man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
The Smile – Wall Of Eyes
Cerca de ano e meio depois de A Light For Attracting Attention, o disco de estreia do projeto The Smile que reúne Thom Yorke e Jonny Greenwood, o chamado núcleo duro dos Radiohead, com Tom Skinner, baterista do Sons of Kemet, a banda está de regresso com um novo álbum intitulado Wall Of Eyes, um alinhamento de oito canções que viu a luz do dia recentemente, com a chancela da XL Recordings.
Já em junho do ano passado tinha ficado a pairar no ar a ideia de que os The Smile teriam na forja um novo disco, quando divulgaram o single Bending Hectic, uma canção que fez parte do alinhamento apresentado pelo trio em alguns dos seus concertos de verão e que, contando com a participação irrepreensível de alguns membros da London Contemporary Orchestra, oferecia-nos, em pouco mais de oito minutos, uma fina e vigorosa interseção entre o melhor dos dois mundos, o do orgânico e o do sintético, de modo exemplarmente burilado. Essa suspeita inicial acabou por se confirmar, materializando-se num disco que agrega nas suas oito composições um fabuloso conteúdo sonoro, lírico e conceptual.
De facto, Wall Of Eyes capitaliza todos os atributos intepretativos do trio que assina os seus créditos e que, partindo dessa base, soube rodear-se de outros músicos que, em momentos chave do álbum, como é o caso do clarinete e do saxofone de Robert Stillman em Read The Room e Friend Of A Friend, ou da flauta de Pete Warehan em Teleharmonic e também em Read The Room, só para citar dois exemplos, foram preponderantes para acentuar um charmoso e contemporâneo ecletismo que materializa uma fina e vigorosa interseção entre o melhor de dois mundos, o do orgânico e o do sintético, de modo exemplarmente burilado, tendo, na sua génese, o jazz como pedra de toque e uma mescla entre rock alternativo e eletrónica ambiental como traves mestras no adorno e na indução de cor e alma a um catálogo de canções de forte cariz intimista e que apenas revelam todos os seus segredos se a sua audição for dedicada.
Logo a abrir o registo, o tema homónimo oferece-nos um portento de acusticidade intimista, sem colocar em causa a personalidade eminentemente rugosa e jazzística do projeto. Cordas dedilhadas com vigor, exemplarmente acompanhadas por um baixo pulsante, sustentam a voz enleante e profundamente enigmática de Yorke, enquanto diversos efeitos se vão entalhando na melodia, ampliando o efeito cinematográfico da mesma. É uma canção repleta de nuances, pormenores, sobreposições e encadeamentos, num resultado final indisfarçadamente labiríntico e que, mesmo não parecendo, guarda em si também algo de grandioso, comovente e catárquico. Depois, Teleharmonic parece querer imobilizar-nos definitivamente porque afunda-nos numa angulosa espiral cósmica hipnotizante, mas o travo progressivo de Read The Room, que paira no regaço de um carrocel psicadélico de sintetizações e distorções e efeitos, logo nos recorda novamente que estas são, acima de tudo, canções feitas para atiçar, inflamar zonas de conforto e deixar definhar apatias e desconsolos.
O disco prossegue e se a robótica guitarra que introduz Under Our Pillows nunca desarma no modo como nos inquieta, enquanto conduz uma abrasiva composição que em pouco mais de seis minutos nos inebria com um punk jazz rock de elevadíssimo calibre, já em Friend Of A Friend, os diversos entalhes sintéticos e alguns sopros, assim como o registo vocal ecoante de Yorke, dão asas a um tema que inicialmente cresce em arrojo e acalma repentinamente para, logo depois, numa espécie de jogo sonoro do toca e foge, deixar-nos, uma vez mais, irremediavelmente presos à escuta.
Até ao ocaso de Wall Of Eyes, a melancolia comovente de I Quit, o bucolismo etéreo e introspetivo de Bending Hectic que, curiosamente, fica ainda mais vincado e realista quando aos seis minutos explode numa majestosa espiral de imediatismo e de rugosidade labiríntica e a longínqua cândura do piano que se insinua em You Know Me!, rematam, com notável nível de destreza, bom gosto e requinte, a essência de Wall Of Eyes, um disco que disserta com gula sobre cinismo, ironia, sarcasmo, têmpera, doçura, agrura, sonhos e esperança, enquanto se torna num portento de indie rock do mais contemporâneo, atual e sofisticado que é possível escutar nos dias de hoje.
De facto, Wall Of Eyes é um álbum excitante e obrigatório, não só para todos os seguidores dos Radiohead, mas também para quem procura ser feliz à sombra do melhor indie rock atual, independentemente do seu espetro ou proveniência estilística. O alinhamento do registo contém uma atmosfera densa e pastosa, mas libertadora e esotérica, materializando a feliz junção de três músicos que acabaram por agregar, no seu processo de criação, o modus operandi que mais os seduz neste momento e que, em simultâneo, melhor marcou a sua carreira, quer nos Radiohead, quer nos Sons Of Kemet. É um disco experimentalista naquilo que o experimentalismo tem por génese: a mistura de coisas existentes, para a descoberta de outras novas. Espero que aprecies a sugestão...