanhavam o Walter e as ideias que andavam na minha cabeça tinham que ser executadas exactamente de acordo com aquilo que eu imaginava. Para isso tive de tomar as rédeas do projecto com pulso de ferro e muita determinação, a certa altura deixei de mostrar as canções e comecei a ignorar por completo as opiniões de quase toda a gente. Senti que se caso eu fosse contra uma parede, então seria de acordo com as minhas convicções claras, sem pedir a culpa emprestada. Isso também era fundamental para o início desta fase, queria lançar uma semente que era minha para no futuro poder construir a partir daí. Dito isto, tive toda a ajuda de toda a gente, mesmo dos mais cépticos. É absolutamente normal um processo deste tipo gerar controvérsia e só assim é que é fundamental criar. O António Vasconcelos Dias, que toca comigo, foi um braço direito fundamental no que toca à produção, não só pela ajuda mas como por ter acreditado e dado uma força enorme. Bem como o Gonçalo e o Nuno Lucas. O Joca (João Correia, bateria) estava mais desconfiado e é por isso que eu o adoro, obrigou-me a provar-me a mim próprio o tempo todo. Ele é um músico do outro mundo e a opinião dele não dá para ignorar, ainda para mais é como um irmão e é absolutamente sincero com tudo.
Confesso que fiquei particularmente surpreso com a simplicidade do artwork de Auto Rádio, que, pelos vistos, mostra o Volkswagen referido no oitavo tema do disco. Como surgiu a ideia e a oportunidade de contar com o João Paulo Feliciano, da Pacata Discos na conceção do artwork?
Bem, o João Paulo é o líder da Pataca Discos e se alguém percebe de artwork é ele. Portanto a ideia e a oportunidade eram as coisas mais naturais do mundo. Havia outra ideia para capa que foi discutida com alguma paixão mas que ficou pelo caminho. Confesso que gosto de estar numa editora em que se discute porque as coisas são feitas com sangue, todos nós damos tudo para que as coisas fiquem de acordo com o que acreditamos. É uma editora de carolas e isso vale tudo no mundo, é cinematográfico. O João Paulo é um grande amigo há muitos anos e é uma honra poder tê-lo como editor e poder contar com a mão dele para o artwork. Como não?
Por falar em Pacata Discos, esta editora é a casa de alguns dos nomes fundamentais do universo sonoro musical nacional. É importante para ti pertencer a esta família que vai do jazz, ao fado, passando pela pop, o indie rock e a eletrónica?
Claro. Somos uma família bem alargada. Eu adoro poder ter amigos e colegas tão talentosos com quem tanto aprendo e que têm sempre disponibilidade em ajudar com o seu talento infinito. Isto para além de que estares num catálogo forte é importante e sinto que foi algo que fomos construindo juntos.
Adoro a canção O Quinito Foi Para A Guiné. Aliás, quando estiveres novamente com ele por aí, conta-lhe que o autor deste blogue lhe agradece particularmente pelo modo como te inspirou nesta música. E tu, tens um tema preferido em Auto Rádio?
Vou dizer-lhe, ele vai ficar vaidoso. Vai mudando mas durante muito tempo foi a Volkswagen. É um bocado como escolher o filho preferido, é difícil e ainda não tenho distância suficiente.
Para terminar, o que te move é apenas esta espécie de mistura entre rock, folk e a indie pop experimental, ou gostarias ainda de experimentar outras sonoridades? Em suma, o que podemos esperar do futuro discográfico do Benjamim?
Eu gosto de não ter preconceitos em relação à música. Durante muito tempo fui posto na prateleira da folk por causa de um disco do Walter Benjamin e se há coisa que eu pretendo é fazer uma quantidade enorme de discos diferentes. Eu quero experimentar tudo.
Obrigado pela entrevista e, principalmente, pela tua música!
Obrigado eu! Um abraço!
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Country Playground - Turdus Merula
Editado no passado dia vinte de julho pela Preguiça Magazine, Turdus Merula é o trabalho de estreia da dupla Country Playground, um projeto com raízes em Leiria e formado por Rodrigo Cavalheiro, baterista e vocalista dos Born a Lion e Fernando Silva, ex-guitarrista dos leirienses e extintos Canker Bit Jesus, dois inspirados músicos que de Neil Young a Buffallo Springfield e passando por Townes Van Zandt, Johnny Cash, Rolling Stones ou os Eagles, procuram recriar a textura sonora pura e crua do fim dos anos sessenta, início dos setenta, dando um cunho pessoal mais eléctrico e forte, de modo a replicar aquilo que eles próprios batizaram de electric farmer rock.
Liricamente bastante sentimental e debruçando-se sobre temas tão comuns e nossos, como a dor, o amor, a amizade, a perda e a procura e o reencontro, Turdus Merula contém sete canções que retrata muitas experiências pessoais dos autores e que trazem na bagagem uma carga emocional forte.
Gravado no verão de 2014, este disco começou por ser uma edição de autor digital, mas a Preguiça Magazine aceitou, felizmente, dar-lhe uma edição física, num trabalho onde o rock e a country dançam entre si com particular deleite e assombro de modo a replicar uma sonoridade crua, rude e pura, sem artifícios, mas também com um curioso travo pop, nomeadamente na luminosidade melódica. É, no fundo, um indie rock, animado e dançável, com algum fuzz nas guitarras que debitam distorções vintage, feito com entrega e devoção e de onde se destacam Song for Neil, uma homenagem desinteressada e sentida a Neil Young, uma influência muito grande para a dupla, o blues rugoso, atormentado e sombrio da guitarra de Grandpa's Grave e o festim inebriante da luminosidade que orienta a melodia de My Last Love Song. Seja como for, todas as sete canções são explosivas e há uma tensão poética sempre latente, sendo certamente propositada a busca do espontâneo e do gozo, se é que é possível falar-se em estética na música. Pelo menos a mim custa-me... Confere a entrevista que adupla concedeu a este blogue e espero que aprecies a sugestão...
Grandpa's Grave
Sand Woman
My Last Love Song
Seas Of Blood
Song For Neil
Down To Mexico
Golden Field
Os Country Playground acabam de abrir as hostilidades com Turdus Merula, sete canções gravadas há cerca de um ano e que pelos vistos estavam na gaveta, à espera que alguém as editasse fisicamente, já que havia sempre a possibilidade de edição em formato digital, em nome próprio. Antes de conversarmos um pouco sobre o trabalho, vamos apontar agulhas para a dupla. Os Country Playground surgiram por geração espontânea, foi uma ideia luminosa de dois amigos após uma noite de copos, por exemplo, ou foi fruto de um período de gestação bastante ponderado? Como surgiu a possibilidade de fazerem música juntos?
Os Country Playground começaram como um projeto do Rodrigo por volta de 2008. O Rodrigo tinha escrito umas músicas com a mulher e pretendia apresentá-las num formato simples e intimista, apenas acompanhado por uma guitarra acústica. Após alguns concertos, o Rodrigo começou a desmotivar-se porque muitas vezes não conseguia transmitir o registo intimista das canções. Também não se sentia muito confortável com a guitarra, que não é o seu instrumento “natural”. Por estes motivos, resolveu arrumar o projeto até que em 2014 foi convidado para dar um concerto. Nessa altura ele quis mudar um pouco as coisas, alterar a sonoridade para algo mais cru e sujo e mais próximo do rock. Foi aí que ele se lembrou de me ligar para saber se eu estaria interessado em experimentar tocar com ele – eu passava a assumir a guitarra eléctrica e algumas vozes, e o Rodrigo a bateria e a voz principal. Já nos conhecíamos há muito tempo, mas nunca tínhamos tocado juntos. Felizmente entendemo-nos às mil maravilhas e aí surgiram os Country Playground como os conheces hoje.
E Country Playground porquê? Por acharem que a aparente ligeireza e lisergia da vossa sonoridade rock de influência country tem algo de natural e rural, digamos assim, e que vocês chamam de electric farmer rock, ou é um nome completamente desfasado da componente sonora do projeto?
Este nome descreve muito bem o que nós fazemos, mas por acaso até surgiu de uma brincadeira. No Festival Sudoeste 2001, o Rodrigo lembrou-se de criar uma brincadeira para animar a malta nas horas vagas. Era uma espécie de tábua de equilíbrio, mas em vez de uma tábua, era um tronco que se movia em cima de outros dois troncos. Basicamente, a diversão consistia em subir para o tronco de cima e fazê-lo rodar para frente e para trás, sem cair – e passar horas nisto. Foram muitos bate-cu e risada à conta disso: havia gente que acordava cedo para ir praticar, outros que até chegaram atrasados a concertos por causa da brincadeira. O Rodrigo batizou este passatempo de Country Playground, mas ficou com o nome sempre na cabeça sabendo que se poderia adequar a um projeto futuro.
Olhando então agora para Turdus Merula… Bateram a muitas portas antes de verem o disco editado? E foi fácil convencer a Preguiça Magazine?
Para ser sincero, não batemos a muitas portas. Falámos com as editoras de Leiria, que são de pessoal que nós conhecemos e com quem nos damos bem, mas por diferentes motivos não foi possível editarem. Nós estávamos até mais virados para fazer uma edição digital, porque o formato que realmente queríamos (vinil) era extremamente dispendioso e arriscado. Quando nos preparávamos para editar em formato digital fomos ter com a Preguiça Magazine para nos ajudarem com a promoção do trabalho. A Preguiça Magazine tem bastante expressão a nível local, é seguida por muita gente e permitiria divulgar o lançamento do trabalho. Quando reunimos com a Paula Lagoa da Preguiça Magazine fomos surpreendidos pela vontade deles em editarem o nosso trabalho. Ficámos muito contentes, porque seria a primeira edição de música da Preguiça e porque eles acreditaram cegamente em nós desde o primeiro momento (nem quiseram ouvir o disco!!!). É claro que eu penso que as imperiais que bebemos durante a nossa conversa podem ter influenciado um pouco os desenvolvimentos, mas gosto de acreditar que não.
Como deverão compreender, é natural escutar-se este fantástico trabalho e sermos transportados para um indie rock que pisca bastante o olho a sonoridades que foram surgindo no outro lado do atlântico no início da segunda metade do século passado, com um certo cariz lo fi, mas também com um curioso travo pop, nomeadamente na luminosidade melódica. Sendo assim, acho que um dos vossos maiores atributos foi ter sabido pegar em possíveis influências que admiram e dar-lhes um cunho muito próprio, uma marca vossa e distinta. Como descrevem, em traços muito gerais, o conteúdo sonoro de Turdus Merula?
O Turdus Merula é um disco rock, de forte influência country, com uma sonoridade crua, rude e pura – sem artifícios. Procurámos captar o som mais próximo possível do que fazemos ao vivo. Eu e o Rodrigo gostamos bastante de Neil Young, Buffallo Springfield, Townes Van Zandt, Johnny Cash, Rolling Stones, Eagles... e procurámos um pouco recriar a textura sonora pura e crua do fim dos anos 60, início dos 70. É claro que lhe demos o nosso cunho pessoal, mais eléctrico e forte. De qualquer das formas, em termos líricos, é um disco bastante sentimental. Fala de dor, amor, amizade, perda, procura e reencontro. Retrata muitas experiências pessoais e tem uma carga emocional forte. No fim, ficámos bastante satisfeitos com o resultado final, uma vez que tanto as canções como a própria sonoridade do álbum ficaram muito próximas do que idealizámos no início do processo de gravação.
Este indie rock, animado e dançável, com algum fuzz nas guitarras que debitam distorções vintage e com um baixo encorpado, é mesmo o género de música que mais apreciam?
Nós não temos baixo – nem no disco, nem ao vivo. De qualquer forma o nosso som de guitarra, além de sujo é algo grave para compensar a ausência desse instrumento. Sim, nós gostamos muito deste tipo de música, é talvez o tipo de som que ouvimos mais atualmente. Mas também temos outros gostos. Penso que além do universo country-rock, também gostamos do rock puro – sem qualquer tipo de restrições. Eu até gosto de algumas coisas que roçam o metal e o industrial. Basicamente, nós gostamos de música... de preferência que seja boa e feita por pessoas com coração e entrega.
Quais são as vossas expectativas para Turdus Merula? Querem que este trabalho vos leve até onde?
Até este momento estamos bastante contentes com que está a acontecer. O álbum está a ser bem aceite por muita da comunicação social. Para nossa surpresa está a passar em bastantes rádios locais por todo o país e o feedback que tenho recebido quando falo com pessoal da imprensa é bastante positivo. Nós já tínhamos um pouco esse feedback cá na nossa zona, mas é mais surpreendente quando o recebes de pessoas que não conheces e que ainda nem te viram ao vivo – só ouviram o disco. Esperamos que este disco nos permita tocar o máximo pelo país fora. Isso é o que eu e o Rodrigo mais gostamos de fazer. Ter a oportunidade de mostrar como são os Country Playground ao vivo e provocar reações (esperamos que positivas) a quem nos vá ver e ouvir. Também esperamos que este disco seja o primeiro de muitos... já temos material pronto para um segundo. Mas cada coisa a seu tempo.
Penso que a vossa sonoridade poderia ser bem-sucedida nos países que abrem os braços ao chamado indie rock mais clássico. Os Country Playground estão, de algum modo, a pensar numa internacionalização, ou é apenas Portugal importante para o futuro da vossa carreira?
Nós gostamos de pensar na possibilidade da internacionalização dos Country Playground. Penso que até podíamos ter uma certa facilidade em termos logísticos, uma vez que somos só dois e estamos muito orientados e focados no que estamos a fazer. No entanto, somos realistas e temos a noção que ainda nos falta percorrer muito caminho para pensarmos nisso. Agora estamos mesmo interessados em dar a conhecer a banda por todos os cantos de Portugal. Ainda não demos nenhum concerto fora da zona de Leiria e estamos mesmo expectantes para ver as reações fora de “casa”. Acho que ainda temos que provar o que valemos a muita gente por cá.
Acho curioso o artwork do disco e muito bem conseguido, com a cover a cargo de Ana Sousa. O nome do disco refere-se è espécie da ave e, independentemente da resposta a essa questão, há alguma relação entre o conteúdo das canções e o conceito do projeto com o artwork?
O melro preto é um animal lindo e imponente que nos remete para uma certa ideia de liberdade. Também está muito ligado ao imaginário country, muito ligado aos animais e à natureza de uma forma em geral. Quando começámos a gravar o Turdus Merula quisemos ter uma ideia unificadora que nos permitisse ao gravar os diferentes temas, manter um certo rumo. Resolvemos que sempre que estivéssemos a gravar a parte instrumental, estaríamos a imaginar a figura de um melro. Isto é quase uma ideia metafísica, mas penso que resultou. Quando chegámos à altura de escolher um nome para o disco, percebemos que o nome estava escolhido desde o início. Também somos da opinião que a capa do disco resultou muito bem. A Ana fez um excelente trabalho, a única coisa que lhe pedimos foi que a capa tivesse um melro e um ar algo vintage, que remetesse para a ideia de um vinil dos anos setenta. Acho que ela conseguiu captar a ideia muito bem e surpreendeu-nos com um artwork excelente que nos encheu as medidas.
Adorei Down To Mexico; E a banda, tem um tema preferido em Turdus Merula?
Nós gostamos de todos, mas temos um gosto particular pela Song for Neil. Esta canção foi escrita desde o primeiro momento para um artista e pessoa que ambos admiramos – o Neil Young. Ele é uma influência muito grande para nós e também nos surgiu na vida em momentos em que ambos precisámos de ultrapassar certas dificuldades. Quisemos prestar-lhe homenagem, de forma completamente desinteressada com esta música. A mim é das que mais gozo me dá tocar. Mas ainda estamos numa fase muito inicial do nosso caminho, todos os temas nos soam bem e apetece-nos sempre tocar todos.
Não sou um purista e acho que há imensos projectos nacionais que se valorizam imenso por se expressarem também em inglês. Há alguma razão especial para cantarem apenas em inglês e a opção será para se manter?
Penso que com a nossa sonoridade, não se justifica cantar noutra língua que não o inglês. Nós não temos nada contra o português, bem pelo contrário. Na minha banda anterior tínhamos vários temas em português. O Rodrigo tem pelo menos mais dois projetos em que canta em português. Acho que as músicas devem servir-se sempre do que as faça soar melhor. Nos Country Playground acho que o português nunca ía colar de forma natural, seria sempre forçado, por isso essa é uma ideia que nem colocamos em causa.
Imagino que entretanto já tenham temas novos compostos. Será preciso esperar mais quanto tempo para saborear um novo trabalho dos Country Playground?
Sim, já temos praticamente o segundo disco escrito. Desde a gravação à edição do Turdus Merula passou quase um ano e eu e o Rodrigo temos uma facilidade muito grande em escrevermos juntos. Às vezes até no sound-check de um concerto surge uma nova música. Nos nossos concertos já apresentamos algumas dessas músicas novas. De qualquer forma, agora temos de saborear e aproveitar o que o Turdus Merula nos trouxer e assim que chegar a hora, gravamos o próximo.
Como vai decorrer a promoção de Turdus Merdula? Já sei que tocaram recentemente em Leiria e na Marinha Grande, mas onde poderemos ver os Country Playground a tocar num futuro próximo?
Nesta fase ainda estamos a fazer a promoção do disco ao nível da imprensa escrita e da rádio. Em relação aos concertos, como calculas, lançámos o disco numa época em que não é muito habitual fazê-lo, está tudo muito virado para os festivais e para as bandas que nos visitam. De qualquer forma, acho que isso também pode ter jogado a nosso favor, porque chegámos a algumas rádios que não esperávamos. Se calhar em Setembro os lançamentos são tantos que passávamos despercebidos. Também não foi a melhor altura para apanhar o comboio dos concertos de Verão, pelo que estamos a tentar alinhar tudo para arrancar para a estrada no final de Setembro. Já temos alguns showcases marcados em Fnacs, mas ainda não consigo adiantar as datas da tour de promoção do Turdus Merula. De qualquer forma, convido toda a gente a ir seguindo o nosso facebook para saberem as datas e novidades assim que as anunciarmos.
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André Barros - Soundtracks Vol. I
Estudante de direito, André Barros resolveu, em boa hora, aprender a tocar piano, de modo autodidata e numa idade considerada por muitos como tardia mas que, pelos vistos, tendo em conta a beleza da tua música, resultou na perfeição. O passo seguinte, acabou por ser estudar produção musical e para isso rumou à Islândia para trabalhar alguns meses no Sundlaugin Studio dos Sigur Rós, uma das minhas bandas preferidas, num espaço que eu adorava visitar.
Particularmente apaixonado por música instrumental, André Barros sempre adorou escutar bandas sonoras e a facilidade com que tocou um dos temas de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, de Yann Tiersen, num piano acústico de uma amiga, acabou por ser o click final para o arranque de uma carreira, feita muitas vezes de improviso e que acaba de ter um enorme fòlego intitulado Soundtracks Vol. I, o seu rerceiro registo de originais e que, gravado entre Lisboa e Paço de Arcos, viu a luz do dia a dezoito de maio, por intermédio da Omnichord Records.
Soundtracks Vol. I contém, entre outros, os temas do filme Our Father, de Linda Palmer, que renderam ao autor um galardão para melhor banda sonora no Los Angeles Independent Film Festival Awards e que, depois de ter alcançado boas críticas e alguns prémios em vários festivais, chegou também à edição de 2015 do Festival de Cannes.
Não só no conceito que pretendeu, pelos vistos, criar sons tendo em conta a trama que se desenrola no grande ecrã, sons do momento e, por isso irrepetíveis, mas também na materialização, onde não faltam instantes sonoros subtis proporcionados por alguns arranjos que, confesso, só uma audição atenta com headphones me permitiu conferir, já que alguns são audíveis de forma quase impercetível, percebe-se que a sonoridade geral de Soundtracks Vol. 1 exala uma sensação, quanto a mim, vincadamente experimental e tem tudo o que é necessário para, finalmente, o André Barros ter o reconhecimento público que merece. Confere a entrevista que André Barros concedeu a Man On The Moon e espero que aprecies a sugestão...
Gravado em Lisboa e em Paço de Arcos, Soundtracks Vol. 1 é um documento sonoro invulgar, mas particularmente belo, capaz de colocar o ouvinte no meio da ação dos filmes e documentários que utilizam as várias composições do alinhamento, contemplando-os usando o sentido da audição e depois, o próprio olfato e a visão, já que esta é, na minha opinião, música com cheiros e cores muito próprios. Como surgiu a ideia de gravar um disco assim?
Agradeço imenso estas palavras! Diria que não houve, inicialmente, qualquer intenção de gravar um disco assim pois aquando da composição das várias bandas sonoras a que estes temas pertencem (portanto, desde final de 2013) eu não antevia que, juntamente com a editora, viríamos posteriormente a tomar a decisão de os compilar num CD e passar a ter esta mostra do meu trabalho nesta área dividida por volumes. No entanto, depois de termos os temas prontos, depois de terminadas as bandas sonoras, tudo fez sentido e dado que continuarei a trabalhar com afinco neste mundo da música para imagem, então que melhor forma de o partilhar com o público do que criar estas compilações ao longo do tempo?
Pessoalmente, penso que Soundtracks Vol. 1 tem tudo o que é necessário para, finalmente, o André Barros ter o reconhecimento público que merece. Quais são, antes de mais, as tuas expetativas para este teu novo fôlego no teu projeto a solo?
É extraordinário sentir isso, e sinto-me muito grato por até hoje ter recebido um bom feedback deste trabalho de que tanto me orgulho. Espero tão somente que possa continuar a partilhar as minhas criações com as pessoas, seja gravando mais bandas sonoras, seja pelos concertos, seja pelo lançamento de um novo álbum de originais (que não para filmes). Para o fazer, certamente que terei de influenciar positivamente quem escuta o meu trabalho para que possa ter as condições para continuar, e estou convicto de não defraudarei as expectativas de quem, tão gentilmente, tem seguido o meu percurso.
Ouvir Soundtracks Vol. 1 foi, para mim, um exercício muito agradável e reconfortante que tenho intenção de repetir imensas vezes, confesso. Intrigante e melancólico, é realmente um documento que não tem apenas as teclas do piano como protagonistas maiores do processo melódico, com as cordas, quer de violas, quer de violinos, a serem, também, parte integrante e de pleno direito das emoções que os diversos temas transmitem. Esta supremacia do cariz fortemente orgânico e vivo que esta miríade instrumental constituída por teclas e cordas por natureza confere à música que replica, corresponde ao que pretendeste transmitir sonoramente neste trabalho?
Sem dúvida! Estes temas, todos eles, vivem muito da intenção aquando da sua interpretação, e não apenas de todo o aparato técnico que montamos quando os criamos em estúdio. Este é um aspecto crucial que influenciará certamente a escuta atenta de quem põe o disco a tocar, é também um aspecto que vou tentando aprimorar a cada trabalho que vou produzindo, sendo que por vezes se pode tornar um desafio enorme partilhar com os músicos exactamente a intenção que pretendo que coloquem em cada frase, mas tudo isto é uma aprendizagem e felizmente vejo-me rodeado de músicos bem talentosos e maduros, apesar da sua (nossa!) juventude!
Em traços gerais, como foram sendo selecionados os filmes e documentários onde se podem escutar estas canções? Recebeste convites para participares na banda-sonora ou tu próprio abordaste alguns realizadores com essa intenção?
Até agora, todos os filmes nos quais tive o prazer de participar com o meu trabalho (tirando somente produções para filmes institucionais e corporativos/publicidade) surgiram graças ao meu trabalho de pesquisa (uma parte fundamental da minha actividade!) que desenvolvo incessantemente, procurando projectos de filmes em fases de pré-produção para os quais acha uma futura possibilidade de vir a integrar enquanto compositor. Uma vez captado o interesse de um realizador/produtores, desenvolvo os contactos por forma a mostrar que consigo atingir a sonoridade que pretendem, enviando demos com base em guiões ou outro material já disponível, até que (nos casos em que fui bem sucedido) recebo a confirmação do outro lado para integrar oficialmente a equipa de produção.
Não só no conceito que pretendeu, pelos vistos, criar sons tendo em conta a trama que se desenrola no grande ecrã, sons do momento e, por isso irrepetíveis, mas também na materialização, onde não faltam instantes sonoros subtis proporcionados por alguns arranjos que, confesso, só uma audição atenta com headphones me permitiu conferir, já que alguns são audíveis de forma quase impercetível, percebe-se que a sonoridade geral de Soundtracks Vol. 1 exala uma sensação, quanto a mim, vincadamente experimental. Houve, desde o início do processo de gravação, uma rigidez no que concerne às opções que estavam definidas, nomeadamente o tipo de sons a captar no piano e a misturar com as cordas e as vozes, ou durante o processo houve abertura para modelar ideias à medida que o barro se foi moldando?
Sim, há sempre uma certa flexibilidade que me dão durante o processo de amadurecimento dos temas, e que me permite experimentar novos sons ou novos efeitos que poderão enriquecer o resultado final do trabalho. Acredito que tais pormenores, e claro muitos deles apenas perceptíveis se escutados atentamente, acabam por contribuir para uma identidade mais vincada de cada projecto, ajudando-me a enriquecer e a complementar uma melodia.
Além de ter apreciado a riqueza sonora natural, gostei particularmente do cenário melódico das canções, que achei muito bonito. Em que te inspiras para criar as melodias?
Muito obrigado! De facto, tento sempre que o meu trabalho tenha uma boa estrutura melódica pois acabou por ser esta a razão que me levou a entrar no universo da música, da composição... é muito inglório atribuir a este ou outro aspecto/acontecimento o papel de fonte de inspiração pois será sempre uma resposta subjectiva e incompleta, na medida em que sinto que há uma infinidade de factores de certamente contribuirão para a génese do meu trabalho de composição, muitos deles claramente intuitivos e difíceis de racionalizar!
Valter Hugo Mãe escreveu propositadamente o poema de Gambiarras, um tema em que ele próprio também colabora com a voz. Como surgiu a possibilidade de trabalhar com este escritor ilustre no disco? De quem partiu a iniciativa desta colaboração?
Eu conheci o Valter e enderecei-lhe o convite, sendo que já vinha a amadurecer este tema há algum tempo, e com ele também a ideia de cruzar a poesia (ainda que não declamada, apenas lida) com o este meu trabalho. E quem melhor do que o Valter, que aliás tem imensas colaborações com projectos musicais, para me ajudar a concretizar este devaneio?
Adoro a composição Wounds Of Waziristan, por sinal o single do disco. O André tem um tema preferido em Soundtracks Vol. 1?
É-me sempre difícil responder a esta questão, pois tenho muito carinho por todos os temas do álbum... mas se realmente tivesse de eleger um e distingui-lo como uma espécie de “single” do disco, de facto escolheria precisamente o Wounds of Waziristan pois trata-se do primeiro tema que alguma vez compus para filme, logo terá sempre um espaço especial no meu trajecto e nas minhas memórias!
Em relação ao futuro, após Soundtracks Vol. 1, já está definido o próximo passo na tua carreira?
Continuar a trabalhar nesta área das bandas sonoras pois, para além de me dar imenso prazer, dá-me também um certo conforto financeiro para que me possa continuar a aventurar sem receios nesta indústria! Continuar com os concertos de apresentação tanto deste álbum como do anterior e ir pensando em temas para um eventual álbum a solo (isto é, que não de temas para bandas sonoras).
Em tempos, quando estudavas Direito, resolveste aprender a tocar piano, pelos vistos de modo autodidata, numa idade que muitos podem considerar tardia mas que, pelos vistos, tendo em conta a beleza da tua música, resultou na perfeição. Como se deu esse click?
Sim! Agradeço a simpatia. Eu já ouvia imensa música instrumental e nomeadamente de bandas sonoras pela altura em que estava perto de terminar o curso de Direito, pelo que um dia lembrei-me de tentar tocar um dos temas da banda sonora do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” de Yann Tiersen... pesquisei no Youtube como tocar o tema e pedi a uma amiga que me deixasse tentar fazê-lo num piano acústico que ela tinha em casa. Quando percebi que o fiz com relativa facilidade, apaixonei-me de imediato pelo toque e pela sonoridade do piano, daí até comprar um piano digital passaram uns dias e desde logo me aventurei no improviso até construir os meus temas!
Depois, o passo seguinte, acabou por ser estudar produção musical e para isso rumaste à Islândia para trabalhar alguns meses no Sundlaugin Studio dos Sigur Rós, uma das minhas bandas preferidas, num espaço que eu adorava visitar. Como é, em traços gerais, o ambiente nesse estúdio? Como foi essa experiência?
Sim, estive naquele estúdio maravilhoso durante 3 meses, no Verão de 2012. Foi uma experiência inesquecível, aprendi imenso, contactei com músicos e técnicos extraordinários e seria ridículo não dizer que foi o concretizar de um sonho poder partilhar aquele ambiente com músicos e projectos que tanto admiro. São todos extremamente profissionais e pessoas muito dedicados a esta arte. Reina a calma e a boa disposição e procura-se sempre a perfeição sonora respeitando-se todo e cada instrumento e músico para que transpareça nas gravações a paixão que se sente pelo que fazem.
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Tape Junk - Tape Junk
O projeto TAPE JUNk encabeçado por João Correia e ao qua se juntam Joaquim Francisco, Nuno Lucas e António Vasconcelos está de regresso com um trabalho homónimo, gravado durante três dias no Alvito no verão passado, sob um sol abrasador, num oito pistas instalado no sotão de Luis Nunes (Walter Benjamim), que também produziu o disco. Apesar de ser o segundo da carreira da banda, TAPE JUNk é uma espécie de recomeço para o quarteto e um verdadeiro disco de banda, já que, ao contrário de The Good and The Mean (2013), um quase registo a solo, é um trabalho mais direto e crú, com um alinhamento bastante espontâneo, já que metade do mesmo nunca tinha sido tocado pela banda antes e a outra metade foi gravada com os arranjos utilizados ao vivo e registado sem qualquer isolamento dos instrumentos, uma receita que imprimiu uma particular energia e espontaneidade às gravações, próxima do que os TAPE JUNk costumam preconizar ao vivo.
O tempo do João Correia é, certamente uma sucessão de algumas rotinas, uma significativa quantidade de banalidades e depois, um interessante conjunto de eventos inspiradores, que lhe provocam sentimentos e sensações únicas que encontra na música, mesmo inconscientemente a melhor forma de expressar, apesar de não apreciar particularmente levar-se demasiado a sério, como personagem deste quotidiano em que todos nos movemos. E este homónimo dos TAPE JUNk plasma, com notável nitidez essa personificação de soalheiras aventuras sonoras, algumas delas com um elevado pendor pessoal e intimista, onde não falta um confessado humor negro, e outras a sobreviverem à custa do nonsense, com Thumb Sucking Generation a ser, claramente, um exemplo claro desta despreocupação e deste desejo pessoal que os TAPE JUNk sentem, na pessoa do João Correia, de não serem levados demasiado a séra no que concerne à escrita das canções. Seja como for, não se pense que neste trabalho é impossível encontrar um aconchego para as nossas mágoas ou um incentivo ao despertar aquilo que de melhor guardamos dentro de nós; The Left Side Of My Bed ou Me and My Gin são dois exemplos do modo assertivo como os TAPE JUNk conseguem, utilizando uma linguagem sonora e lírica simples e, simultaneamente, intensa e profunda, falar de situações do quotidiano com as quais facilmente nos identificamos, duas músicas que podem ser um excelente veículo para o reavivar de algumas memórias que estão um pouco na penumbra e que nos confortam o ego quando delas nos recordamos.
Banda de palco e com uma notável reputação nesse campo, os TAPE JUNk são uma típica banda rock que assenta a sua sonoriade em guitarras que replicam melodias contagiantes e que exalam uma sensação de comptempraenidade que pode surgir nas notas mais delicadas, até quando elas estão num modo particularmente explosivo, nos efeitos selecionados ou nos arranjos simples, mas bastante criativos, onde não faltam peculaires variações de ritmo e uma saudável sensação de crueza e ingenuidade ou então, no modo como as vozes se alternam e se sobrepôem em camadas, à medida que os instrumentos fluem naturalmente, sem se acomodarem ao ponto de se sufocarem entre si, naquilo a que claramente se chama de som de banda.
Pavement, Giant Sand, Stooges, Rolling Stones ou Velvet Underground são influências assumidas e declaradas, mas quem vence é aquel rock clássico e intemporal que só ganha vida se houver quem se predisponha a entrar num estúdio de mente aberta e disposto a servir-se de tudo aquilo que é colocado ao seu dispôr para criar música, sejam instrumentos eletrónicos ou acústicos e assim fazerem canções cheias de sons poderosos e tortuosos, luminosos e flutuantes e vozes deslumbrantes. E os TAPE JUNk provam que não é preciso ser demasiado complicado e criar sons e melodias intrincadas. Consegui-lo é ser-se agraciado pelo dom de se fazer a música que se quer e este quarteto sujeita-se seriamente a obter tal desiderato, já que usou a fórmula correcta, feita com uma quase pueril simplicidade, a melhor receita que muitas vezes existe no universo musical para demonstrar uma formatação adulta e a capacidade de se reinventar, reformular ou simplesmente replicar o que de melhor têm alguns projetos bem sucedidos na área sonora em que uma banda se insere.
TAPE JUNk é um álbum rock poderoso mas extremamente divertido, sem deixar de evocar um certo experimentalismo típico de quem procura, através da música, fazer refletir aquela luz que não se dispersa, mas antes se refrata para inundar os corações mais carentes daquela luminosidade que transmite energia, num disco sem cantos escuros. Confere, já de seguida, a entrevista que o João Correia concedeu a este blogue sobre o disco e espero que aprecies a sugestão...
1 - Substance
2 - Bag of Bones
3 - Scratch and Bite
4 - Six String and the Booze
5 - Joyful Song
6 - Me and My Gin
7 - All My Money Ran Out
8 - The Left Side of the Bed
9 - Thumb Sucking Generation
Ao contrário de The Good And The Mean, disco sobre o qual conversámos e onde o João Correia tomou conta de grande parte da ocorrência, já lá vão quase dois anos, este vosso novo trabalho, um homónimo, resulta da interacção directa entre todos os elementos do grupo. Quais são as grandes diferenças entre os dois álbuns?
O primeiro disco foi uma experiência. Não fazia ideia do que ia fazer com aquilo. Felizmente foi bem recebido e surgiram concertos e montámos uma banda. Podia ter sido apenas um registo daquela altura e das músicas que escrevi e de como me apeteceu gravá-las na altura. Nunca foi pensado como o primeiro disco de uma banda. Os anos passaram, demos muitos concertos e encontrámos a nossa sonoridade. Acho que foi um processo óbvio e muito natural. Este novo disco teve um processo de gravação completamente diferente. Agora é sim um disco de uma banda. O segundo de Tape Junk mas o primeiro da banda. E eu quis que fosse um disco espontâneo e até ingénuo como a maior parte dos primeiros discos das bandas de que gosto.
Este disco foi feito como se fosse um gathering de amigos. Fez-me lembrar quando era puto e gravava com os meus primos nas férias do Verão, na altura para um 4 pistas. Os anos passaram e duplicaram-se as pistas. Os junks não são primos de sangue mas somos todos família.
Pelos vistos a gravação do disco foi uma grande experiência, muito crua, espontânea e direta. Praticamente metade do alinhamento nunca tinha sido tocado pela banda antes e a outra metade foi gravada com os arranjos utilizados ao vivo. Como foram esses dias frenéticos no Alvito?
Passamos os dias a lutar contra um calor abrasador...Mas não abdicámos, é claro,de belos repastos, bom vinho e aguardente caseira ( como menciona a Valéria ). Tratámo-nos muito bem. Todos os dias acordávamos bem cedo e passávamos os dias a tocar no sotão do Luís Nunes. Os takes foram gravados para um Tascam 8 pistas de fita.
As bases instrumentais do disco foram gravadas live e sem isolamento dos instrumentos. Ou seja, cada instrumento tem uma soma sonora dos outros. Há quem defenda que isso é ruído e que "estraga" o som... Eu acho que isso é música. Gravámos umas quantas canções como já as tocávamos ao vivo e entretanto acrescentámos umas quantas que nunca tinham sido tocadas. E essas acabaram por ser algumas das mais importantes do disco, na minha opinião. O "Thumb Sucking Generation", "Six String and the Booze", o "Substance" (que nem uma maquete manhosa tinha) são dos temas que mais definem o álbum e não os conheciamos bem antes de irmos para as gravações. É como quando fazes uma música nova e gravas uma demo, ouves tudo e pensas : "isto está muita fixe!" ou então "em que raio é que eu estava a pensar quando escrevi isto!". Quando gosto da demo até tenho medo de gravar a música em estúdio depois, fica sempre pior. Pensas demais sobre aquilo e a espontaneidade desaparece. Aqui não houve sequer tempo para isso acontecer. Foi um disco em que corremos riscos, umas coisas correram bem, outras não. E ainda bem que assim foi.
As guitarras parecem-me ser o grande fio condutor das canções e, na minha opinião, um dos vossos maiores atributos é a forma simples e direta, sem grandes rodeios ou floreados desnecessários, como apresentam a vossa visão sonora do formato canção, como peças sonoras que, à exceção de ThumbSucking Generation, se esfumam mais depressa que um cigarro, mas que não deixam ninguém indiferente, já que prendem e ficam facilmente na memória. No que concerne às opções que definem para a vossa música, nomeadamente durante o processo criativo, como funcionam como banda?
Normalmente tenho uma demo das músicas gravadas com guitarra acustica e voz. Depois junto-me com o António e gravamos as ideias para as partes de cada instrumento. Depois tocamos todos juntos decidimos o que cada um faz. Eu gosto de manter as coisas muito simples em Tape Junk. Não procuro um som novo e não me preocupa a questão da banda vir a ter sucesso ou não. A ideia deste grupo é escrever canções, tocá-las juntos e partilhar o que fazemos com as pessoas que nos querem ouvir. Escrevo canções em casa quando elas surgem e ambiciono escrevê-las cada vez melhor. Os arranjos nesta banda estão em segundo plano. Têm de ser muito naturais e respeitar o flow da canção. Acho que cada banda tem a sua função. A nossa, para já, é keep it simple. Quero que se ouça pessoas a tocar neste disco. E nós somos pessoas simples.
E como foi trabalhar com o Luis Nunes aka Walter Benjamim, um músico extraordinário que também já foi destaque por cá algumas vezes?
O Luis é um grande amigo e já trabalho com ele há muitos anos. Quis gravar com ele porque já sabia que ele não gostava nada da sonoridade e arranjos do primeiro disco e achei que ele era a pessoa certa para gravar este porque eu queria fazer algo que distanciasse os dois. Para além de gravar também produziu. Fez-me a proposta de gravar tudo num oito pistas no sótão dele em Alvito. Adorei a ideia e lá fomos nós.
Logo na primeira música que gravámos percebi que não ia ser fácil... Fizémos uns dez takes do "All my money ran out" e cada vez que chegávamos ao fim ele dizia "mais um". Depois punha a fita para trás e ficavamos os cinco em silêncio. Optamos por mudar de música e eu pensei que as coisas podiam correr mal porque nunca tinhamos gravado assim juntos. Estivemos umas três horas para nos adaptarmos ao processo...
O Luís e eu somos como irmãos e passamos o tempo todo a discutir cada vez que estamos sob pressão. É hilariante! Eu sou sempre pessimista, ele não. Esse caos é perfeito para mim, odeio quando está tudo muito organizado e no sítio quando tem a ver com Tape Junk. Quando acabámos de gravar tudo no terceiro dia fomos ouvir o disco ainda muito em bruto. Deviam ser umas 4h da manhã e tinhamos passado os dias a gravar e eu disse : ok, foi trabalho em vão, estas músicas juntas não fazem sentido nenhum. O Luís fez um alinhamento em 20 segundos e pôs no play e disse algo como foda-se, és tão chato, meu. Cala-te e ouve as músicas. Eu calei-me e ouvi. Esse alinhamento ficou o do disco, nunca mais se mexeu.Trabalhar com o Luís é altamente.
Tape Junk é um festivo e animado compêndio de indie rock, que apenas abranda um pouco em Me And My Gin, um dos meus temas preferidos do disco e em The Left Side Of The Bed. Fiquei curioso… O gin é a bebida oficial dos TAPE JUNk? Qual é a temática desta canção?
Hahaha nada disso... Se fosse acerca da bebida de eleição seria "Me and my whiskey" mas soava muito mal. Escrevi essa letra no balcão do Roterdão no Cais do Sodré enquanto falava com um amigo meu. Passado uns dias vi que tinha a letra nas notas do telefone e arranjei a coisa e escrevi a música. Esta é das poucas em que a letra surgiu antes da música.
Escrevi isso na altura do primeiro disco quando andava sempre bêbado. Quando estás assim achas que não consegues fazer nada sem beber um copo antes. É uma idiotice. A música é completamente bipolar porque salta de versos sérios para versos completamente idiotas. É das minhas preferidas do disco.
Continuando a abordar a questão das letras, as relações amorosas e a complexidade que envolvem, que exigem um constante (des)acerto para funcionarem, pareceu-me ser uma ideia muito latente no disco e em particular em Joyful Song eThe Left Side Of The Bed. Esta minha percepção faz algum sentido? O que mais inspira a vossa escrita?
Neste disco acho que não me levo a sério demais na escritas das canções. Existem letras no outro disco que agora me acompanham e nem sempre as quero cantar. São muito pessoais. Depois tenho de tocar a mesma música vezes sem conta e já não sinto o que sentia e parece que estou a "vender" um sentimento falso. Neste disco tenho pouca coisa pessoal e tenho mais humor negro nas músicas, se calhar. Também tenho letras como o Thumb Sucking Generation que não interessam para nada... está lá porque tinha de dizer algo e nem me lembro quando nem porque escrevi aquilo. O importante é a música nesse caso. E o nonsense também me atrai na verdade. Quanto à inspiração, acho que escreves coisas melhores quando não estás bem. Quando não escreves uma música porque queres, mas escreves porque tem de ser. O "Left side of the bed" foi um desses casos. As coisas mudaram depois de escrever essa música. Fechei um ciclo de canções de amor depressivas... Depois dessa e do "Me and my gin" surgiu o resto do disco que tem uma linha muito mais leve do que o anterior. Mas misery loves company e toda a gente gosta de ouvir alguém a cantar coisas depressivas, não é? Isso é um bocado chato para um escritor de canções mas eu próprio não me levo tão a sério quando não escrevo sobre coisas viscerais e trágicas. O refrão do "Substance" ridiculariza precisamente esta questão.
O primeiro single do disco é Six String and The Booze e já foi divulgado o vídeo, por sinal bastante divertido e muito bem idealizado. Quem merece os créditos por esse excelente trabalho?
Tive a ideia de ter um vídeo com um casal em que a mulher era contorcionista. Mas faltava-me organizar a ideia e ter uma história interessante. O realizador Pedro Pinto, com quem tinha trabalhado no "Live at 15A" de Julie & The Carjackers agarrou a ideia e fez este mockumentary incrível. Achei a ideia genial. Deu muito trabalho, passámos semanas a fio para juntar a equipa, planear tudo e fazer o vídeo em dois dias com um budget muito reduzido. O Pedro é muito talentoso, hard worker e super profissional. No próprio video estão os créditos de toda a equipa. Foram todos incríveis.
Os TAPE JUNk fazem agora parte da família Pataca Discos. Qual é a sensação?
Eu sinto que estou na Pataca desde que gravei o "Dá" da Márcia. Desde então que tenho estado sempre ligado à editora. Julie & The Carjackers, Walter Benjamin, Bruno Pernadas, They're Heading West são bandas/artistas com quem toco e que fazem parte da Pataca. O João Paulo Feliciano só edita o que gosta muito por isso estava com algum receio das demos que lhe mostrei... Ouvimos as músicas os dois com o Luís Nunes e de cerca de vinte, eles aproveitaram umas oito e mandaram-me vir para casa escrever mais. Só depois disso é que houve certeza que estava ali um disco e entrámos para a Pataca Discos muito contentes.
Como está a correr a promoção do disco? Onde será possível ver os TAPE JUNk a tocar num futuro próximo?
Para já só posso anunciar o Festival Lá Fora em Évora, Festival Med e Nos Alive.
Para terminar apenas outra curiosidade… Quem é a Valéria?
Qual Valéria?! Valéria... Humm... Nome bonito mas não sei do que falas...
( Obrigado pela entrevista, gostei muito das tuas perguntas. João )
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Afonso Pais - Terra Concreta
Afonso Pais, nascido em Lisboa em 1979, tem formação em piano e bateria, mas escolheu a guitarra, intensificando os estudos na escola de jazz do Hot Clube de Portugal e na New School University, nos Estados Unidos. Gravado em estúdios de gravação ao ar livre, em Parques Naturais nacionais e no Vale de Darnum, na ilha do Borneu, com a captação de instantes sonoros únicos e, por isso, irrepetíveis, Terra Concreta é a nova menina dos olhos deste músico, um documento sonoro invulgar, mas particularmente belo, nascido com o propósito firme de transportar o ouvinte para esses locais e de levar a música de regresso às suas origens, sendo a natureza fonte de inspiração e, simultaneamente, protagonista, dividindo esse papel com a viola e com as vozes de Albert Sanz, Luísa Sobral, Beatriz Nunes, Joana Espadinha, Rita Martins e João Firmino, além do próprio Afonso.
Capaz de colocar o ouvinte no meio da natureza, contemplando-a usando o sentido da audição e depois, o próprio olfato e a visão, Terra Concreta é, na minha opinião, um compêndio de música com cheiros e cores muito próprios. Ponto simultâneo de partida e chegada, sempre, mas nunca de passagem, o disco permite-nos contactar com instantes de manifestação musical espontâneos, que exalam a profunda delicadeza e sensibilidade do autor e o modo tremendamente eficaz como ele transporta essas duas facetas intrínsecas à sua capacidade criativa para a música que produz, com a felicidade de também nos mostrar, à sua maneira, locais naturais no seu estado mais puro, consciencializando-nos para a presrvação dos mesmos, quase sem darmos por isso.
A natureza acaba por se tornar grata a Afonso, já que se revela esplendorosa e bastante participativa ao longo do diso, revelando uma generosidade heróica através de instantes lindíssimos, não só audíveis no chilrear de algumas aves, mas também nos sons que o movimento do ar, feito vento, consegue criar e que o excelente trabalho de gravação e produção captou. São instantes sonoros naturais subtis, alguns audíveis de forma quase impercetível, outros parecendo deliberadamente sobrepostos de forma aparentemente anárquica, percebendo-se que a sonoridade geral de Terra Concreta exala uma sensação vincadamente experimental.
Escutar Terra Concreta é, sem dúvida, um exercício muito agradável e reconfortante, mas também intrigante e melancólico. Este é um documento que não tem apenas as cordas como protagonistas maiores do processo melódico, já que a própria natureza e o chilrear constante das aves são, realmente, parte integrante e de pleno direito das emoções que os diversos temas transmitem.
Terra Concreta sucede a Onde mora o mundo, disco que Afonso Pais editou com JP Simões, em 2011. Da discografia do músico fazem parte ainda Terranova (2004), Subsequências (2008) e participações em álbuns de Paula Sousa, Joana Machado ou Paulo Bandeira. Confere abaixo a entrevista que gentilmente o autor concedeu ao blogue e espero que aprecies a sugestão...
Gravado em estúdios de gravação ao ar livre, em Parques Naturais nacionais e no Vale de Darnum, na ilha do Borneu, com a captação de instantes sonoros únicos e, por isso, irrepetíveis, Terra Concreta é um documento sonoro invulgar, mas particularmente belo, capaz de colocar o ouvinte no meio da natureza, contemplando-a usando o sentido da audição e depois, o próprio olfato e a visão, já que esta é, na minha opinião música com cheiros e cores muito próprios. Como surgiu a ideia de gravar um disco assim?
Surgiu da regularidade com que visito zonas naturais remotas, sempre acompanhado do meu instrumento musical, a guitarra. Em determinado momento quis experimentar registar o momento natural combinado com a inspiração que dele advém, ao tocar e criar trechos musicais associados ao meio envolvente. Adorei o resultado, e a forma como a música progride de forma diferente neste enquadramento.
De acordo com o press release do álbum, Terra Concreta foi feito sem geradores, só com instrumentos acústicos e com a textura irrepetível dos sons naturais como mote. O registo em disco representa cerca de um ano de incursões no campo, resultando na selecção de temas que melhor representa o momento espontâneo e consequente do meio-envolvente. Logisticamente como foi gravar um disco assim? Como se consegue levar um estúdio “lá para fora”?
Há já muitos anos que se fazem documentários de vida selvagem, como aqueles que vemos na televisão, onde parece que tudo acontece de forma fácil e coordenada, e o meio natural se revela exposto e solícito. Na verdade, esta ilusão de fluxo resulta de horas e horas, meses e meses de tentativas e erros… No contexto do "Terra Concreta", usei um gravador de alta fidelidade daqueles que registam sons nesses documentários mais celebrados, e gravei um ano de incursões musicais nas zonas mais remotas das nossas reservas naturais, das quais escolhi apenas o material que representa absolutamente a melhor combinação entre o meio-envolvente e a prestação musical.
Pessoalmente, penso que Terra Concreta tem tudo o que é necessário para, finalmente, o Afonso Pais ter o reconhecimento público que merece. Quais são, antes de mais, as tuas expetativas para este teu novo fôlego no teu projeto a solo?
Não sinto que haja uma falta de reconhecimento, mas sim barreiras e obstáculos inventados por uma indústria musical permeável ao consensual e dependente das vendas quase imediatas, bastante alheada do propósito cultural que todos partilhamos; sem mesmo atender ao facto de que os movimentos culturais são cada vez mais gerados à sua margem (indústria e "mainstream" artístico), mas sim dinamizados por pequenas comunidades artísticas de tendências convergentes. Se algum projecto meu no qual acredito, como é o caso de "Terra Concreta", for exposto aos ouvintes, conto que a entrega e adesão se baseie só na simples premissa: gosto ou não gosto.
Ouvir Terra Concreta foi, para mim, um exercício muito agradável e reconfortante que tenho intenção de repetir imensas vezes, confesso. Intrigante, melancólico, é realmente um documento que não tem apenas as cordas como protagonistas maiores do processo melódico e a própria natureza e o chilrear constante das aves são, realmente, parte integrante e de pleno direito das emoções que os diversos temas transmitem. Esta supremacia do natural corresponde ao que pretendeste transmitir sonoramente neste projeto?
A supremacia do natural a que se refere é também a supremacia do manancial humano de inspiração, no sentido de levar a cabo as suas tarefas de auto-superação, que nos trouxeram enquanto espécie à descoberta das leis da física, do lazer, da genética, e da confiança na infinitude da criatividade que caracteriza Hermeto Pascoal, Salvador Dali ou Fernando Pessoa, nas artes. Só espero não estagnar na minha procura, audácia à parte, no sentido de viabilizar tudo o que justifique uma procura por um elo inabalável com algo que nos sustenta: a natureza tem esse papel para mim, dia após dia, apenas lhe prestei a homenagem que esteve ao meu alcance, com a noção de que a qualidade supera o desejo de concretização.
Não só no conceito que pretendeu, pelos vistos, captar sons no momento e, por isso irrepetíveis, mas também na materialização, onde não faltam instantes sonoros naturais subtis, alguns audíveis de forma quase impercetível, outros parecendo deliberadamente sobrepostos de forma aparentemente anárquica, percebe-se que a sonoridade geral de Terra Concreta exala uma sensação, quanto a mim, vincadamente experimental. Houve, desde o início do processo de gravação, uma rigidez no que concerne às opções que estavam definidas, nomeadamente o tipo de sons a captar e a misturar com as cordas e as vozes, ou durante o processo houve abertura para modelar ideias à medida que o barro se foi moldando?
Um pouco dos dois. Por cada faixa escolhida para o disco houve talvez dez faixas gravadas, em média. Desejei que a qualidade final de execução, interpretação e improviso (quando aplicável) não fossem vitimas de uma escolha que pudesse por em causa o propósito do disco: fundir e homogeneizar a música e o meio natural. E assim aconteceu, houve para cada canção pelo menos um "take" que tornou possível a inclusão da canção correspondente no disco.
Relativamente às vozes, Terra Concreta conta com as participações especiais de Albert Sanz, Luísa Sobral, Beatriz Nunes, Joana Espadinha, Rita Martins e João Firmino. Foram escolhas pessoais tuas desde o início e as primeiras, ou após teres a parte instrumental dos temas pronta, estudaste as melhores opções?
Houve um processo de selecção a três variáveis, no qual decidi combinando as três:
1 - O local adequado para a gravação.
2- A pessoa que quis convidar para esse lugar
3 - A canção que compus pensando na pessoa que quis convidar cantando no lugar designado.
Além de ter apreciado a riqueza sonora natural, gostei particularmente do cenário melódico das canções, que achei particularmente bonito. Em que te inspiras para criar as melodias?
No efeito que algum lugar verdadeiramente natural exerce em nós e na nossa condição humana enquanto seres singulares, e no desejo de que a originalidade seja um desígnio a nós predestinado, consequente da nossa proveniência natural, e passível de ser descoberto e potenciado pela nossa curiosidade. A profundidade com que nos relacionamos com as nossas origens não tem fundo.
Adoro a canção Desaire. O Afonso tem um tema preferido em Terra Concreta?
Obrigado. Tenho de dizer que a sucessão de temas e sons naturais presente na colecção de temas do disco perfaz a estória. Quis porém que cada pessoa ou potencial ouvinte pudesse entrar no universo de cada canção, de forma a nomear a sua favorita. Como foram gravadas em espaços diferentes, com instrumentações distintas e sons naturais tão distintos, coube a cada composição o seu lugar na minha estima, mas só a sua sucessão conta a viagem que pretendo apresentar.
Em relação ao futuro, após Terra Concreta, já está definido o próximo passo na tua carreira?
Gravei já outro repertório, de volta aos estúdios, mas quero dizer que "Terra Concreta" é um trabalho discográfico que não se esgota nas canções que o conduzem nem se revê na venda desenfreada de actuações e CD´s. "Terra Concreta" é um cartão de visita, uma forma de expor a música e criatividade a novas premissas, um registo "on-going", que vou querer continuar sob a forma de novas intervenções na natureza que disponibilizarei on-line ao longo de futuros trabalhos discográficos e do meu percurso, dos quais este CD é um primeiro marco e representação física de viabilidade e bom presságio.
Agradeço a entrevista, foi sem dúvida a mais desafiante de todas, e por isso agradeço.
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Rita Braga - Gringo In São Paulo EP
Depois de no delicioso disco de estreia, intitulado Cherries That went to The Police Rita Braga ter reinterpretado temas oriundos de vários países e em várias línguas, esta portuguesa, filha do mundo, voltou ao estúdio para compôr cinco temas originais e inéditos que idealizou no período em que morou no Brasil em 2013 e aos quais deu o nome de Gringo In São Paulo, um simpático EP gravado na Casa do Mancha, um estúdio de gravação e local de concertos conhecido no cenário musical alternativo e independente da maior cidade da América Latina.
Neste EP Rita Braga manuseia com enorme mestria o ukelele, o seu fiel parceiro e instrumento de eleição, mas também os teclados e uma magnífica voz. O registo conta com a participação de vários músicos de São Paulo, nomeadamente Mancha Leonel (bateria), Bernard Simon Barbosa (guitarra eléctrica e baixo), Pedro Falcão (cuíca e pandeiro), José Vieira (piano), Peri Pane (violoncelo) e Matheus Zingano (guitarra acústica). Chris Carlone, um músico norte americano com quem Rita tem vindo a colaborar desde 2008 também surge nos créditos deste Gringo In São Paulo, misturado e masterizado já do lado de cá do atlântico, em plena invicta, com a ajuda de Marc Behrens, tendo a capa da edição em vinil sido concebida também por Marc Behrens e a própria Rita Braga, uma edição física de sete polegadas que conta com os temas Gringo in São Paulo e Erosão, acompanhado de um download card com os cinco temas que integram o EP.
Apesar da importância do instrumento musical ukelele na vida e na carreira de Rita Braga, que já conta no seu curriculum com digressões extensas nos Balcãs e atuações na Itália, Polónia, Bélgica e Suécia, além de gravações com músicos espanhóis e portugueses e agora brasilseiros e influências declaradas de nomes tão fundamentais como Tom Zé, Carmen Miranda, Bob Dylan, Sílvio Caldas ou Black Sabbath, a música de Rita Braga é como um caleidoscópio de músicas do mundo, onde, no caso concreto deste EP, aquela insinuante habitual pitada tropicália, funciona como uma espécie de cereja no topo do bolo e ajuda a plasmar uma incrível sensação de ligação entre as canções, mesmo que uma audição isolada do alinhamento pareça mostrar mais pontos de desencontro do que convergentes entre as várias composições.
Na verdade, ao longo do alinhamento de Gringo In São Paulo assiste-se a uma espécie de narrativa leve e sem clímax, com uma dinâmica bem definida e muito agradável e escutar estes vinte minutros é um exercício muito divertido e reconfortante, com um certo teor melancólico, é certo, onde aquela saudade tão portugesa transpira amiúde, mas, simultaneamente, um exercício otimista e alegre, num trabalho cujo conteúdo geral reside nesta feliz ambivalência.
Em pólos apenas aparentemente opostos parecem também situar-se a exuberância da riqueza instrumental e do arsenal material que sustenta as canções (Helicóptero será a excepção desta constatação) e a subtileza com que os diferentes protagonistas sonoros surgem nas músicas. Refiro-me, por exemplo, a alguns dos instrumentos de percussão, muitos num registo quase impercetível, nomeadamente a cuíca no tema homónimo, outros parecendo deliberadamente condutores e líderes das melodias, conferindo à sonoridade geral de Gringo In São Paulo uma sensação, quanto a mim, bastante experimental, apesar do forte cariz radiofónico e pop da música de Rita Braga.
O cenário melódico que transborda das canções, acaba por possuir uma simplicidade particularmente bonita, apesar da tal exuberância instrumental, com a doçura e a inocência que transpira de Helicóptero a ser, quanto a mim, o momento mais elegante e significativo de uma autora versátil, num EP que presenteia-nos com um amplo panorama de descobertas sonoras que faz com que se defina como uma espécie de exercício criativo nostálgico, mas sem descurar o efeito da novidade.
O registo vocal de Rita Braga é, sem dúvida, um dos seus maiores trunfos e a sua elasticidade fantástica. Além de cantar no EP em três línguas (ingrês, português de Lisboa e português de São Paulo), também leva o desempenho vocal a diferentes patamares, onde não falta até uma espécie de registo imitativo no tema homónimo, por sinal cantado em inglês, ou melhor, ingrês (gringo). Parece-me claro que a autora procura comportar-se como uma atriz quando canta as suas canções, e a mesma confirma-o na entrevista que me concedeu e que podes conferir abaixo, encarnando, com a voz, as diferentes personagens que cria, funcionando como recurso estilístico dos diferentes estados de espírito de uma mesma personagem, à medida que vão sendo relatadas diferentes histórias em que ele é protagonista, neste caso a gringa que deambula por São Paulo, havendo, assim, uma explícita vertente dramática na tua música.
Gringo In são Paulo representa uma explosão de criatividade que nunca se descontrola nem perde o rumo, numa receita pouco clara e nada óbvia, mas com um resultado incrível e único, que deve ser apreciado enquanto nos rodeamos dos melhores prazeres que esta vida tem para oferecer e conferimos um universo cheio de cores e sons que nos causam espanto, devido à impressionante quantidade de detalhes que Rita coloca a cirandar quase livremente por trás de cada uma destas canções. Aqui tudo se ouve como se estivessemos a fazer um grande passeio por diferentes épocas, estilos e preferências musicais, em temas que dão as mãos a um emaranhado de referências que têm como elemento agregador a busca de um clima sonoro com um elevado cariz acolhedor, animado e otimista, provando que a canção portuguesa encontrou em Rita Braga mais uma compositora e letrista notável e sofisticada. Espero que aprecies a sugestão...
Antes de abordarmos especificamente o conteúdo de Gringo In são Paulo, há uma pergunta que não resisto formular. Apesar da importância do instrumento musical ukelele na tua vida e na tua carreira, com digressões extensas nos Balcãs e atuações na Itália, Polónia, Bélgica e Suécia, gravações com músicos espanhóis e portugueses e agora brasileiros e influências declaradas de nomes tão fundamentais como Tom Zé, Carmen Miranda, Bob Dylan, Sílvio Caldas ou Black Sabbath, pode-se caraterizar a música de Rita Braga como um caleidoscópio de músicas do mundo?
É possível... É óbvio que tenho pegado em muitas culturas diferentes, tanto falando em géneros e referências musicais como em países (o meu primeiro álbum, “Cherries That Went To The Police”, consiste em versões de canções de várias origens cantadas nas respectivas línguas e o meu projeto a solo tem-se baseado um pouco nessa ideia). No entanto tento mudar as coisas do seu contexto original: toco alguns temas folk mas não da forma tradicional, ou jazz, ou samba, etc. É um bocado o fenómeno de aculturação, ou mesmo “choque cultural”: conhecer as regras do jogo e depois mudá-las e adaptá-las. Este novo disco tem muita influência do Brasil porque foi lá que o fiz e desta vez são composições minhas, no entanto não tentei reproduzir um certo estilo de música brasileira, usei as referências de modo mais subjetivo e pessoal.
Quem é este gringo e o que foi ele fazer a São Paulo? Gringo In São Paulo é um EP conceptual?
É. Na verdade o gringo é uma gringa, é a minha história no Brasil. Com vários momentos. Todas as músicas foram escritas e gravadas durante a minha estadia de poucos meses lá. Tinha essa “missão” que me pus de produzir um disco em São Paulo, com músicos da cidade, e este disco é o resultado.
Ouvir Gringo In São Paulo foi, para mim, um exercício muito agradável e reconfortante que tenho intenção de repetir imensas vezes, confesso. Com um certo teor melancólico mas, simultaneamente, otimista e alegre, o conteúdo geral do trabalho reside nesta feliz ambivalência. As minhas sensações correspondem ao que pretendeste transmitir sonoramente?
Acho que faz sentido. Essa mistura de simultaneamente otimista e alegre com uma dose de melancolia tem muito a ver com o Brasil, e identifico-me com essa maneira de ser, de ter as emoções mais à flor da pele, apesar de não ter sido intencional passar essas sensações para quem escuta o disco.
Confesso que o que mais me agradou na audição do EP foi uma certa bipolaridade entre a riqueza instrumental e a subtileza com que os diferentes protagonistas sonoros surgiam nas músicas. Falo, por exemplo, de alguns dos instrumentos de percussão, muitos num registo quase impercetível, nomeadamente a cuíca no tema homónimo, outros parecendo deliberadamente condutores e líderes das melodias, conferindo à sonoridade geral de Gringo In São Paulo uma sensação, quanto a mim, bastante experimental, apesar do forte cariz radiofónico e pop da tua música. Consideras-te uma compositora rígida, no que concerne às opções que defines para a tua música ou, durante o processo criativo, estás aberta a ires modelando as tuas ideias à medida que o barro se vai moldando, nomeadamente quando as mesmas surgem da parte dos músicos convidados?
A base que compus para as músicas teve uma estrutura fixa (que revi até com o Mancha antes de ir a estúdio, número de estrofes e duração do solo, etc), e direcionei os músicos no sentido dos arranjos mas sempre com espaço em aberto, não lhes disse as notas exatas que tinham que tocar, mas um certo tipo de “feeling”. Por isso as ideias que considerei que faziam sentido foram sempre bem vindas e incluídas. Na fase de mistura e masterização em que trabalhei com o produtor alemão Marc Behrens mudámos ainda pequenas coisas, por exemplo no single recortámos sons da cuíca para imitar buzinas dos carros. Também concordo que tenho um lado experimental, apesar de a sonoridade ser pop e penso que acessível.
Além de ter apreciado a riqueza instrumental, gostei particularmente do cenário melódico das canções, que achei particularmente bonito. Em que te inspiras para criar as melodias?
Na maioria das canções que escrevo a melodia é a primeira coisa a surgir e depois trabalho o acompanhamento e as letras, apesar de outras vezes começar por compor com um teclado ou menos frequentemente com o ukulele. A voz é o meu instrumento principal. Acho que o facto de ouvir muita música de vários estilos e de já ter feito tantas versões faz com que tenha um arquivo de memória musical como uma espécie de base de dados que ajuda a criar. Inspiro-me em situações, sítios e pessoas que me rodeiam, tal como me disse um escritor, “the stories are already there”, e cada canção pode ser como uma história ou um poema.
O teu registo vocal é um dos teus maiores trunfos e a tua elasticidade fantástica. Além de cantares no EP em três línguas (inglês, português de Lisboa e português de São Paulo), também levas a tua voz a diferentes patamares, onde não falta até uma espécie de registo imitativo no tema homónimo, por sinal cantado em inglês. Procuras comportar-te como uma atriz quando cantas as tuas canções, encarnando, com a voz, as diferentes personagens que crias, ou a voz serve funciona como recurso estilístico dos diferentes estados de espírito de uma mesma personagem, à medida que vão sendo relatadas diferentes histórias em que ele é protagonista, neste caso o gringo que deambula por São Paulo? Em suma, há uma explícita vertente dramática na tua música?
Sim, há. Para mim funciona como várias personagens, às vezes duas na mesma canção, mas também pode ser o caso de ser a mesma personagem em diferente estado de espírito, deixo isso em aberto. No single invoquei o sotaque inglês da Carmen Miranda e no final o Bob Dylan, ou seja às vezes até podem surgir personagens masculinos. Tal como o Fernando Pessoa e a sua Maria José. Em “Poetas do Fim do Mar”, o sotaque brasileiro que tentei reproduzir é a dos cantores da rádio dos anos 30, que se aproxima mais do nosso português, e com um “R” muito exagerado.
Adoro a doçura e a inocência que transpira de Helicóptero. A Rita tem um tema preferido em Gringo In São Paulo?
Penso que não tenho um tema preferido... nos últimos dias a “Erosão” tem estado mais presente porque terminámos o clipe há pouco tempo, foi a primeira vez que filmei aqui na zona do Porto e gostei de trabalhar com o Ricardo Leite e o Pedro Neves. Mas fora isso poderia falar de outros temas do disco.
O tema homónimo teve direito a um excelente vídeo de animação idealizado pelo artista sérvio Vuk Palibrk. Como surgiu a oportunidade de trabalhar com um nome tão interessante e o conceito é da tua autoria, foi um trabalho partilhado ou o autor teve carta branca para idealizar o conteúdo?
Conheci o Vuk Palibrk e o seu trabalho gráfico na primeira viagem à Sérvia, quando fui convidada do Festival Internacional de Banda Desenhada GRRR! em 2006, com uma exposição de desenhos e concerto. Para este clipe, sabendo que a animação feita à mão é um trabalho monstruoso que pode levar anos a produzir poucos minutos, pedi para ele usar pedaços de filmes dele, e juntar alguns elementos alusivos à letra da música (prédios, multidão, carros, etc).
O que podemos esperar do futuro discográfico da Rita Braga?
Estou a preparar demos para um futuro álbum a solo que terá por base mais teclados, sintetizadores e caixas de ritmos. Também quero a certa altura gravar um disco de “Chips and Salsa”, o meu dueto com o Chris Carlone. Um mais eletrónico, o outro acústico. Ambos de temas autorais, não excluindo uma ou outra versão.
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Cave Story - Spider Tracks EP
Pedro Zina (baixo), Ricardo Mendes (bateria) e Gonçalo Formiga (guitarra e voz) são os Cave Story, uma banda nascida nas Caldas da Rainha em 2013 e que deu o pontapé de saída numa carreira que se adivinha promissora com um conjunto de demos que chamou a atenção de vários promotores e festivais nacionais e internacionais como a FatCat Records e o Reverence Valada.
Spider Tracks é o primeiro EP dos Cave Story, seis canções gravadas durante um ano e que ganham vida quando são descritas dentro dos abrangentes limites definidos por um post punk pop experimental que tipifica o som de um trio que admite estar sempre aberto e pronto para novas sonoridades, mas que confessa sentir-se mais confortável a explorar os recantos mais obscuros de uma relação que se deseja que não seja sempre pacífica entre a mágica tríade instrumental que compôe o arsenal de grande parte dos projetos inseridos nesta miríade sonora.
Gravado durante cerca de um ano, como já referi, num recanto desconhecido, cuja localização a própria banda não quis revelar na entrevista que me concedeu e que podes conferir adiante e onde não faltavam sons da natureza que a banda não se importou de captar (é possível escutar o som de um cão ladrar aos dezassete segundos do EP), Spider Tracks contém canções que muitas vezes crescem em emoção, arrojo e amplitude sonora, sempre de forma progressiva e sem evitar o salutar arrojo de quem olha para a partitura como um tubo de ensaio para a mistura apaixonada de tudo aquilo que é musicalmente viciante e significativo.
O que aqui temos são, no fundo, cerca de vinte minutos onde se pode apreciar um rugoso rigor volumoso de versos sofridos e sons acinzentados e belíssimos arranjos, assentes num baixo vibrante adornado por uma guitarra jovial e pulsante e com alguns efeitos e detalhes que nos arrastam sem dó nem piedade para o ambiente que quisermos, ora sombrio e nostálgico, ora aquele onde cabem os jeans coçados escondidos no guarda fatos, as t-shirts coloridas e um congelador a bombar com cerveja e a churrasqueira a arder porque é hora de festa.
Conferindo um efeito saboroso e inebriante, que pode ser potenciado por repetidas audições que permitem que determinados detalhes e arranjos se tornem cada vez mais nítidos e possam, assim, ser plenamente apreciados, Cave Story é um EP com uma insana cartilha sonora que busca um equilíbrio lisérgico entre momentos frenéticos e contemplativos e que confirma estarmos na presença de mais uma lebre de uma nova geração de bandas nacionais que redescobriu, à chegada do novo século, o velho fulgor anguloso e elétrico do rock’n’roll.
Hoje, dia catorze de Fevereiro, os Cave Story apresentam este EP ao vivo, pelas 23h00m, no Sabotage Club, em Lisboa. Espero que aprecies a sugestão...
Com uma carreira ainda no início, mas que já chamou a atenção de vários promotores importantes, começo com uma questão cliché… quais são, antes de mais, as vossas expetativas para esta estreia?
Queremos tocar por aí e ficamos muito contentes se alguém vier falar connosco dizer que gostou e falar sobre o EP. Idealmente a conversa segue para mais música, com sorte vamos para casa ouvir uma cena nova que não conhecíamos.
Começaram com um single chamado Richman, um tributo apaixonado a Jonathan Richman e com uma versão do tema Helicopter Spies dos Swell Maps. Algum motivo especial para este arranque? São artistas e bandas que admiram? Como foi saber que o próprio Jowe Head adorou a vossa versão?
No final de 2013 editamos uma demo com três faixas, foi esse o começo. “Richman” que lançamos já em 2014 foi um single muito especial para nós, uma maneira literal de colocar na mesa as nossas intenções. A versão da Helicopter Spies serviu o mesmo propósito além de trazer uma grande malha para o nosso arsenal nos concertos. Desde o ínicio que sabemos o que pode ser o nosso som e aquilo que podemos trazer, mas o ponto de partida serão sempre as nossas influências, e fazemos questão de ser abertos nesse sentido. Dito isto é claro que achámos muita piada ao comentário do Jowe Head, os Swell Maps são uma referência.
Falando agora de Spider Tracks… Gravado numa pequena casa no campo, num ambiente supostamente bastante bucólico e certamente isolado, algures na zona oeste, presumo eu, com as muralhas de Óbidos, ou as praias entre São Martinho do Porto e Lourinhã, ou então os pomares do Bombarral, em pano de fundo, o EP tem seis canções ambiciosas, impecavelmente produzidas e com um brilho raro e inédito no panorama nacional. Se tivessem gravado noutro local, mais agitado, o conteúdo poderia ter sido diferente?
Sem dúvida, mas não só a gravação em particular, todo processo desde os primeiros acordes foi feito no mesmo sítio. Isolado, mas sem isolamento acústico irónicamente. Na capa há uma nota que diz que se ouve ‘ladrar aos dezassete segundos’ e é verdade. Qualquer ruído no jardim poderia ter feito parte do EP se o ganho dos microfones permitisse. Um disco, espera-se ter sempre uma parte mais ou menos marcada do seu próprio tempo e espaço, para nós, o Spider Tracks é aquilo que construimos ao longo do ano passado, numa altura pós-estudos/génese de novas responsabilidades que decidimos passar juntos, a tocar neste tal sítio no campo tanto tempo quanto possível… Guess we could feel better about worse.
Confesso que o que mais me agradou na audição do EP foi uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles surgiam nas músicas, muitos de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral de Spider Tracks uma clara sensação de riqueza e bom gosto. Em termos de ambiente sonoro, o que idealizaram para o álbum inicialmente correspondeu ao resultado final ou houve alterações de fundo ao longo do processo?
O que idealizámos foi mutando ao longo das gravações e misturas. A começar pela escolha das faixas que queriamos incluir e das que acabámos por excluir. Durante as gravações fazemos questão de deixar espaço para que aconteçam coisas, não queremos ter total controlo sobre a gravação, não queremos saber nota a nota as nossas partes. É a diferença entre tirar uma fotografia num ambiente totalmente controlado ou onde há perigo de algo realmente interessante ou desastroso acontecer. Até agora tem funcionado, há sempre um take que tem qualquer coisa peculiar, irrepetível, que nos faz perceber logo “é este”. Os “arranjos” quase imperceptíveis são uma parte importante, para nós é o que nos deixa não ficar tão cansados das nossas músicas. Algo que lá deixámos que cria uma textura com mais camadas.
Além de ter apreciado o modo como conjugam a guitarra, o baixo e a bateria, também impressionou-me o uso, por exemplo, do violino, em Cleaner e Buzzard Feed e a vossa capacidade criativa na seleção dos arranjos, que conferem ao cenário melódico das canções, uma atmosfera particularmente bonita. Em que se inspiram para criar as melodias? Acontece tudo naturalmente e de forma espontânea em jam sessions conjuntas, ou as melodias são criadas individualmente, ou quase nota a nota e depois existe um processo de agregação?
Acontece tudo naturalmente, acho que só o baixo costuma saber a música nota a nota. No caso dos violinos na Cleaner fizemos nove vozes diferentes que depois arranjamos na mistura. Seis vozes pensadas, três aleatórias, alguns bocados foram cortados outros repetidos, esticados invertidos, um processo que seria muito mais romântico se tivesse sido feito em fita.
Spider Tracks foi misturado pelo Gonçalo Formiga, um de vocês. Esta opção acabou por surgir com naturalidade ou já estava pensada desde o início e foi desde sempre uma imposição vossa? E porque a tomaram?
Como já demos a entender, para nós todo o processo desde composição até à mistura passando pela gravação é um difícil de separar. Não foi uma imposição mas foi uma escolha feita desde o início. Tomamos essa decisão porque a escrita de canções e a forma que tomam sónicamente são duas coisas que não nos interessa separar. Seremos sempre os nossos próprios produtores ou co-produtores, vindo a trabalhar com outras pessoas.
Adoro a canção Fantasy Football. Os Cave Sotry têm um tema preferido em Spider Tracks?
A Fantasy Football. Apesar de claro, termos uma relação próxima com todas.
Não sou um purista e acho que há imensos projetos nacionais que se valorizam imenso por se expressarem em inglês. Há alguma razão especial para cantarem em inglês e a opção será para se manter?
É o que faz mais sentido para nós. Podemos aventurar-nos a escrever algo em português mas para já não está nos nossos planos.
O que vos vai mover sempre será este post punk e esta pop experimental ou gostariam ainda de experimentar outras sonoridades? Em suma, o que podemos esperar do futuro discográfico dos Cave Story?
No futuro próximo devemos manter a linguagem, ainda há coisas para explorar. Quando sentirmos que esgotamos a nossa proposta, se sentirmos, logo se vê. Mas não acredito em mudar só porque sim, se chegámos até este post punk pop experimental, como dizes, foi porque faz sentido para nós, muito teria de mudar para Cave Story virar reggae.
No próximo dia catorze vão apresentar o EP ao vivo, no Sabotage Club, em Lisboa. Alguma surpresa preparada? Ter calhado no dia de são Valentim foi apenas uma coincidência? Será Spider Tracks uma excelente banda sonora para casais apaixonados?
Foi uma coincidência, mas agora não há hipótese vão ter de levar connosco. Vamos ser acompanhados pelos Ghost Hunt, o seu primeiro concerto, o sr Eduardo Morais nos discos e Helena Fagundes nos visuais, só pode correr bem!
Há cerca de dez anos passei um fim-de-semana nas Caldas da Rainha, hospedado numa residencial no centro de uma rua movimentada, em frente ao parque da cidade. Aí havia um pequeno edifício, uma espécie de café / quiosque e, no fim-de-semana, havia aí bandas a ensaiar. Esse espaço ainda funciona? Como está o cenário musical alternativo das Caldas da Rainha neste momento? Que bandas me aconselham?
Não sei se funciona, e mesmo que funcione não sei se será o mesmo. Há vários sítios para ensaiar e várias bandas, o panorama infelizmente não é maior porque há pouca gente interessada apesar da oferta ser considerável. LEAF e Challenge, bandas em que o Ricardo nosso baterista também toca. Depois há os Füzz e os Lupiter. Ainda há uma editora inteira com o nome do bairro onde moro, AVNL Records, apesar de nunca os ter visto. Para os conhecer foi preciso ler um artigo sobre eles numa publicação internacional, curioso.
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A Jigsaw - No True Magic
Os A Jigsaw de João Rui e Jorri andam por cá há mais de uma década e gostam de nos deixar no limbo entre o sonho feito com a interiorização da cor e da alegria sincera das suas canções e esta realidade às vezes tão crua que eles também sabem tão bem descrever, enquanto embalam os nossos ouvidos com simples acordes, várias vezes dispostos em várias camadas sonoras, com uma naturalidade que impressiona os mais incautos, à semelhança da naturalidade com que a nossa realidade encaixa na melodia das canções.
No True Magic é a mais recente obra prima dos A Jigsaw, um disco particular, que deve também ser admirado tendo em conta a parte lírica; todas escritas em inglês, as canções são pequenas narrativas, algumas delas algo inusitadas e com uma lógica que aparentemente procura suscitar o aparente e o impossível.
No True Magic aborda a questão da mortalidade e a imortalidade como o milagre maior e a diferença entre magia e ilusão, como se a explicação de um truque quebrasse de algum modo o encanto que aquilo que não podemos explicar racionalmente geralmente nos provoca. Pareceu-me então que No True Magic é uma tentativa de desmontar a morte e torná-la mais acessível e menos mística e que a beleza das texturas sonoras que o trabalho contém provocam a sensação que existe um certo encanto na morte, na ideia de mortalidade e que é esse imponderável da vida que nos leva a querermos viver sempre intensamente.
De acordo com o press release do lançamento, em 1817, o poeta e filósofo Samuel Taylor Coleridge cunhou o termo “willing suspension of disbelief” que na abordagem da literatura permitiria ao leitor a suspensão do julgamento da implausibilidade de uma determinada narrativa. Com este álbum, os a jigsaw aceitam que a religião é, frequentemente, o melhor refúgio e abrigo que encontramos para ficarmos face a face com a receita mais indicada para o convivio com essa certeza, ao memso tempo que nos dão pistas sobre como aceitarmos os termos da nossa mortalidade.
Em No True Magic, os A Jigsaw souberam, mais uma vez, convocar um excelente elenco de músicos e formar uma verdadeira orquestra folk que se aperaltou com a melhor farpela e subiu ao cimo daquele estrado de madeira, com algumas ripas rachadas, mesmo ali ao lado de um balcão onde escorre o melhor néctar do Tenessee, condenado a descer por gargantas secas e protegidas com lenços empoeirados e marcados por uma vida de perigos e demandas. Alimentam e o aquecem o ambiente em redor apostando numa fusão de elementos da indie, da pop e da folk, que dão vida a melodias luminosas, feitas com cordas delicadas e arranjos particularmente deslumbrantes e cheios de luz, amiúde dominados também por instrumentos de sopro e por metais, que criam paisagens sonoras bastante peculiares.
Em onze composições sonoras carregadas de texturas, criadas através da justaposição de diferentes camadas de instrumentos e sons, podemos saborear uma conjugação com um elevado cariz contemporâneo e atual, apesar do forte revivalismo que a música dos A Jigsaw transporta sempre consigo. O resultado final é, como esta dupla já nos habituou, verdadeiramente vibrante e com uma energia bastante particular, numa banda que parece não querer olhar apenas para o universo tipicamente folk, mas também abraçar, através de alguns traços sonoros caraterísticos, as facetas mais soul e blues do próprio indie rock.
Se no tema homónimo ficamos imediatamente convencidos e conscientes do irrepreensível charme que nos espera e que seduz pela forma genuína e simples como os A Jigsaw lidam com os nossos medos e fantasmas, enquanto retratam eventos e relacionamentos de um quotidiano rotineiro, a folk adoçicada de Black Jewelled Moon, com uma irrepreensível articulação entre as vozes de João Rui e de Carla Torgerson, transborda uma luminosa e majestosa melancolia, num belíssimo tratado de folk acústica onde a simplicidade melódica coexiste com uma densidade sonora suave que deslumbra e corrói, mesmo os corações mais empenedridos.
Ao terceiro tema deixamos de ficar do lado de fora e são-nos finalmente abertas de par em par as portas do poeirento saloon, um antro de vício e luxúria, em plena aridez do deserto mojave, mas que poderia ser também a tasca da Dona Matilde, algures entre Serpa e o Redondo. Embalados pelo blues fumarento, arrastado e fortemente sensual de Without The Prize, pouco depois, em Midnight Rain, já estamos (in)comodamente instalados na primeira mesa que encontramos, onde, enquanto olhamos em redor, reavivamos toda a carambola de emoções que habitam no lado mais agreste do nosso coração (How is your love with the people down below?).
O disco prossegue e em Them Fine Bullets somos trespassados pela bala mais luzidia e certeira do tambor do cano, depois de termos sido convocados pelo para um duelo, mesmo ali, do lado de fora do estabelecimento comercial, onde confrontámos aquele nosso maior medo que todos guardamos cá dentro, o que nos abate e nos acolhe e que é, quase sempre, a incontornável e inevitável morte (But I have the need of nothing, so I'll take them fine bullets to my grave). Tides Of Winter é o momento dramático em que sentimos o último sopro libertário e somos conduzidos ao além numa marcha dramática que devolve ao pó o que é do pó, para assim podermos aceder finalmente, em Gates of Hell, ao instante do juízo final, onde decidimos se queremos realmente deixar que as agruras do amor e desta vida nos dominem, ou se queremos ser nós a tomar as rédeas do nosso próprio destino e viver uma vida plena (I'm counting the days of trust lost with fate, and since you've been praying outside the wrong gate, Let me tell you brother heaven is just a word. Oh you've been looming by the gates of hell).
Até ao ocaso, refeitos e com uma segunda oportunidade guardada secretamente na algibeira do colete coçado, junto ao relógio de corda que conta em sentido contrário o tempo que falta para encararmos novamente o nosso destino, Bring Them Roses é uma canção que cabe nessa algibeira e na de todos aqueles que já viveram amores desencontrados e não correspondidos, com o alinhamento a encerrar com Hardly My Prayer, canção que plasma a enorme capacidade que esta dupla possui para escrever canções que tocam fundo e que transmitem mensagens profundas e particularmente bonitas.
Há definitivamente algo de especial nestes A Jigsaw e na originalidade com que usam aspetos clássicos da folk para criar um som cheio de frescura e vitalidade, mas onde também há espaço para composições melancólicas, com um acabamento bucólico e onde sa sensualidade feminina e o lado mais rugoso e áspero da masculinidade, muitas vezes se fundem e se confundem, em canções desprovidas de género e carregadas de emoções e sentimentos.
No True Magic é, por tudo isto e muito mais, outro marco numa época de extraordinária e definitiva afirmação do cenário musical indie e alternativo português. Confere, já a seguir, a entrevista que a dupla me concedeu e espero que aprecies a sugestão...
Com uma carreira já cimentada de uma década, iniciada com o EP From Underskin e depois do sucesso alcançado em 2011 com Drunken Sailors & Happy Pirates, regressam aos lançamentos com No True Magic, onze canções ambiciosas, impecavelmente produzidas e com um brilho raro e inédito no panorama nacional. Começo com uma questão cliché… Quais são, antes de mais, as vossas expetativas para este novo trabalho?
Creio que a melhor expressão seria a expectativa da continuidade. Tanto da continuidade da aceitação das nossas canções por quem já conhece o nosso trabalho como também a continuidade no acto de levar as nossas canções a cada vez mais pessoas de cada vez que temos um álbum novo. Isto porque as nossas expectativas em relação ao álbum já foram atendidas assim que ele ficou finalizado.
Confesso que o que mais me agradou na audição do álbum foi uma certa bipolaridade entre a riqueza dos arranjos e a subtileza com que eles surgiam nas músicas, muitos de forma quase impercetível, conferindo à sonoridade geral de No True Magic uma clara sensação de riqueza e bom gosto. Em termos de ambiente sonoro, o que idealizaram para o álbum inicialmente correspondeu ao resultado final ou houve alterações de fundo ao longo do processo?
Há sempre coisas que se alteram entre a génese da criação das canções e depois o formato final que assumem nos álbuns. Faz tudo parte de um processo de refinamento da canção até que fiquemos satisfeito. Esses detalhes que vão surgindo são intencionais. Aliás como o é tudo neste álbum. Não existe nada nele sem uma forte razão para sustentar a sua inclusão no álbum. Um exemplo de uma canção que se transfigurou desde o momento da sua criação foi a tides of winter que inicialmente tinha sido pensada como uma peça com um arranjo simples e despido de instrumentações e acabou por se tornar a música que mais instrumentos tem neste álbum. Seriam necessários cerca de 50 músicos no mínimo para apresentar essa canção ao vivo tal como ela se encontra na gravação patente no álbum.
Além de ter apreciado a riqueza instrumental das cordas, dos sopros e da percussão, onde não faltam instrumentos como o violino, a harpa e uma trompa francesa e também a criatividade com que selecionaram os arranjos, também gostei particularmente do cenário melódico destas vossas novas canções, que achei particularmente bonito. Em que se inspiram para criar as melodias? Acontece tudo naturalmente e de forma espontânea em jam sessions conjuntas, ou as melodias são criadas individualmente, ou quase nota a nota e depois existe um processo de agregação?
O momento da criação pode ser um momento solitário. E com isto refiro-me à primeira centelha de uma melodia por exemplo. Mas só consideramos a música como aproximada de uma versão final do que será a partir do momento em que a experimentamos em conjunto e em que discutimos qual a ideia que cada um de nós os dois tem acerca do caminho a seguir com determinada música. Portanto acaba por ser um pouco a soma dos dois. Agora de onde vem a inspiração será porventura uma pergunta de difícil resposta pois não se sabe ao certo de onde advém essa magia. Mas algo que temos perfeita consciência é do trabalho imenso que nos aguarda se nos agrada aquela tal centelha. E é trabalho ansiado.
De acordo com vocês, True Magic aborda a questão da mortalidade e a imortalidade como o milagre maior e a diferença entre magia e ilusão, como se a explicação de um truque quebrasse de algum modo o encanto que aquilo que não podemos explicar racionalmente geralmente nos provoca. No True Magic é uma tentativa de desmontar a morte e torná-la mais acessível e menos mística? A beleza das vossas texturas sonoras quase que provoca a sensação que existe um certo encanto na morte, na ideia de mortalidade e que é esse imponderável da vida que nos leva a querermos viver sempre intensamente. Qual é, no fundo, a grande mensagem que querem transmitir neste disco?
A mensagem acaba por ser a consciencialização dessa mortalidade e dos artifícios de que nos munimos para fingir o seu esquecimento. Quanto ao que fazer com essa informação ou conhecimento a todos os instantes, isso será algo com o qual cada pessoa tem de lidar e para o qual este álbum não será ajuda. Ele é ajuda apenas no caminho até essa consciência.
Aproveitando a deixa... Como está neste momento a vossa relação com Deus? E com os dEUS belgas, de tom Barman, que inspiraram, através de uma das suas canções (Jigsaw You), o título do vosso projecto?
Seremos porventura ateus religiosos ou religiosamente ateus? Temos uma opinião e uma relação com esse Deus relativamente oposta. Contudo certo será que temos um bom punhado de perguntas para Lhe fazer. Quanto à relação com os dEUS já foi melhor. Isto em relação ao trabalho actual deles, já que em relação a álbuns como In a Bar Under The Sea, esses deixaram a sua marca de tal forma que a sua intemporalidade obriga a uma boa relação com esses.
No True Magic foi produzido pela própria banda. Esta opção acabou por surgir com naturalidade ou já estava pensada desde o início e foi desde sempre uma imposição vossa? E porque a tomaram?
Em boa verdade e exceptuando o nosso primeiro álbum Letters From The Boatman, devido à nossa inexperiência do trabalho de estúdio na altura, todos os nossos álbuns desde então foram sempre produzidos por nós pois a nossa visão acerca da estética musical é de tal forma certa em relação a como queremos que fique o álbum que não poderia ser de outra forma. A única diferença é que desta vez não há uma co-produção e assumimos a inteira responsabilidade desse "trabalho" nos créditos do álbum.
Adoro a canção Black Jewelled Moon. Os A Jigsaw têm um tema preferido em No True Magic?
Creio que o tema favorito de ambos é No True Magic. Não a música mas o álbum. Isto porque escrevemos e gravámos mais canções do que aquelas que estão no álbum. As 11 que chegaram ao álbum são as nossas favoritas. As outras ainda que partilhem da mesma devoção da nossa parte não encontraram lugar nesta primeira edição mas que irão certamente ver a luz do dia no futuro tal como já havia sido planeado.
Já agora, como surgiu a possibilidade de contar com a voz de Carla Torgerson neste tema?
Esta possibilidade foi criada por nós quando decidimos escrever esta canção para a Carla interpretar. Decidimos criar uma narrativa que envolvesse um papel feminino que teria que ser interpretado por ela e mais ninguém. Cada uma das palavras foi pensada para a sua voz. Isto é também fruto de uma paixão que nutríamos pela sua voz desde que a ouvimos no dueto Travelling Light dos Tindersticks há cerca de vinte anos no seu segundo álbum. Assim que terminámos a escrita da canção falámos com o Chris Eckman (vocalista dos Walkabouts) que nos deu o contacto da Carla e assim conseguimos falar com ela. Claro que à data em que decidimos escrever a canção para a Carla não sabíamos se ela iria aceitar ou sequer se alguma vez a iria ouvir. Foi um salto de fé que correu muito bem porque ela adorou a canção e de imediato acedeu a participar na mesma. E ainda que falemos da não existência de magia verdadeira. Quando recebemos as gravações da Carla que foram efectuadas em Seattle pelo Glenn Slater, foi um momento verdadeiramente mágico para nós.
Este disco conta com outras participações especiais de relevo, nomeadamente Susana Serra (violino), Gito Lima, Pedro Serra, Guilherme Pimenta, na bateria, Hugo Fernandes e Laurent Rossi, entre outros. São amigos com quem quiseram sempre trabalhar, ou profissionais que foram contactando devido ao seu valor artístico? Em suma, como foi possível congregar nomes tão ilustres à tua volta?
As participações nos nossos álbuns são sempre e em primeiro lugar fruto da admiração que nutrimos pela arte de quem decidimos convidar. E nisso já sabemos à partida que serão boas participações pois conhecemos o trabalho deles. Posto isto é natural que hajam casos que se diferenciam como o caso do convite da Susana Ribeiro que é tão devido à sua arte como envolve um lado emocional pelo facto de ter feito parte dos a a jigsaw ( e em boa verdade o seu coração está de tal forma entrelaçado no nosso que nunca deixará de fazer parte ainda que não presente). Nenhuma outra pessoa poderia ter escrito aquele violino nem nós o aceitaríamos. Temos também casos como o do Gito Lima que desde o nosso segundo álbum que tem gravado sempre o contrabaixo de um tema por álbum e que para além disso neste No True Magic é o responsável pelo design gráfico. O Pedro Serra faz parte agora da banda de suporte que criamos para levar este álbum para a estrada: a The Great Moonshiners Band, tal como o caso do Guilherme Pimenta que nós acompanha na estrada há cerca de três anos. Ou seja, volta aqui também a haver uma razão por detrás de tudo.
Não sou um purista e acho que há imensos projetos nacionais que se valorizam imenso por se expressarem em inglês. Há alguma razão especial para cantarem em inglês e a opção será para se manter?
A razão principal foi o facto de ter iniciado os meus estudos anglo-saxonicos desde tenra idade e o inglês se ter tornado assim uma segunda língua tão natural como o Português. Em ultima análise a culpa de cantarmos inglês é dos meus pais por me terem proporcionado essa educação. E sendo que é uma opção que já dura há 15 anos, no âmbito de a A Jigsaw seria impossível ser de outra forma. Faz parte da nossa identidade.
O que vos vai mover sempre será a folk, o blues e a pop experimental ou gostariam ainda de experimentar outras sonoridades? Em suma, o que podemos esperar do futuro discográfico dos A Jigsaw?
Saber o que nos vai mover daqui a 20 anos é um exercício no campo da futurologia experimental. Mas certamente que haverá sempre uma relação umbilical com o folk ou blues independentemente do comprimento desse cordão. Nas palavras do Willie Dixon "os blues são as raízes e tudo o resto são os frutos". Saber daqui a 20 anos quanto distamos das raízes é um exercício fútil. Mas mantendo-nos fiéis a essa máxima do Dixon, não estaremos muito longe. Temos ideias para projectos futuros nossos onde exploramos outro tipo de sonoridades mas que, e mais uma vez, são unidos por essa consciência de proximidade da raiz comum. Os blues.
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Vitorino Voador - O dia em que todos acreditaram
Depois do EP de estreia, Vitorioso Voo, O dia em que todos acreditaram é o primeiro disco de longa duração de Vitorino Voador, o projecto a solo de João Gil (membro dos Diabo na Cruz, You Can't Win Charlie Brown, entre outros projectos), um trabalho produzido e gravado pelo próprio João Gil e que conta com participações de diversos convidados, entre eles: David "Noiserv" Santos, António Vasconcelos Dias (Tape Junk, Hombres con Hambre) e José Joaquim de Castro. Já agora, em jeito de curiosidade, recordo que o nome Vitorino apareceu por acaso, devido ao erro num cartaz, mas acabou por ser o evento feliz que despoletou a escolha do alter ego. Quanto ao Voador, bastou uma fotografia dos Diabo Na Cruz em que João aparece a saltar para se dar o click.
Conheci o Vitorino Voador por causa de Vitorioso Voo e logo nesse instante percebi que o panorama musical português acabava de ganhar um novo projeto refrescante e um fazedor irrepreensível de emoções que se entranham, na altura um pouco em contra ciclo com o ambiente de crise e de angústia social instalado. Essa paisagem humana um pouco depressiva e angustiada que preenche as nossas cidades foi uma boa fonte de inspiração e esse EP de Vitorino Voador um veículo previligiado para afugentar medos e renovar com esperança e cor esta tal cor que mal nos ilumina.
Agora, dois anos depois, O dia em que todos acreditaram pode funcionar como uma espécie de catarse para todos aqueles que passaram mais ou menos incólumes pela tempestade e que vislumbram, finalmente, uma réstia de luz nas suas vidas prontas a uma renovação que se exige e que canções como Venha Ele ou O Caminho, por relatarem histórias carregadas de honestidade, intimidade e atualidade, enchem-nos a alma e, por isso, dão um forte contributo a este desiderato, diria-se que nacional, de alegrar quem se predispõe a conhecer este projeto e, através dele, ter consigo uma banda sonora da qual se pode apropriar e usar sempre que necessite de inspiração na busca de um novo rumo.
Disco com uma gestação atribulada já que o músico fraturou as duas mãos na mesma altura em momentos diferentes e quando teve a possibilidade de voltar a trabalhar a sério percebeu que tinha vontade de recomeçar de novo já que algum do material não fazia, algum tempo depois, igual sentido, O dia em que todos acreditaram está cheio de letras pessoais, que contam histórias na primeira pessoa de uma pessoa que também se apropria das histórias dos outros para as contar como se fossem suas, quando também são suas. Genuíno e eloquente no modo como dá vida a sentimentos, desejos e emoções de um ser humano que gosta de viver a vida ao máximo e que assume estar num período feliz da sua existência, este é um trabalho que quer fazer-nos felizes e que tem sempre, em cada uma das suas histórias, duas versões, a do Vitorino Voador e a do João Gil, com o músico a arranjar forma de uni-las às duas e isso continuar a fazer sentido na sua cabeça e depois, na de cada um de nós. O trabalho acaba por ser, apenas e só, uma grande música, já que, de acordo com aquilo que o João confessa na entrevista que me concedeu e que podes ler a seguir, a forma como as musicas se ligam entre si, os finais e os inícios de cada música pensados na música anterior e posterior, os fade ins e outs, a forma como os instrumentos se concentram por blocos ao longo do disco, a razão de ter cordas no início, a meio e no fim, tudo procurou essa razão.
Vitorino Voador não tem qualquer problema em confessar a sua timidez; É junto do piano, do teclado, do sintetizador e no palco que ela se desvanece, por culpa da música que cria e que lhe permite desabafar as suas experiências pessoais e alguns dos seus segredos. Essa é uma das grandes razões pela qual O dia em que todos acreditaram enche-nos a alma e nos faz acreditar que é possível ser-se verdadeiramente feliz apreciando uma espécie de pintura sonora carregada de imagens evocativas, pintadas com melodias acústicas bastante virtuosas e cheias de cor e arrumadas com arranjos meticulosos e lúcidos, que provam a sensibilidade do Vitorino Voador para expressar pura e metaforicamente a fragilidade humana. E não restam dúvidas que ele combina com uma perfeição raramente ouvida a música pop com sonoridades mais clássicas. Espero que aprecies a sugestão...
Já lá vão dois anos desde que te entrevistei pela primeira vez a propósito do excelente EP Vitorioso Voo. Na altura confessaste-me que o teu disco de estreia, este o dia em que todos acreditaram, estava praticamente pronto, mas só irá ver a luz do dia agora em janeiro de 2015. Porque é que teve de ser para nós, teus fãs, tão longa a espera?
Olá. É verdade, nessa altura já havia um disco praticamente pronto e eu desatei a gabar-me dele sempre que me lembrava disso, o problema é que pouco depois disso consegui fazer a maior proeza do mundo que foi partir as duas mãos em situações completamente diferentes, ambas bastante parvas… O que levou a um atraso gigante no disco e que me fez repensar num disco (quase) todo diferente. Quando voltei a poder trabalhar a sério, já não fazia sentido o que tinha e comecei a fazer um novo alinhamento, algumas musicas como o single ficaram mas outras tantas desapareceram e entraram novas musicas. Foi uma lição muito grande para mim, lição essa: não falar antes de tempo. Já agora, muito obrigado pelo “excelente” e por serem meus fãs, é muito bom saber que há realmente gente que gosta do que faço e que se preocupa, fazem-me querer fazer mais musica todos os dias!
Afirmas que Venha Ele é uma canção que compuseste há bastante tempo, ainda no período do EP de estreia e que, de certa forma, faz a ponte entre essa estreia e este teu primeiro longa duração. A escolha desse tema como single e primeiro avanço do álbum, deve-se a isso?
Sim, penso que sim. A música Venha Ele começou a entrar no meu alinhamento muito cedo, cheguei mesmo a não tocar o single do meu EP e a tocar sempre esta música, sempre me deu gozo. Não tendo entrado no EP, achei que fazia todo o sentido trazê-la comigo para o disco e assim foi. Sempre achei que era uma música orelhuda, que ficava no ouvido, por ser simples e bonita, isso fez com que a escolha para o single do disco fosse fácil. O segundo single não será tão fácil, mas posso estar enganado.
Nesta canção, David "Noiserv" Santos tem uma participação especial e relevante. Mas além dele também aparecem nos créditos de O dia em que todos acreditaram nomes tão importantes como António Vasconcelos Dias e José Joaquim de Castro. Meteste cunha para fazerem parte do disco apenas por serem teus amigos ou porque musicalmente correspondiam aquilo que pretendias para a sua sonoridade? Resumindo, a participação deles teve apenas em conta o teu trabalho prévio e as tuas ideias ou foi numa base democrática em que as sugestões deles também foram válidas e fizeram sentido para ti?
Eu adoro tocar com amigos, aliás, penso que só toco com amigos, sou um sortudo. Estes convidados são todos amigos próximos mas não foi só isso que me fez convidá-los. Cada um deles tem uma razão de ser muito grande para cada uma das músicas em que participou, quase como peças de um puzzle que encaixam naquelas musicas perfeitamente. Cada um teve carta-branca para fazer o que quisesse nas músicas em que participou, depois era só uma questão de discutirmos essas ideias até estarmos todos felizes.
Confessas também que O dia em que todos acreditaram é, entre muitas outras coisas, sobre promessas quebradas e outras cumpridas. Canções como Ser alguém, Sem Ninguém, ou Viver Bem Ou Morrer Mal falam muito, na minha opinião, de uma ideia de urgência em viver e de estar vivo e procurar, o mais possível, ser-se autêntico e não deixarmos que as rotinas nos absorvam. É correto imaginar que compuseste estas canções em redor de um desejo profundo pessoal e teu de veres todos aqueles que te rodeiam escutarem-nas de modo que elas façam com que, de algum modo, acordemos para a vida, a verdadeira e plena vida? O dia em que todos acreditaram é o dia em todos te escutaram e procuraram ser mais felizes por causa das tuas canções? Recordo que há dois anos me confessaste que irias surgir neste disco como um super-herói que já se afirmou e com o qual as pessoas podem contar...
Eu escrevo de uma forma muito pessoal, as histórias que conto são as minhas ou então aquelas que não são minhas mas que vivi quase como minhas. O que falei no início conta como uma dessas promessas quebradas, tanto falei e depois não cumpri, senti-me um mau político, mas ao mesmo tempo depois de uma luta grande consegui ver o disco cá fora e isso é uma promessa cumprida, faz-me feliz. Eu tenho uma necessidade grande de viver a vida ao máximo, se calhar todos temos, eu é que se calhar torno isso demasiado publico porque nem sempre a vivo dessa forma e falando sobre isso, sinto que estou novamente a encarrilar pelo caminho certo. Se eu fizer as pessoas mais felizes através da musica que faço, então atingi sem duvida um dos meus maiores objectivos de vida. Quando falámos sobre este disco, eu já tinha uma história na minha cabeça para essa personagem que é o Vitorino Voador, história essa que vai muito além deste disco. O que tento explicar às pessoas é que existem sempre duas versões da história na minha cabeça, a do Vitorino Voador e a minha como João Gil, o que tento fazer é arranjar forma de uni-las às duas e isso continuar a fazer sentido na minha cabeça, é um desafio, mas nada como um bom desafio.
Sentes-te bem junto do piano, das cordas e do sintetizador e, realmente, acho que o alinhamento demonstra-o já que, se nas primeiras canções há um predomínio do piano e do sintetizador na base melódica, a partir de Ser Alguém, Sem Ninguém parecem-me ser as cordas a tomar as rédeas das canções. A forma como o alinhamento do disco está estruturado procurou obedecer a esta ideia de sequencialidade, ou eu estou a ver as coisas de uma forma completamente errada e o espírito foi outro?
O alinhamento do disco foi mudando ao longo do tempo, aquilo que posso dizer é que o que ficou, cumpriu na perfeição aquilo que tinha sonhado antes de ter as musica, o sonho era ter um disco que soasse a uma grande musica (grande no sentido de ser longa) na minha cabeça, como muitos discos que adorei ao longo da minha vida, era um sonho que tinha e que quis também tentar fazer. A forma como as musicas se ligam entre si, os finais e os inícios de cada música pensados na música anterior e posterior, os fade ins e outs, a forma como os instrumentos se concentram por blocos ao longo do disco, a razão de ter cordas no início, a meio e no fim, tudo teve uma razão de ser e posso dizer com grande orgulho que consigo ouvir o disco do início ao fim e ter essa sensação, é apenas uma grande música.
Presumo que o João Gil que surge nos créditos como produtor do disco sejas tu. A que se deveu a opção de teres sido tu próprio a assumir essa responsabilidade? Era algo que querias muito fazer desde o início ou acabou por acontecer naturalmente?
O João Gil está cá sempre, mesmo quando não quero e só quero o Vitorino Voador, mas para o bem e para o mal está cá sempre. O que faço é uma coisa tão pessoal que acabo por fazer tantas funções diferentes, felizmente estive sempre rodeado de outras pessoas que pensam pelas suas próprias cabeças e que não tiveram medo de dizer o que pensavam, isso influenciou muito as decisões que fui tomando e o caminho que o disco seguiu. Por isso, foi um disco produzido por mim, mas não só por mim. Para responder à pergunta, foi uma coisa que aconteceu naturalmente, sendo também uma coisa que sempre gostei de fazer.
Como vai ser a promoção deste teu álbum? Onde poderemos ver e ouvir o Vitorino Voador num futuro próximo?
Segundo as minhas contas, as apresentações ao vivo devem começar em Fevereiro, gostava de dar tempo às pessoas para ouvirem o disco e perceberem se gostam ou não e depois poderem ir para os concertos conhecendo o novo trabalho e percebendo melhor o que vai acontecer em palco. As datas ainda estão a ser fechadas mas não tarda já devo ter essas informações todas online.
Fiz-te esta pergunta há dois anos e não resisto a repeti-la... O que podemos esperar do futuro do Vitorino Voador? Será paralelo ao do João Gil, como músico noutros projetos, ou a aventura do Vitorino Voador terminará aqui?
O Vitorino Voador veio para ficar, isto é só o início da aventura. Esta é uma daquelas promessas que não posso quebrar.
Para terminar, ainda escreves cartas de amor foleiras ou tentas escrever sempre qualquer coisa que saiba a uma canção saída de um anúncio de televisão?
Escrevo muitas cartas de amor, foleiras que é como eu gosto delas, quanto mais foleiras mais bonitas. Canções de anúncio de televisão também são bonitas por isso podem esperar mais umas quantas assim!