man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Os Melhores Discos de 2023 (10 - 01)
10 - The Polyphonic Spree - Salvage Enterprise
É sempre habitual nos seus álbuns, os The Polyphonic Spree oferecerem ao ouvinte verdadeiras orgias lisérgicas de sons e ruídos etéreos ou orquestrais e que os orientam muitas vezes, e a nós também, em simultâneo, para direções aparentemente opostas, geralmente da indie pop etérea e psicadélica, ao rock experimental. Salvage Entreprise, é um portento de indie rock progressivo e experimental. É um disco ambivalente porque se a maioria das suas composições assentam, melodicamente, numa desarmante simplicidade, já que têm sempre como base o dedilhar de uma viola acústica ou a vibração das teclas de um piano, atingem, depois, quase sempre, picos de epicidade indiscritíveis, que transmitem sempre, a quem escuta, uma torrente de emocionalidade e sentimentalismo, a que é difícil ficar alheio e indiferente.
9 - Tiny Skulls – Songs From Some Depressing Movie
Inquietantes, tocantes e retemperadoras, as treze composições de Songs From Some Depressing Movies estão abrigadas por alguns dos melhores pilares estilísticos e conceptuais que sustentam a nata do rock alternativo atual, um modus operandi que tem também na folk uma pedra basilar e que não descura piscares de olhos descarados a ambientes eminentemente clássicos, polidos e orquestralmente ricos e que pretendem puxar o ouvinte para um lado eminentemente reflexivo e sonhador. Songs From Some Depressing Movie brinca com o nosso eu mais nostálgico. As suas canções estão interligadas entre si, a contemplação deste disco vale pelo todo, porque este é, claramente, um daqueles registos que se definem como uma peça única que merece idêntica devoção, numa escuta feita de fio a pavio.
8 - Sparklehorse - Bird Machine
Bird Machine é uma extraordinária obra de arte sonora e, curiosamente, um dos discos mais intensos e luminosos da carreira de um projeto que sempre se abrigou num universo algo depressivo e fatalista. As suas canções gravitam em redor de dois grandes universos sonoros distintos. Algumas das canções do álbum são intensas e de forte cariz lo fi; São composições imediatistas, inebriantes e contundentes, feitas com guitarras encharcadas em eletrificação e com um registo vocal modificado, canções que vivem à sombra de um indie rock pujante, experimental, poeirento e ruidoso, pleno de rugosidade, ímpeto e vibração. Depois há outros temas que colocam as fichas num perfil mais melancólico e intimista, encarnando deliciosos tratados de indie rock folk genuíno, luminoso e sorridente. Seja qual for o perfil interpretativo das catorze canções de Bird Machine, a trama geral assenta em guitarras, ora acústicas, ora eletrificadas, amiúde adornadas por diversas sintetizações e detalhes percurssivos, que ganham uma amplitude superior em refrões imponentes, elementos bastante comuns no melhor catálogo indie dos anos noventa do seculo passado.
7 - Slowdive - Everything Is Alive
Everything Is Alive encarna uma sentida dedicatória à mãe de Goswell e ao pai de Scott, ambos falecidos em dois mil e vinte. Essa realidade justifica o tom algo negro e pesado do registo, nuances que são, neste caso, notáveis atributos, porque os Slowdive conseguem conferir ao alinhamento do disco o necessário tom pesaroso, sem colocar em causa uma sempre indispensável faceta melódica e uma elevada carga de beleza, comprovando que isso também é possível no meio da dor e do aparente caos. Uma simbiose quase impercetível entre o orgânico e o sintético parece ser o novo modus operandi preponderante deste projeto natural de Reading, cada vez mais atraído por abordagens sonoras que dêem primazia aos sintetizadores, na definição do arquétipo instrumental das suas composições. Everything Is Alive é, por isso, um passo em frente seguro dos Slowdive rumo a uma abordagem sonora um pouco inédita, tendo em conta o catálogo do quinteto, mas sem deixar de respeitar o seu adn, uma forma de estar que justifica o tom multifacetado de um trabalho que querendo exalar dor, consegue também oferecer-nos uma revitalizante dose de esperança e redenção, à boleia de oito canções que, entrelaçando tristeza e gratidão, emergem-nos num universo muito próprio e no qual só penetra verdadeiramente quem se predispuser a se deixar absorver por esta peculiar cartilha. É um paradigma artístico que se firma num falso minimalismo, já que da criteriosa seleção de efeitos da guitarra, à densidade do baixo, passando por uma ímpar subtileza percussiva e um exemplar cariz lo fi na produção, são diversos os elementos que costuram e solidificam um som muito homogéneo e subtil e, também por isso, bastante intenso e catalizador.
6 - Blur - The Ballad Of Darren
Disco inspirado em Darren Smoggy Evans, guarda costas dos Blur há vários anos e ajudante pessoal de Damon Albarn, The Ballad Of Darren funciona como uma espécie de tributo a essa personalidade sempre dedicada e leal, ao mesmo tempo que nos recorda que está bem longe do fim a carreira de um grupo ímpar e que está, de pleno direito, no lugar mais alto do pedestal da indústria musical britânica contemporânea. The Ballad Of Darren tem um pé no rock e outro na pop e com a mente a sempre a convergir muitas vezes para a soul, enquanto nos oferece uma sábia introspeção sobre o mundo moderno. Nele, os Blur não pouparam na materialização dos melhores atributos que guardam na sua bagagem sonora, encarnada por quatro músicos criativamente e intepretativamente inigualáveis, confirmando, mais uma vez, o forte cariz eclético e heterogéneo de uma banda que da britpop, ao experimentalismo ruidoso, passando pela eletrónica e pelo fascínio do lo-fi, ainda conseguem fazer-nos sentir aquela névoa húmida tipicamente britânica e pôr-nos a visualizar multidões em chapéu de coco a beber um chá ou um gin e a ter conversas humoradas com o típico sotaque que todos conhecemos, ao som da sua música.
Os Beach Fossils são exímios a oferecer-nos catálogos de indie rock alternativo, com leves pitadas de surf pop, eletrónica e garage rock, tudo embrulhado com um espírito vintage marcadamente oitocentista e que se escuta de um só trago, enquanto sacia o nosso desejo de ouvir algo descomplicado mas que deixe uma marca impressiva firme e de simples codificação. Bunny é mais um exercício tremendamente bem conseguido de construção de canções simples, mas bastante reflexivas, emotivas e até intensas. O seu alinhamento aprimora um receituário que tem sido bem sucedido, não só devido ao modo como os Beach Fossils manuseiam as guitarras e lhes induzem efeitos e distorções que apelam, quase sempre, a uma certa cosmicidade e luminosidade etéreas, mesmo quando replicadas com um forte espírito orgânico e imediato, sempre ampliado por exemplares arranjos de elevado pendor acústico, mas também porque a voz geralmente ecoante de Payseur é, sem sombra de dúvida, um veículo privilegiado para nos levar ao encontro de sensações como fragilidade e doçura, algo estranhas num indie rock que não coloca completamente de lado o lo fi, mas particularmentes impressivas e revigorantes quando concebidas por este projeto. Escutar Bunny é ter a possibilidade de colocar momentaneamente de lado problemas, dúvidas e inquietações, para mergulhar num universo otimista, positivo e revigorante, mesmo que a grande maioria das onze canções do álbum se debrucem sobre os dilemas existenciais em que vive a juventude americana atualmente, dores de amor mal curadas, memórias de tempos difíceis e o alastrar vigoroso de uma preocupante psicotropia em praticamente todo o país, potenciada pela falta de perspetivas risonhas quanto ao futuro, numa América cada vez mais confusa.
Rest Lurks é o título do disco de estreia do projeto Lichen Slow, que junta Malcolm Middleton dos Arab Strap e Joel Harries, guru da eletrónica que fez parte dos míticos Team Leader. É um maravilhoso alinhamento de doze canções, plenas de generosidade, convicção e impressionismo, nomeadamente no modo como plasmam a visão física e espiritual de dois músicos abençoados, relativamente ao mundo que os rodeia e no qual, por acaso, também, vivemos. Rest Lurks cruza cordas acústicas ou distorções contundentes, com sintetizações e efeitos que, do insinuante e quase impercetível, ao majestoso e contundente, abarcam basicamente tudo aquilo que de melhor define a eletrónica ambiental atual. Rest Lurks é uma doce paleta de cores, muitas vezes a preto e branco, um oásis aconchegante de dor, loucura e perdição, um tormento de beleza e inspiração. É uma expressão sublime de contradições e a materialização assustadoramente real do modo como a sagacidade de duas mentes inspiradas consegue feitos únicos e inolvidáveis, demonstrando que é possível a convivência saudável entre ordem e caos, amor e ódio, paz e guerra, presença e ausência. Este não é um disco para ser descrito no que diz respeito a géneros, influências, arsenais instrumentais, filosofias estilísticas ou intenções. Rest Lurks é para ser sentido, como obra suprema que é e os Lichen Slow são uma banda para ser apreciada, acima de tudo, por esse prisma espetacular.
Food For Worms oferece-nos um punk rock de primeira água, com um espetro identitário abrangente que encontra as suas origens no rock psicadélico setentista e no punk da década seguinte e que não renegando algumas caraterísticas essenciais do rock alternativo noventista, também não enjeita abraçar a herança nova iorquina que tentou salvar o rock no início deste século. Food For Worms seduz, instiga e maravilha pela crueza e pela espontaneidade do rock que exala e que contendo aspetos identitários deslumbrantes de todo o espetro sonoro acima identificado, agrega-os com enorme mestria, ao mesmo tempo que consolida o adn de uma banda que começa a ser referência e inspiração para outras. E quando esse patamar se atinge, um pódio ao alcance de poucos, estamos, obviamente, na presença de uma referência incontornável do indie rock atual. Food For Worms carimba, definitivamente, os Shame nesse grupo restrito. Food For Worms alimenta a ânsia de todos aqueles que procuram projetos sonoros que fujam ao apelo radiofónico e que, simultaneamente, oferecam ao rock novos fôlegos e heróis. Os Shame conseguem este desiderato há já meia década e, mesmo abraçando, nas suas canções, o lado mais negro do amor e as suas habituais agonias e as dores e os medos de quem procura sobreviver nesta típica urbanidade ocidental cada vez mais decadente de valores e referências, fazem-no sem medo, como seria de esperar num grupo de cinco jovens britânicos de gema, rudes e efervescentes, que têm o seu modus operandi bem presente e, devido a este fantástico registo, a certeza de um futuro devidamente consolidado na primeira linha do indie rock alternativo.
2 - Yo La Tengo - This Stupid World
This Stupid World é mais um capítulo eufórico e radiante numa epopeia estilística sonora que privilegiou, desde a estreia em mil novecentos e oitenta e seis com o registo Ride The Tiger, de completa e absoluta liberdade criativa, ou seja, o modus operandi foi, realistícamente, sempre este. Não houve aqui uma espécie de crescendo naquilo que foi a bitola qualitativa dos discos que foram sendo colocados nas prateleiras pelos Yo La Tengo, apenas ligeiras e naturais oscilações estilísticas que, passando pelo rock clássico, o surf rock, o lo fi, o indie puro e duro, a new wave, o punk rock, o rock progressivo e o psicadélico, a country, a folk, a eletrónica e até o jazz, colocaram sempre o melhor indie rock alternativo em declarado ponto de mira. E, na minha modesta opinião, está errado quem não considera que o melhor indie rock alternativo não é nada mais nada menos do que este rock que consegue agregar pitadas daqui e de acolá, com subtileza, arrojo, desenvoltura e superior habilidade criativa, algo que sucede neste álbum dos Yo La Tengo com ímpar sabedoria. This Stupid World é esse tipo de disco. Contém nove composições que têm como principal atributo conseguirem, umas vezes com indisfarcável subtileza e outras com esplendoroso requinte, unir, congregar, construir e desconstruir e sublinhar todo um universo de géneros e estilos que também demarcam, e não será certamente por acaso, as fronteiras do melhor cancioneiro norte americano de igual período. Todos aqueles que têm nos cânones essenciais do rock alternativo das últimas quatro décadas pilares fundamentais do seu gosto musical, de certeza que não se vão arrepender This Stupid World e, no final, depois do modo repeat ter sido ativado instantaneamente, vão-se sentir ainda mais enriquecidos por terem a possibilidade de, quatro décadas depois da estreia, ainda poderem escutar e saberem que está no ativo uma banda tão rica, vigorosa, inspiradora, independente, dinâmica e fluída, como são os Yo La Tengo.
1 - Wilco - Cousin
Os norte americanos Wilco de Jeff Tweedy são um dos projetos mais profícuos do universo indie e alternativo atual. Não cedem à passagem do tempo, não acusam a erosão que tal inevitabilidade forçosamente provoca, mantêm-se firmes no seu adn e conseguem, disco após disco, apresentar uma nova nuance interpretativa, ou uma nova novela filosófica que surpreenda os fãs e os mantenha permanentemente ligados e fidelizados. Cousin, o novo álbum dos Wilco, não foge a essa permissa e os seus pouco mais de quarenta minutos oferecem-nos, sem qualquer dúvida, uma manifestação impressiva de que Jeff Tweedy e os seus fiéis companheiros ainda têm muito para dar e, claro, para vender. Cousin não é um decalque exaustivo de uma fórmula, mas mais um passo firme e faustoso em frente no enriquecimento do adn de um projeto incomparável no modo como disserta, sem preconceitos e amiúde até de forma irónica, sobre uma América que vive uma contemporaneidade algo perigosa, fraturada em dois extremos dominantes, recentemente espartilhada por um vírus que não não foi fácil de lidar nesse vasto território e ensaguentada de traumas e males raciais, assentes numa sequência nada feliz de décadas e até de séculos de casos mal resolvidos, que remontam ao período da escravatura, o grande motivo da Guerra Civil que o país viveu há pouco mais de duzentos anos e que deixou fantasmas ainda a pairar. Sonoramente, Cousin assenta num modus operandi que aproxima os Wilco de uma psicadelia blues de superior filigrana, que se escuta com aquela intensidade que fisicamente não deixa a anca indiferente, mas sem deixar de lado a faceta experimental e lisérgica que o grupo tanto preza e que certamente quis que este seu novo trabalho tivesse. É um experimentalismo folk, conduzido por cordas mais acústicas e com um travo de minimalismo lo fi, aspectos que são, como se sabe, traves mestras no percurso discográfico dos Wilco. Colocando na linha da frente o lado mais sensível e emotivo do grupo, Cousin deixa no ouvinte a perceção clara que foi espetacular o momento em que os Wilco optaram por ligar a sua faceta experimental mais uma vez a pleno gás para, obtendo um balanço delicado entre o quase pop e o ruidoso e sem nunca descurar aquela particularidade fortemente melódica que costuma definir as composições deste grupo, conseguirem criar uma verdadeira obra-prima que irá certamente figurar, com inteira justiça, num lugar bastante cimeiro dos melhores discos da carreira do projeto. Para nós, foi o melhor de dois mil e vinte e três.
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OS Melhores Discos de 2023 (20-11)
20 - Sigur Rós - ÁTTA
ÁTTA é um novo marco e um passo em frente, seguro e maduro, na discografia dos Sigur Rós. Em quase uma hora, o trio avança, talvez definitivamente, rumo à musica de cariz mais clássico e erudito, deixado para trás as guitarras inflamadas em agrestes distorções e uma imponência percurssiva, tantas vezes inigualável, que só o baterista Orri Páll Dýrason sabia como replicar, para se deleitar com um manuseamento tremendamente delicado, despudoradamente calculado e indisfarçadamente belo, do sintético, mesmo se trombones, violinos, harpas ou trompetes continuem a fazer parte da equação. No entanto, é curioso o modo como mesmo através desta guinada conceptual e interpretativa, os Sigur Rós continuam a manter intacto aquele adn muito próprio e único que nos transporta sempre para a típica paisagem vulcânica islandesa, fria e inóspita, já que, à semelhança da restante discografia do trio, este alinhamento é para ser escutado como um único bloco de som, compacto, hermético e aparentemente minimalista, mas rico em detalhes, experiências, nuances e paisagens, como é, num obrigatório e feliz paralelismo, um país tão belo, intrigante e rico como a Islândia.
19 - Dignan Porch - Electric Threads
Noções como crueza, simplicidade, imediatismo, rudeza e aspereza, mas também nostalgia e melancolia, assaltam facilmente a mente de quem escuta, pacientemente, Electric Threads, disponibilizando-se, assim, a embarcar numa viagem contundente rumo aquela indie lo fi e psicadélica do último meio século, que não descura, para se espraiar plena de luz e cor, um travo surf que é sempre tão apelativo. Aparentemente sem grandes pretensões mas, na verdade, de forma claramente calculada, Electric Threads volta a colocar os holofotes sobre os Dignan Porch, já mestres a recriar um som ligeiro, agradável, divertido e simples, mas verdadeiramente capaz de nos empolgar, tendo o louvável intuíto de nos fazer regressar ao passado.
18 - The New Pornographers - Continue As A Guest
Continue As A Guest é um intrincado jogo de luzes e reflexos em forma de música, um disco cheio de brilho e cor em movimento, que tem um alinhamento alegre e festivo e que parece querer exaltar, acima de tudo, o lado bom da existência humana. É, no seu busílis, uma trama orquestral complexa, um festim intrumental em que percussão, sintetizadores, sopros e guitarras, assim como as vozes de Newman e Case, se alternam e se sobrepôem em camadas, à medida que dez composições fluem naturalmente, sem se acomodarem ao ponto de se sufocarem entre si, num caldeirão sonoro criado por um elenco de extraordinários músicos e artistas, que sabem melhor do que ninguém como recortar, picotar e colar o que de melhor existe neste universo sonoro ao qual dão vida e que deve estar sempre pronto para projetar inúmeras possibilidades e aventuras ao ouvinte, assentes num misto de power pop psicadélica e rock progressivo.
17 - Ulrika Spacek – Compact Trauma
Compact Trauma volta a colocar os Ulrika Spacek na órbitra da sua já habitual sonoridade punk, feita com fortes reminiscências naquela faceta sessentista ácida e psicotrópica, burilada, como sempre, com um timbre metálico de guitarra rugoso, acompanhado, quase sempre, por uma bateria em contínua contradição. A filosofia de composição musical destes Ulrika Spacek baliza-se através de um assomo de crueza, tingido com uma impressiva frontalidade, quer lírica quer sonora. Compact Trauma é mais um contínuo exercício insinuante de tornar aquilo que é descrito habitualmente, na música, como algo aparentemente desconexo e texturalmente incómodo, em algo que, quer ritmíca, quer melodicamente, é grandioso, sedutor e instigador, enquanto expressa, com nota máxima, um modo bastante textural, orgânico e imediato de criar música e de fazer dela uma forma artística privilegiada na transmissão de sensações que não deixam ninguém indiferente. De facto, Compact Trauma atesta a segurança, o vigor e o modo criativamente superior como este grupo britânico entra em estúdio para compôr e criar um shoegaze progressivo que se firma com um arquétipo sonoro sem qualquer paralelo no universo indie e alternativo atual.
16 - Teenage Fanclub - Nothing Lasts Forever
A ideia de luz é o foco central de um portentoso alinhamento de dez canções que, no seu todo, encarnam um tratado de indie rock com aquele perfil fortemente radiofónico que sempre caracterizou os Teenage Fanclub. De facto, Nothing Lasts Forever, um álbum encharcado em positividade, sorridente melancolia, inocente intimismo e ponderado pendor reflexivo, é um caminho seguro, retílineo e consistente rumo aquele indie rock que provoca instantaneamente sorrisos de orelha a orelha, independentemente do estado de espírito inicial. É um disco cheio de canções leves, melodicamente sagazes e, se forem analisadas tendo em conta o catálogo já vasto do projeto, são imperiosas no modo como, com uma intensidade nunca vista no quinteto, desbravam caminho até uma mescla contundente entre os primórdios da indie folk, a britpop e o melhor rock oitocentista. Nothing Lasts Forever é calor e luz, mas ouve-se em qualquer altura do ano. Intenso, poético e cheio de alma, exala um sedutor entusiasmo lírico, uma atmosfera sempre amável e prova que, quando os intérpretes têm qualidade, escrever e compôr boa música não é uma ciência particularmente inacessível. Aliás, para os Teenage Fanclub nunca foi.
15 - Jonathan Wilson - Eat The Worm
Eat The Worm é uma obra criativa única e indispensável, incubada por um autor que gosta de cantar e contar na primeira pessoa e assumir, ele próprio, o protagonismo das histórias que nos relata, enquanto prova ao mundo inteiro, mais uma vez, que é imcomparável a recriar diferentes personagens, cenas e acontecimentos, geralmente sempre dentro de um mesmo território criativo, neste caso o cinema. Sonoramente, é uma paleta sonora pintada com rock sinfónico de primeira água, um fabuloso tratado sonoro, tremendamente cinematográfico, que materializa uma espécie de colagem de vários trechos díspares num único alinhamento, enquanto abraça um elevado leque de influências que vão do jazz à folk, passando pelo rock psicadélico e progressivo.
14 - GUM - Saturnia
Nas dez canções de Saturnia Jay Watson executa, com elevada mestria, um exercicio criativo de mescla de diferentes influências, que abraçam todo um arco sonoro que vai do rock progressivo com adn setentista, à pop sinfónica de década seguinte, passando por alguns dos detalhes essenciais do jazz, da folk, do R&B e da própria eletrónica. Existe uma vibe psicadélica incomum, mas prodigiosa, em toda esta amálgama repleta de guinadas, interseções, detalhes inesperados, trechos de puro experimentalismo e, acima de tudo, preenchida com um travo de fragilidade e inocência incomuns.
13 - Woods - Perennial
Perennial é mais uma guinada no percurso sonoro dos Woods. Mantendo o perfil eminentemente indie folk, trespassado por algumas das principais nuances do rock alternativo contemporâneo, é um disco que coloca elevado ênfase num indisfarçável clima jazzístico. O registo coloca a nú a cada vez mais elaborada e eficazmente arriscada filosofia experimental interpretativa de um grupo bastante seguro a manusear o arsenal instrumental de que se rodeia, apostando em composições com arranjos inéditos e que são melodicamente abordados e construídos através de uma perspetiva que se percebe ter resultado de um trabalho aturado de criação que, tendo pouco de intuitivo, diga-se, plasma, com notável impressionismo, a enorme qualidade musical dos Woods. Um dos traços que mais impressionam na audição de Perennial é a quase presunçosa segurança que os autores demonstram na criação e na interpretação de canções que, tendo claramente o adn Woods, não são assim tão óbvias para os ouvintes que conheçam com profundidade a carreira do grupo. Esta sagacidade e esta altivez servem para aumentar ainda mais a pontuação de um trabalho que, sendo eminentemente crú e envolvido por um doce travo psicadélico, passeia por diferentes universos musicais sempre com superior encanto interpretativo e sugestivo pendor pop, traves mestras que melodicamente colam-se com enorme mestria ao nosso ouvido e que justificam, no seu todo, que este seja um dos melhores registos do já impressionante catálogo de uma banda fundamental do rock alternativo contemporâneo.
Personalidade exímia no modo como retrata uma Escócia repleta de especificidades, com uma cultura milenar e uma história ímpar de sobrevivência, Kenny Anderson utiliza a música como forma de homenagear a terra onde nasceu e sempre viveu, conseguindo, em simultâneo, colocar-nos bem no epicentro de tudo aquilo que o define enquanto pessoa, artista e cidadão. I DES, o seu novo tomo de dez canções e o quinto de uma já notável carreira com a assinatura King Creosote, é um notável catálogo de indie folk majestosa, imponente e, melhor do que isso, melodicamente tocante. Todas as composições do registo têm uma faceta incrivelmente enleante, no modo como nos cativam e nos seduzem, porque mesmo que narrem histórias de angústia, luta contra adversidades, ou de esperança em melhores dias, deixam-nos boquiabertos e, de certo modo, hipnotizados, perante uma indisfarçável beleza melódica que, como é óbvio, só se explica perante a enorme detreza criativa e interpretativa do autor. Um registo percurssivo quase sempre arritmado e vigoroso, teclados hipnóticos e um vasto catálogo de sopros das mais diversas proveniências instrumentais, preenchem o catálogo instrumental de I DES, um álbum portentoso e em que angústia e libertação são sensações que se fundem, quase sem se dar por isso, um modus operandi que resulta num clímax onde não falta um invulgar travo psicadélico.
11 - Local Natives - Time Will Wait For No One
Time Will Wait for No One é um álbum com uma atmosfera sonora enérgica, mas também com instantes de densidade algo inéditos no percurso discográfico dos Local Natives. É, claramente, um daqueles trabalhos em que uma banda resolve voltar a baralhar e a dar de novo, fazendo-o sem renegar, como é óbvio, o seu passado, mas querendo, com muita força e criatividade, explorar novos caminhos e possibilidades. Assim, neste registo impecavelmente produzido, o quinteto continua a caminhar dentro de uma atmosfera bem delineada e de uma constante proximidade entre as vertentes lírica e musical, algo que ficou logo bem patente logo em Gorilla Manor, a obra de estreia que alicerçou definitivamente o rumo sonoro dos Local Natives, mas o percurso é agora feito num ambiente mais efervescente, opção que demonstra, com objetividade, uma maior consciência musical e um modus operandi ainda mais renovado, emotivo e delicioso.
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Cereus Bright – Pink Sky
Natural de Knoxville, no Tennessee, Tyler Anthony, que assina a sua música como Cereus Bright, colocou, em novembro último, todos os holofotes sobre si devido a Unfaithful, um single do músico e compositor norte-americano. Era um extraordinário tratado de indie folk psicadélica, cujo conteúdo nos ofereceu um Cereus Bright a meditar acerca das consequências de toda e qualquer decisão que se tome, enquanto ensaiou uma abordagem tremendamente empática e próxima com o ouvinte.
Agora, quase no ocaso de dois mil e vinte e três e cinco semanas depois de Unfaithful, o autor norte-americano volta à carga com Pink Sky, mais uma canção que deverá, juntamente com a anterior, fazer parte de um novo disco do músico em dois mil e vinte e quatro, provável sucessor de Excuses (2016) e de Give Me Time (2021).
Se é possível colocar numa canção todos os atributos de um pôr do sol exuberante, Pink Sky reclama para si esse desiderato, já que é uma composição que versa sobre o prazer de contemplar relaxadamente esse fenómeno da natureza depois de um dia frenético e agitado (Sing a song, Into the pink sky, Watch the half-light keep, The evening blue at bay). Esse exercício contemplativo é feito à boleia de um harmonioso enlace entre cordas e piano, assinado por um artista que sabe todos os atalhos para nos preencher com canções bonitas e sentidas, repletas de orquestrações opulentas e com um grau de refinamento classicista incomensuravelmente belo, que versam emotivamente sobre as agruras, anseios, inquietações inerentes à condição humana, mas também as motivações e os desejos de quem usa o coração como veículo privilegiado de condução, orientação e definição de algumas das metas imprescindíveis na sua existência. Confere...
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Sun Kil Moon – Christmas In New Orleans
Como tem sido hábito neste blogue nos últimos dias, temos vindo a apresentar temas relacionados com esta época tão especial que estamos já a viver, o Natal, sejam versões de clássicos, ou originais escritos propositadamente para a ocasião. Esta é já uma tradição porque vamos sempre, ano após ano, divulgando algumas das propostas mais interessantes do género, que podem também se materializar no formato programa de rádio deste blogue, que vai para o ar todas as semanas, na Paivense FM.
Para encerrar esta demanda natalícia, a proposta que temos hoje é da autoria de Sun Kil Moon, o projeto atual do cantor e compositor Mark Kozelek, que ficou conhecido por ter sido o líder dos carismáticos Red House Painters. Sun Kil Moon encontra então Kozelek ao volante de uma banda que se estreou em dois mil e três com o fabuloso disco Ghosts of the Great Highway, e que teve, há dois anos, um trabalho intitulado Welcome To Sparks, em alta rotação na nossa redação durante um longo período de tempo.
A canção de Natal que Sun Kil Moon incubou chama-se Christmas In New Orleans e, como é habitual em Kozelek, encarna um belíssimo compêndio de folk acústica onde a simplicidade melódica coexiste com uma densidade sonora suave que transborda uma majestosa e luminosa melancolia, que sabe tremendamente bem nesta altura do ano. Confere...
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Gang Of Youths – Have Yourself A Merry Little Christmas (Judy Garland cover)
Como tem sido hábito neste blogue nos últimos dias, temos vindo a apresentar temas relacionados com esta época tão especial que estamos já a viver, o Natal, sejam versões de clássicos, ou originais escritos propositadamente para a ocasião. Esta é já uma tradição porque vamos sempre, ano após ano, divulgando algumas das propostas mais interessantes do género, que podem também se materializar no formato programa de rádio deste blogue, que vai para o ar todas as semanas, na Paivense FM.
A quarta proposta que temos para assinalar as novidades deste ano relacionadas com esta época festiva é a roupagem que os australianos Gang Of Youths, de David Le'aupepe (vozes e guitarra), Max Dunn (baixo), Jung Kim (guitarra, teclados), Donnie Borzestowski (bateria) e Tom Hobden (violinos, teclados e guitarra), criaram para Have Yourself A Merry Little Christmas, um original escrito em mil novecentos e quarenta e três por Hugh Martin e Ralph Blane e cantado pela primeira vez no ano seguinte, por Judy Garland, no musical da MGM Meet Me in St. Louis.
Esta versão dos Gang Of Youths coloca o piano na linha da frente do arquétipo melódico, uma opção que não defrauda o encanto deste verdadeiro clássico de natal e até lhe introduz uma espiritualidade mais contemporânea, mantendo intocáveis as permissas essenciais que identificam e tipificam as mais diversas canções que personificam o genuíno espírito natalício. Confere...
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My Morning Jacket – Feeling Sorry
Aproxima-se o natal e, como é hábito, algumas bandas aproveitam para gravar temas relacionados com esta época tão especial, sejam versões de clássicos, ou originais escritos propositadamente para a ocasião. E nós, como também é habitual, cá estamos, ano após ano, para ir divulgando algumas das propostas mais interessantes do género, que podem dar um colorido diferente a esta época tão especial e que também se costumam materializar no formato programa de rádio deste blogue, que vai para o ar todas as semanas, na Paivense FM.
A terceira proposta que temos para assinalar as novidades deste ano relacionadas com esta época festiva é Feeling Sorry, a canção que abre Happy Holiday, o EP que os My Morning Jacket de Jim James prepararam para este natal e que, incluindo clássicos como I’ll Be Home For Christmas, Have Yourself A Merry Little Christmas ou Oh My Christmas Tree, de Scott McMicken, delicia-nos com uma mistura eclética de country rock, indie rock, funk e rock psicadélico, um som cheio de reverberações, que não destoam nem desfiguram os originais que o álbum inclui.
No que diz respeito a Feeling Sorry, o original que os My Morning Jacket incluiram neste EP, é um tema que reproduz um casamento perfeito entre o acústico e o elétrico, devido ao modo como o piano se insinua pela soul indistinta de uma guitarra, reproduzindo um indie rock experimental com forte vibe setentista. Feeling Sorry são quase três minutos em que cosmicidade, fuzz e lisergia são traves mestras de um enredo sonoro que mantém intocável a vontade e a capacidade criativa dos My Morning Jacket, assim como as permissas essenciais que identificam e tipificam canções que personofiquem o mais genuíno espírito natalício. Confere...
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Bright Eyes – Christmas In Prison
Aproxima-se o natal e, como é hábito, algumas bandas aproveitam para gravar temas relacionados com esta época tão especial, sejam versões de clássicos, ou originais escritos propositadamente para a ocasião. E nós, como também é habitual, cá estamos, ano após ano, para ir divulgando algumas das propostas mais interessantes do género, que podem dar um colorido diferente a esta época tão especial e que também se costumam materializar no formato programa de rádio deste blogue, que vai para o ar todas as semanas, na Paivense FM.
Assim, depois de ontem termos revelado a lindíssima roupagem que os irlandeses Villagers, com a ajuda da conterrânea Lisa Hannigan, criaram para o clássico The Little Drummer Boy, uma popular canção de natal escrita pela compositora norte-americana Katherine Kennicott Davis em mil novecentos e quarenta e um, hoje chega a vez de nos deliciarmos com mais uma versão, esta assinada pelos norte-americanos Bright Eyes, encabeçados pelo compositor e guitarrista Conor Oberst, ao qual se juntam, atualmente, o produtor e multi-instrumentista Mike Mogis, o trompetista e pianista Nate Walcott e vários colaboradores rotativos, vindos principalmente do cenário musical indie de Omaha.
O tema que os Bright Eyes revisitaram para esta época tão especial foi Christmas In Prison, um original de John Prine, que fazia parte do disco Sweet Revenge, que o músico e compositor norte-americano, natural de Maywood, no Illinois, falecido em dois mil e vinte com covid, lançou em mil novecentos e setenta e três.
A nova roupagem dos Bright Eyes para Christmas In Prison, que inclui um sample de A John Prine Christmas, é um portento de indie folk, onde sobressai um incrível e enleante jogo de sedução entre as vozes e as cordas, gizado por uma secção rítmica aconchegante e embaladora. É uma composição onde abundam diversificados arranjos, marcados pelo uso de pequenas orquestrações e que, mostrando-se de modo milimetricamente calculado, oferecem à versão um perfil aconchegante e festivo, sem colocar em causa a essência cândida do original. Confere...
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Villagers – The Little Drummer Boy (feat. Lisa Hannigan)
Aproxima-se o natal e, como é hábito, algumas bandas aproveitam para gravar temas relacionados com esta época tão especial, sejam versões de clássicos, ou originais escritos propositadamente para a ocasião. E nós, como também é habitual, cá estamos, ano após ano, para ir divulgando algumas das propostas mais interessantes do género, que podem dar um colorido diferente a esta época tão especial e que também se costumam materializar no formato programa de rádio deste blogue, que vai para o ar todas as semanas, na Paivense FM.
Neste ano de dois mil e vinte e três damos o nosso pontapé de saída na apresentação de canções de natal com a lindíssima versão que os irlandeses Villagers de Conor O'Brien criaram para o clássico The Little Drummer Boy, com a ajuda da também irlandesa Lisa Hannigan. Como todos certamente sabem, The Little Drummer Boy é uma popular canção de natal escrita pela compositora norte-americana Katherine Kennicott Davis em mil novecentos e quarenta e um e que foi gravada pela primeira vez dez anos depois com a assinatura dos Trapp Family, tendo sido objeto de diversas versões e recriações ao longo de mais de meio século.
A roupagem que os Villagers ofereceram a este inconfundível clássico de Natal, mostra-se instrumentalmente irrepreensível e com uma delicadeza e um charme inconfundíveis, algo que não irá certamente surpreender demasiado quem acompanha com particular atenção um dos melhores grupos da atualidade a criar canções ricas em sentimento e cor. De facto, na mão dos Villagers e à boleia de um feliz entrelaçar entre o registo sussurrante vocal de Conor O'Brien e o subtilmente doce de Lisa Hannigan e no modo como sopros, metais, cordas, sintetizadores e diversos efeitos de múltiplas proveniência vão-se mostrando, de modo milimetricamente calculado, ao longo de quase três minutos, nesta versão The Little Drummer Boy ganhou um perfil ainda mais otimista e festivo, mas sem colocar em causa a essência cândida e aconchegante do original. Confere...
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J Mascis – Set Me Down
Pouco mais de meia década depois de Elastic Days, J Mascis, o líder dos míticos Dinosaur Jr, acaba de anunciar mais uma nova adição ao seu catálogo a solo. É um disco intitulado What Do We Do Now, um alinhamento de dez canções que irá ver a luz do dia em dois de fevereiro de dois mil e vinte e quatro, com a chancela da Sub Pop Records.
Can’t Believe We’re Here, a canção que abre o alinhamento de What Do We Do Now, foi a primeira composição retirada do disco em formato single. Como certamente se recordam, porque ela foi dissecada neste espaço há quase um mês, era uma composição com uma deliciosa base acústica repleta de cor e luminosidade, que ia sendo adornada por guitarras eletrificadas, num resultado final com uma componente nostálgica ímpar, porque nos levou, num abrir e fechar de olhos, até à herança do melhor indie rock alternativo dos anos noventa do século passado.
Agora chega a vez de escutarmos o oitavo tema do alinhamento de What Do We Do Now, um registo que foi gravado nos estúdios Bisquiteen Studio, em Western Massachusetts e que, além de Mascis, conta com as contribuições instrumentais de Ken Mauri, teclista do B-52's e do músico canadiano, natural de Ontário, Matthew Doc Dunn. Este segundo single retirado de What We Do Now, mantém o mesmo perfil da composição anterior e, consequentemente, o habitual registo das criações do autor, com destaque, neste caso, para diversas nuances percurssivas, que vão sendo trespassadas por cordas dedilhadas sem auxílio de amplificação, exceto quando Mascis pega na guitarra elétrica e, quase no ocaso da canção, reproduz um solo rugoso e épico, sendo tudo moldado por uma produção com um perfil eminentemente crú e orgânico.
Em suma, e como seria de esperar, Set Me Down contém todas as marcas identitárias de um perfil interpretativo que foi sempre imagem de marca de um autor que nunca deixou de colocar na linha da frente uma indispensável radiofonia, sem deixar de tocar no âmago de quem o escuta com superior atenção e devoção. É uma coerência que não é sinónimo de redundância e que, nas asas deste novo single, faz adivinhar que What Do We Do Now será um disco animado, radioso e com todos os ingredientes para se tornar num verdadeiro clássico de rock puro e duro, pulsante e de superior quilate, do ano civil que se aproxima a passos largos. Confere...
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EELS – EELS So Good: Essential EELS, Vol. 2 (2007-2020)
Quase dois anos depois do excelente registo Extreme Witchcraft, os Eels de E. (Mark Oliver Everett), Kool G Murder e P-Boo acharam que era altura de voltar a fazer um novo balanço da sua discografia, materializado em EELS So Good: Essential EELS, Vol. 2 (2007-2020), um alinhamento de vinte canções que, conforme o título indica, em pouco mais de setenta minutos revisita alguns dos momentos maiores dos oito discos que o grupo lançou entre dois mil e sete e dois mil e vinte.
O hiato temporal a que se refere EELS So Good: Essential EELS, Vol. 2 (2007-2020), justifica-se porque os Eels já tinham lançado um tomo semelhante de canções em 2007, intitulado EELS So Good: Essential EELS, Vol. 1 (1996-2006), compilação que sumariou os destaques dos primeiros seis discos do grupo californiano.
Se o período inicial dos Eels foi, talvez, o mais interessante e criativo do grupo, a segunda fase da carreira da banda também teve vários momentos altos, com discos como Extreme Witchcraft e, a espaços, Earth To Dora, a abordarem aquele punk rock direto, abrasivo e contundente que, na primeira fase da banda, teve em Souljacker o momento maior, mas também com álbuns do calibre de End Times, a oferecerem-nos aquela folk intimista e melancólica, que só está ao alcance dos melhores cantuatores.
De facto, um dos grandes trunfos dos Eels, liderados por um Mr. E sempre enigmático, reflexivo, abrasivo e disposto a mostrar porque tem nos Beatles a sua inspiração maior, é, realmente, o elevado grau de ecletismo e a capacidade que este projeto com três décadas de existência sempre teve de se reinventar e de lançar, em cada álbum, mais achas para uma fogueira sonora que, da alt-pop, ao folk, passando pelo punk e o melhor rock alternativo, sempre sobreviveu, no seu âmago, à sombra das superiores capacidades interpretativas dos músicos que abraçaram Mr. E e fizeram desta banda um projeto sempre fresco e atual e, em cada trabalho, com a mala cheia de novas canções impecáveis para sobressairem em mais um punhado de grandes concertos, uma das faces essenciais do sucesso deste grupo.
EELS – EELS So Good: Essential EELS, Vol. 2 (2007-2020) é, em suma, um documento fundamental para todos os amantes de uma banda que acaba por ser, diga-se, o tubo de escape de uma existência conturbada e inusitada de Mark Everett, um músico que usa óculos desde que foi atingido por um laser num concerto dos The Who nos anos oitenta e que viveu a sua vida sempre habituado a conviver com a tragédia na sua vida pessoal e a superar eventos nefastos. Tudo começou em mil novecentos e oitenta e dois com a morte por ataque cardíaco do pai, o famoso físico Hugh Everett, na altura profundamente deprimido por nunca ter conseguido que a sua teoria sobre física quântica fosse aceite no meio científico. Década e meia depois aconteceu o suícidio da irmã Elizabeth em mil novecentos e noventa e seis e a partida da sua mãe, Nancy Everett, devido a um cancro, meses antes do lançamento do espetacular registo Electro-Shock Blues, (1998), disco que se debruça de modo particularmente impressivo sobre esta espiral de eventos marcantes da vida de Mr E., que ainda teve mais um capítulo no onze de setembro de dois mil e um, quando num dos aviões que foi desviado contra o Pentágono seguia a sua prima Jennifer Lewis Gore. Mesmo que muitas destas canções tenham sido incubadas na ressaca de mais algum revés na vida pessoal de Everett, com algumas chagas do seu segundo divórcio ainda muito vivas nesta segunda fase da carreira dos Eels, a maior parte destes vinte temas são, claramente, composições felizes e empolgantes e que mantêm bem viva a aúrea de um grupo essencial no momento de contar a história do melhor rock alternativo das últimas três décadas. Espero que aprecies a sugestão...