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Os Melhores Discos de 2023 (10 - 01)

Sábado, 30.12.23

Man On The Moon EP1 - YouTube

10 - The Polyphonic Spree - Salvage Enterprise

É sempre habitual nos seus álbuns, os The Polyphonic Spree oferecerem ao ouvinte verdadeiras orgias lisérgicas de sons e ruídos etéreos ou orquestrais e que os orientam muitas vezes, e a nós também, em simultâneo, para direções aparentemente opostas, geralmente da indie pop etérea e psicadélica, ao rock experimental. Salvage Entreprise, é um portento de indie rock progressivo e experimental. É um disco ambivalente porque se a maioria das suas composições assentam, melodicamente, numa desarmante simplicidade, já que têm sempre como base o dedilhar de uma viola acústica ou a vibração das teclas de um piano, atingem, depois, quase sempre, picos de epicidade indiscritíveis, que transmitem sempre, a quem escuta, uma torrente de emocionalidade e sentimentalismo, a que é difícil ficar alheio e indiferente.

9 - Tiny Skulls – Songs From Some Depressing Movie

Inquietantes, tocantes e retemperadoras, as treze composições de Songs From Some Depressing Movies estão abrigadas por alguns dos melhores pilares estilísticos e conceptuais que sustentam a nata do rock alternativo atual, um modus operandi que tem também na folk uma pedra basilar e que não descura piscares de olhos descarados a ambientes eminentemente clássicos, polidos e orquestralmente ricos e que pretendem puxar o ouvinte para um lado eminentemente reflexivo e sonhador. Songs From Some Depressing Movie brinca com o nosso eu mais nostálgico. As suas canções estão interligadas entre si, a contemplação deste disco vale pelo todo, porque este é, claramente, um daqueles registos que se definem como uma peça única que merece idêntica devoção, numa escuta feita de fio a pavio.

8 - Sparklehorse - Bird Machine

Bird Machine é uma extraordinária obra de arte sonora e, curiosamente, um dos discos mais intensos e luminosos da carreira de um projeto que sempre se abrigou num universo algo depressivo e fatalista. As suas canções gravitam em redor de dois grandes universos sonoros distintos. Algumas das canções do álbum são intensas e de forte cariz lo fi; São composições imediatistas, inebriantes e contundentes, feitas com guitarras encharcadas em eletrificação e com um registo vocal modificado, canções que vivem à sombra de um indie rock pujante, experimental, poeirento e ruidoso, pleno de rugosidade, ímpeto e vibração. Depois há outros temas que colocam as fichas num perfil mais melancólico e intimista, encarnando deliciosos tratados de indie rock folk genuíno, luminoso e sorridente. Seja qual for o perfil interpretativo das catorze canções de Bird Machine, a trama geral assenta em guitarras, ora acústicas, ora eletrificadas, amiúde adornadas por diversas sintetizações e detalhes percurssivos, que ganham uma amplitude superior em refrões imponentes, elementos bastante comuns no melhor catálogo indie dos anos noventa do seculo passado.

7 - Slowdive - Everything Is Alive

Everything Is Alive encarna uma sentida dedicatória à mãe de Goswell e ao pai de Scott, ambos falecidos em dois mil e vinte. Essa realidade justifica o tom algo negro e pesado do registo, nuances que são, neste caso, notáveis atributos, porque os Slowdive conseguem conferir ao alinhamento do disco o necessário tom pesaroso, sem colocar em causa uma sempre indispensável faceta melódica e uma elevada carga de beleza, comprovando que isso também é possível no meio da dor e do aparente caos. Uma simbiose quase impercetível entre o orgânico e o sintético parece ser o novo modus operandi preponderante deste projeto natural de Reading, cada vez mais atraído por abordagens sonoras que dêem primazia aos sintetizadores, na definição do arquétipo instrumental das suas composições. Everything Is Alive é, por isso, um passo em frente seguro dos Slowdive rumo a uma abordagem sonora um pouco inédita, tendo em conta o catálogo do quinteto, mas sem deixar de respeitar o seu adn, uma forma de estar que justifica o tom multifacetado de um trabalho que querendo exalar dor, consegue também oferecer-nos uma revitalizante dose de esperança e redenção, à boleia de oito canções que, entrelaçando tristeza e gratidão, emergem-nos num universo muito próprio e no qual só penetra verdadeiramente quem se predispuser a se deixar absorver por esta peculiar cartilha. É um paradigma artístico que se firma num falso minimalismo, já que da criteriosa seleção de efeitos da guitarra, à densidade do baixo, passando por uma ímpar subtileza percussiva e um exemplar cariz lo fi na produção, são diversos os elementos que costuram e solidificam um som muito homogéneo e subtil e, também por isso, bastante intenso e catalizador.

 

6 - Blur - The Ballad Of Darren

Disco inspirado em Darren Smoggy Evans, guarda costas dos Blur há vários anos e ajudante pessoal de Damon Albarn, The Ballad Of Darren funciona como uma espécie de tributo a essa personalidade sempre dedicada e leal, ao mesmo tempo que nos recorda que está bem longe do fim a carreira de um grupo ímpar e que está, de pleno direito, no lugar mais alto do pedestal da indústria musical britânica contemporânea. The Ballad Of Darren tem um pé no rock e outro na pop e com a mente a sempre a convergir muitas vezes para a soul, enquanto nos oferece uma sábia introspeção sobre o mundo moderno. Nele, os Blur não pouparam na materialização dos melhores atributos que guardam na sua bagagem sonora, encarnada por quatro músicos criativamente e intepretativamente inigualáveis, confirmando, mais uma vez, o forte cariz eclético e heterogéneo de uma banda que da britpop, ao experimentalismo ruidoso, passando pela eletrónica e pelo fascínio do lo-fi, ainda conseguem fazer-nos sentir aquela névoa húmida tipicamente britânica e pôr-nos a visualizar multidões em chapéu de coco a beber um chá ou um gin e a ter conversas humoradas com o típico sotaque que todos conhecemos, ao som da sua música.

5 - Beach Fossils – Bunny

Os Beach Fossils são exímios a oferecer-nos catálogos de indie rock alternativo, com leves pitadas de surf pop, eletrónica e garage rock, tudo embrulhado com um espírito vintage marcadamente oitocentista e que se escuta de um só trago, enquanto sacia o nosso desejo de ouvir algo descomplicado mas que deixe uma marca impressiva firme e de simples codificação. Bunny é mais um exercício tremendamente bem conseguido de construção de canções simples, mas bastante reflexivas, emotivas e até intensas. O seu alinhamento aprimora um receituário que tem sido bem sucedido, não só devido ao modo como os Beach Fossils manuseiam as guitarras e lhes induzem efeitos e distorções que apelam, quase sempre, a uma certa cosmicidade e luminosidade etéreas, mesmo quando replicadas com um forte espírito orgânico e imediato, sempre ampliado por exemplares arranjos de elevado pendor acústico, mas também porque a voz geralmente ecoante de Payseur é, sem sombra de dúvida, um veículo privilegiado para nos levar ao encontro de sensações como fragilidade e doçura, algo estranhas num indie rock que não coloca completamente de lado o lo fi, mas particularmentes impressivas e revigorantes quando concebidas por este projeto. Escutar Bunny é ter a possibilidade de colocar momentaneamente de lado problemas, dúvidas e inquietações, para mergulhar num universo otimista, positivo e revigorante, mesmo que a grande maioria das onze canções do álbum se debrucem sobre os dilemas existenciais em que vive a juventude americana atualmente, dores de amor mal curadas, memórias de tempos difíceis e o alastrar vigoroso de uma preocupante psicotropia em praticamente todo o país, potenciada pela falta de perspetivas risonhas quanto ao futuro, numa América cada vez mais confusa.

4 - Lichen Slow - Rest Lurks

Rest Lurks é o título do disco de estreia do projeto Lichen Slow, que junta Malcolm Middleton dos Arab Strap e Joel Harries, guru da eletrónica que fez parte dos míticos Team Leader. É um maravilhoso alinhamento de doze canções, plenas de generosidade, convicção e impressionismo, nomeadamente no modo como plasmam a visão física e espiritual de dois músicos abençoados, relativamente ao mundo que os rodeia e no qual, por acaso, também, vivemos. Rest Lurks cruza cordas acústicas ou distorções contundentes, com sintetizações e efeitos que, do insinuante e quase impercetível, ao majestoso e contundente, abarcam basicamente tudo aquilo que de melhor define a eletrónica ambiental atual. Rest Lurks é uma doce paleta de cores, muitas vezes a preto e branco, um oásis aconchegante de dor, loucura e perdição, um tormento de beleza e inspiração. É uma expressão sublime de contradições e a materialização assustadoramente real do modo como a sagacidade de duas mentes inspiradas consegue feitos únicos e inolvidáveis, demonstrando que é possível a convivência saudável entre ordem e caos, amor e ódio, paz e guerra, presença e ausência. Este não é um disco para ser descrito no que diz respeito a géneros, influências, arsenais instrumentais, filosofias estilísticas ou intenções. Rest Lurks é para ser sentido, como obra suprema que é e os Lichen Slow são uma banda para ser apreciada, acima de tudo, por esse prisma espetacular.

3 - Shame - Food For Worms

Food For Worms oferece-nos um punk rock de primeira água, com um espetro identitário abrangente que encontra as suas origens no rock psicadélico setentista e no punk da década seguinte e que não renegando algumas caraterísticas essenciais do rock alternativo noventista, também não enjeita abraçar a herança nova iorquina que tentou salvar o rock no início deste século. Food For Worms seduz, instiga e maravilha pela crueza e pela espontaneidade do rock que exala e que contendo aspetos identitários deslumbrantes de todo o espetro sonoro acima identificado, agrega-os com enorme mestria, ao mesmo tempo que consolida o adn de uma banda que começa a ser referência e inspiração para outras. E quando esse patamar se atinge, um pódio ao alcance de poucos, estamos, obviamente, na presença de uma referência incontornável do indie rock atual. Food For Worms carimba, definitivamente, os Shame nesse grupo restrito. Food For Worms alimenta a ânsia de todos aqueles que procuram projetos sonoros que fujam ao apelo radiofónico e que, simultaneamente, oferecam ao rock novos fôlegos e heróis. Os Shame conseguem este desiderato há já meia década e, mesmo abraçando, nas suas canções, o lado mais negro do amor e as suas habituais agonias e as dores e os medos de quem procura sobreviver nesta típica urbanidade ocidental cada vez mais decadente de valores e referências, fazem-no sem medo, como seria de esperar num grupo de cinco jovens britânicos de gema, rudes e efervescentes, que têm o seu modus operandi bem presente e, devido a este fantástico registo, a certeza de um futuro devidamente consolidado na primeira linha do indie rock alternativo.

2 - Yo La Tengo - This Stupid World

This Stupid World é mais um capítulo eufórico e radiante numa epopeia estilística sonora que privilegiou, desde a estreia em mil novecentos e oitenta e seis com o registo Ride The Tiger, de completa e absoluta liberdade criativa, ou seja, o modus operandi foi, realistícamente, sempre este. Não houve aqui uma espécie de crescendo naquilo que foi a bitola qualitativa dos discos que foram sendo colocados nas prateleiras pelos Yo La Tengo, apenas ligeiras e naturais oscilações estilísticas que, passando pelo rock clássico, o surf rock, o lo fi, o indie puro e duro, a new wave, o punk rock, o rock progressivo e o psicadélico, a country, a folk, a eletrónica e até o jazz, colocaram sempre o melhor indie rock alternativo em declarado ponto de mira. E, na minha modesta opinião, está errado quem não considera que o melhor indie rock alternativo não é nada mais nada menos do que este rock que consegue agregar pitadas daqui e de acolá, com subtileza, arrojo, desenvoltura e superior habilidade criativa, algo que sucede neste álbum dos Yo La Tengo com ímpar sabedoria. This Stupid World é esse tipo de disco. Contém nove composições que têm como principal atributo conseguirem, umas vezes com indisfarcável subtileza e outras com esplendoroso requinte, unir, congregar, construir e desconstruir e sublinhar todo um universo de géneros e estilos que também demarcam, e não será certamente por acaso, as fronteiras do melhor cancioneiro norte americano de igual período. Todos aqueles que têm nos cânones essenciais do rock alternativo das últimas quatro décadas pilares fundamentais do seu gosto musical, de certeza que não se vão arrepender This Stupid World e, no final, depois do modo repeat ter sido ativado instantaneamente, vão-se sentir ainda mais enriquecidos por terem a possibilidade de, quatro décadas depois da estreia, ainda poderem escutar e saberem que está no ativo uma banda tão rica, vigorosa, inspiradora, independente, dinâmica e fluída, como são os Yo La Tengo.

1 - Wilco - Cousin

Os norte americanos Wilco de Jeff Tweedy são um dos projetos mais profícuos do universo indie e alternativo atual. Não cedem à passagem do tempo, não acusam a erosão que tal inevitabilidade forçosamente provoca, mantêm-se firmes no seu adn e conseguem, disco após disco, apresentar uma nova nuance interpretativa, ou uma nova novela filosófica que surpreenda os fãs e os mantenha permanentemente ligados e fidelizados. Cousin, o novo álbum dos Wilco, não foge a essa permissa e os seus pouco mais de quarenta minutos oferecem-nos, sem qualquer dúvida, uma manifestação impressiva de que Jeff Tweedy e os seus fiéis companheiros ainda têm muito para dar e, claro, para vender. Cousin não é um decalque exaustivo de uma fórmula, mas mais um passo firme e faustoso em frente no enriquecimento do adn de um projeto incomparável no modo como disserta, sem preconceitos e amiúde até de forma irónica, sobre uma América que vive uma contemporaneidade algo perigosa, fraturada em dois extremos dominantes, recentemente espartilhada por um vírus que não não foi fácil de lidar nesse vasto território e ensaguentada de traumas e males raciais, assentes numa sequência nada feliz de décadas e até de séculos de casos mal resolvidos, que remontam ao período da escravatura, o grande motivo da Guerra Civil que o país viveu há pouco mais de duzentos anos e que deixou fantasmas ainda a pairar. Sonoramente, Cousin assenta num modus operandi que aproxima os Wilco de uma psicadelia blues de superior filigrana, que se escuta com aquela intensidade que fisicamente não deixa a anca indiferente, mas sem deixar de lado a faceta experimental e lisérgica que o grupo  tanto preza e que certamente quis que este seu novo trabalho tivesse. É um experimentalismo folk, conduzido por cordas mais acústicas e com um travo de minimalismo lo fi, aspectos que são, como se sabe, traves mestras no percurso discográfico dos Wilco. Colocando na linha da frente o lado mais sensível e emotivo do grupo, Cousin deixa no ouvinte a perceção clara que foi espetacular o momento em que os Wilco optaram por ligar a sua faceta experimental mais uma vez a pleno gás para, obtendo um balanço delicado entre o quase pop e o ruidoso e sem nunca descurar aquela particularidade fortemente melódica que costuma definir as composições deste grupo, conseguirem criar uma verdadeira obra-prima que irá certamente figurar, com inteira justiça, num lugar bastante cimeiro dos melhores discos da carreira do projeto. Para nós, foi o melhor de dois mil e vinte e três.

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publicado por stipe07 às 14:52






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