man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
The Polyphonic Spree – Section 44 (Galloping Seas)
Os texanos The Polyphonic Spree não são uma banda no sentido mais restrito do termo. São liderados por Tim Delaughter, antigo vocalista dos extintos Tripping Daisy, mas são, de facto, uma instituição, já que têm uma constituição inconstante, que consiste geralmente de uma secção coral, uma dupla de teclistas, um percussionista, um baterista, um baixista, um guitarrista, um flautista, um trompetista, um trombonista, um violinista, um harpista, um trompetista, um tocador de pedal steel e um técnico de efeitos eletrónicos.
Já tem uma década Psychphonic, o último disco da banda de Dallas, um grupo que tem gravitado em torno de diferentes conceitos sonoros e diversas esferas musicais e que em cada novo trabalho reinventa-se e quase que se transforma num novo projeto. Independentemente da fórmula, é sempre habitual nos seus álbuns, os The Polyphonic Spree oferecerem ao ouvinte verdadeiras orgias lisérgicas de sons e ruídos etéreos ou orquestrais e que os orientam muitas vezes, e a nós também, em simultâneo, para direções aparentemente opostas, geralmente da indie pop etérea e psicadélica, ao rock experimental.
Em dois mil e vinte o grupo editou um EP intitulado We Hope It Finds You Well, na sua página bandcamp, que continha um alinhamento de versões de temas selecionados por Delaughter. Depois, no ano seguinte, em dois mil e vinte e um, chegou-nos ao ouvido Afflatus, uma coleção maior de covers, que incluia também as que faziam parte do alinhamento desse We Hope It Finds You Well e revisitações de originais dos The Rolling Stones, The Bee Gees, Daniel Johnston, ABBA, Rush, The Monkees, Barry Manilow, INXS e muitos outros.
Agora, no início do outono deste ano, os The Polyphonic Spree acabam de anunciar um novo disco que, de acordo com Delaughter, personifica um verdadeiro renascer das cinzas. É um trabalho intitulado Salvage Entreprise, que vai ver a luz do dia a dezassete de novembro, com a chancela da Good Records.
Section 44 (Galloping seas) é o primeiro single revelado do alinhamento de Salvage Enterprise. A composição é uma verdadeira alegoria de epicidade. À medida que o tema cresce, guitarras flashantes, sons nebulosos com ímpar cosmicidade, sinos e ondas do mar, flautas e violinos, conjuram entre si numa canção de enormes proporções. O resultado final ilustra na perfeição o cariz poético de um grupo ao mesmo tempo próximo e distante da nossa realidade e sempre capaz de atrair quem se predispõe a tentar entendê-lo para cenários complexos, mas repletos de sensações únicas, que só os The Polyphonic Spree conseguem transmitir. Confere...
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Wilco - Cousin
Os norte americanos Wilco de Jeff Tweedy são um dos projetos mais profícuos do universo indie e alternativo atual. Não cedem à passagem do tempo, não acusam a erosão que tal inevitabilidade forçosamente provoca, mantêm-se firmes no seu adn e conseguem, disco após disco, apresentar uma nova nuance interpretativa, ou uma nova novela filosófica que surpreenda os fãs e os mantenha permanentemente ligados e fidelizados. Cousin, o novo álbum dos Wilco, não foge a essa permissa, depois de no ano passado, no registo duplo Cruel Country, a aposta ter sido num travo eminentemente folk, que foi, à época, uma espécie de regresso às origens e aos primórdios da carreira da banda de Chicago, no Illinois.
Cousins vê hoje a luz do dia com a chancela da própria etiqueta da banda, a dBpm. O seu alinhamento de dez canções foi produzido pela galesa Cate Le Bon, que já mexeu em álbuns de nomes como os Deerhunter, Kurt Vile, Tim Presley e John Grant e os seus pouco mais de quarenta minutos oferecem-nos, sem qualquer dúvida, uma manifestação impressiva de que Jeff Tweedy e os seus fiéis companheiros ainda têm muito para dar e, claro, para vender.
Logo a abrir o registo, a espiral elétrica e a vasta miríade de sopros, distorções e insinuações percurssivas que sustentam Infinite Surprise, trazem-nos logo à memória a memorável herança da obra prima da banda de Chicago, o aclamado Yankee Hotel Foxtrot de dois mil e um, ainda hoje, com inteira jutiça, um dos discos essenciais da indie folk rock alternativa contemporânea. Logo de seguida, o piano e as distorções cavernosas de Ten Dead, esclarecem-nos que, de facto, Cousin não será um decalque exaustivo de uma fórmula, mas mais um passo firme e faustoso em frente no enriquecimento do adn de um projeto incomparável no modo como disserta, sem preconceitos e amiúde até de forma irónica, sobre uma América que vive uma contemporaneidade algo perigosa, fraturada em dois extremos dominantes, recentemente espartilhada por um vírus que não não foi fácil de lidar nesse vasto território e ensaguentada de traumas e males raciais, assentes numa sequência nada feliz de décadas e até de séculos de casos mal resolvidos, que remontam ao período da escravatura, o grande motivo da Guerra Civil que o país viveu há pouco mais de duzentos anos e que deixou fantasmas ainda a pairar.
As cordas reluzentes de Leeve e, principalmente, de Evicted, duas canções que obedecem a um modus operandi que aproxima os Wilco de uma psicadelia blues de superior filigrana, que se escuta com aquela intensidade que fisicamente não deixa a anca indiferente, colocam Cousin num eixo mais radiofónico, mas sem deixar de lado a faceta experimental e lisérgica que o grupo tanto preza e que certamente quis que este seu novo trabalho tivesse. É um experimentalismo folk, conduzido por cordas mais acústicas e com um travo de minimalismo lo fi, aspectos que são, como se sabe, traves mestras no percurso discográfico do projeto, marca que o próprio Yankee Hotel Foxtrot tão bem ilustrava em canções como War On War, ou Jesus Etc.. Volto a referir-me à obra prima de dois mil e um porque, de facto, conhecendo minuciosamente a discografia dos Wilco, esse é, sem dúvida, o disco da banda que maior influência terá tido no processo de incubação de Cousin.
Se no início do milénio a fórmula que orientou Yankee Hotel Foxtrot pretendia revolucionar o adn Wilco, pouco mais de duas décadas depois, não há como negar que o propósito foi semelhante. O processo de incubação inicial de Cousin terá tido em mente materializar de modo espedito, uma fórmula interpretativa que originasse canções dominadas por guitarras, mas a exibirem linhas e timbres com um clima marcadamente progressivo e rugoso e onde não faltasse, se necessário, piscares de olhos a climas mais sintéticos, intimistas e jazzísticos, como evidenciam Sunlight Ends e A Bowl and A Pudding, uma visão detalhística aprimorada que temas como I'm Trying To Break Your Heart ou Radio Cure plasmaram, com alma e luz, em dois mil e vinte e um.
Finalmente, o intrigante clima algo hipnótico, mas visceral de Cousin, o tema homónimo, uma canção feita para se escutar de punhos cerrados, a monumentalidade de Pittsburgh, um verdadeiro tratado de sentimentalismo latente e de pura melancolia, uma canção que nos embarca numa viagem lisérgica ímpar e que subjuga momentaneamente qualquer atribulação que no instante da audição nos apoquente e a bonomia complacente da lindíssima balada Soldier Child, enriquecem ainda mais o esplendor de um disco que, colocando na linha da frente o lado mais sensível e emotivo do grupo, deixa no ouvinte a perceção clara que foi espetacular o momento em que os Wilco optaram por ligar a sua faceta experimental mais uma vez a pleno gás para, obtendo um balanço delicado entre o quase pop e o ruidoso e sem nunca descurar aquela particularidade fortemente melódica que costuma definir as suas composições, conseguirem criar uma verdadeira obra-prima que irá certamente figurar, com inteira justiça, num lugar bastante cimeiro dos melhores discos da carreira do projeto.
O amor, a paixão e as suas travessuras, nas quais se incluem críticas mais ou menos veladas a uma América contemporânea cada vez menos socialmente justa e refém dos seus medos, como de certo modo referi acima, sempre foram temáticas bastante importantes para Jeff Tweedy que, servindo-se dos Wilco, nunca deixou de surpreender pelo modo como foi diversificando a sua abordagem a estes conceitos ao longo de mais duas décadas. Do repentismo sincero e inconsciente de Wilco A.M., ao trato leve e sublime em Sky Blue Sky, passando pela imersão em vários psicoativos sentimentais em Yankee Hotel Foxtrot, ou fazendo uma primeira súmula de como sentem e vibram com sentimentos tão intensos, tentada em The Whole Love, os Wilco conseguem, neste Cousin, uma vez mais, a sempre tão desejada visão caricatural daquilo que os move como pessoas e músicos, enquanto enriquecem uma história discográfica, às vezes barulhenta e intensa, outras mais introspetiva e carregada de soul, mas sempre tremendamente criativa e instigadora. Espero que aprecies a sugestão...
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Wild Nothing – Suburban Solutions
Depois de Gemini (2010), Nocturnal (2012), Life Of Pause (2016) e Indigo (2018), Jack Tantum, um músico, artista e compositor norte americano, oriundo da Virgínia, que assina a sua música como Wild Nothing, está de regresso aos discos com Hold, o seu quinto registo de originais, um alinhamento de onze canções, que irá ver a luz do dia no final de outubro com a chancela da Captured Tracks.
Headlights On, o tema que abre o alinhamento de Hold e que conta com a participação especial vocal de Hatchie, foi o primeiro single que divulgámos do registo, no passado mês de agosto. Agora, quase no ocaso de setembro, chega a vez de escutarmos Suburban Solutions, o quarto tema de Hold. É uma composição inebriante, dançante e solarenga e com uma faceta sintética bastante impressiva, fazendo recordar a melhor herança de nomes tão proeminentes como os Wham, de George Michael. De facto, Suburban Solutions comprova o modo anguloso como Jack Tantum gosta de remexer o catálogo da melhor pop oitocentista, à boleia de sintetizadores extrovertidos e camadas de guitarras em constante sobreposição, com timbres diversos. Estes aspetos retro serão, certamente, uma imagem de marca forte de um disco que se adivinha alegre e cheio de luz. Confere...
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Bill Ryder-Jones – This Can’t Go On
Cinco anos depois do excelente registo Yawn, o britânico Bill Ryder-Jones está de regresso ao formato longa-duração à boleia de lechyd Da, o seu quinto registo, um disco que, de acordo com o próprio autor, é o trabalho mais ambicioso da sua carreira. lechyd Da teve como grande inspiração e conceito impulsionador o lado mais obscuro do amor, abordando, ao longo de treze canções, os sentimentos de perca, medo, dor e escuridão, mas tendo sempre como pano de fundo os ideais de beleza e de esperança, conferindo um tom de positividade e luz ao registo.
This Cant' Go On, o primeiro single revelado de lechyd Da, contém essa faceta simultaneamente reflexiva e empolgante que irá, certamente, marcar o álbum. A canção é um portento de epicidade, simultaneamente labiríntica e majestosa, uma composição conduzida por um piano melodicamente astuto, apoiado por um efeito planante que vai ajustando a sua rugosidade ao registo vocal interpretativo de Bill. O tema tem uma introdução algo soturna, mas rapidamente ganha dimensão, num resultado final com um charme sofisticado e bastante atraente.
Confere This Can't Go On e o vídeo do tema, assinado por James Slater, que capta filmagens do autor enquanto criança, no País de Gales, onde passava férias frequentemente e a tracklist de lechyd Da que, já agora, em galês significa good health (boa saúde)...
I Know That It’s Like This (Baby)
A Bad Wind Blow In My Heart pt. 3
If Tomorrow Starts Without Me
We Don’t Need Them
I Hold Something In My Hand
This Can’t Go On
…And The Sea…
Nothing To Be Done
It’s Today Again
Christinha
How Beautiful I Am
Thankfully For Anthony
Nos Da
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Wilco - Cousin (single)
Os norte americanos Wilco de Jeff Tweedy são um dos projetos mais profícuos do universo indie e alternativo atual. Não cedem à passagem do tempo, não acusam a erosão que tal inevitabilidade forçosamente provoca, mantêm-se firmes no seu adn e conseguem, disco após disco, apresentar uma nova nuance interpretativa, ou uma nova novela filosófica que surpreenda os fãs e os mantenha permanentemente ligados e fidelizados. Cousin, o novo álbum dos Wilco, não fugirá certamente a essa permissa, depois de no ano passado, no registo duplo Cruel Country, a aposta ter sido num travo eminentemente folk, uma espécie de regresso às origens e aos primórdios da carreira da banda de Chicago, no Illinois.
Cousins irá ver a luz do dia com a chancela da própria etiqueta da banda, a dBpm. O seu alinhamento de dez canções foi produzido pela galesa Cate Le Bon, que já mexeu em álbuns de nomes como os Deerhunter, Kurt Vile, Tim Presley e John Grant e será, sem qualquer dúvida, uma manifestação impressiva de que Jeff Tweedy e os seus fiéis companheiros ainda têm muito para dar e, claro, para vender.
O mais recente single divulgado de Cousin é exatamente a composição que dá nome ao disco. Cousin é um tema vibrante, melodicamente algo hipnótico porque assenta num curto trecho melódico, incubado por cordas reluzentes, intenso e repetitivo, que vai sendo adornado por diversos efeitos e arranjos, um modus operandi que aproxima os Wilco de uma psicadelia blues de superior filigrana, que se escuta com aquela intensidade que fisicamente não deixa a anca indiferente. Confere...
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GUM – Saturnia
GUM é um projeto a solo liderado pelo australiano Jay Watson, um músico com ligações estreitas aos POND e aos Tame Impala, que ultimamente tem feito faísca no nosso radar devido aos singles que foi divulgando do seu novo disco, um trabalho intitulado Saturnia, que viu recentemente a luz do dia e que sucede ao registo Out In The World, que o artista lançou em dois mil e vinte.
Saturnia tem a chancela da Spinning Top e nas suas dez canções Jay Watson executa, com elevada mestria, um exercicio criativo de mescla de diferentes influências, que abraçam todo um arco sonoro que vai do rock progressivo com adn setentista, à pop sinfónica de década seguinte, passando por alguns dos detalhes essenciais do jazz, da folk, do R&B e da própria eletrónica. Como é óbvio, existe uma vibe psicadélica incomum, mas prodigiosa, em toda esta amálgama, uma constatação que canções como Race To The Air e Would It Pain You To See?, dois temas com uma toada crescente e progressiva e que colocam todas as fichas num baixo vigoroso e num registo vocal de forte cariz lisérgico, exemplarmente ilustram.
De facto, Saturnia, um álbum repleto de arranjos meticulosos e em que o detalhe é um aspeto essencial, contém instantes que tanto agarram num piano pelas rédeas para indicar o caminho melódico que uma canção deve seguir como, logo a seguir, oferecem à guitarra a primazia nessa demanda. E muitas vezes esse caminho é feito por ambos, cordas e teclas, de mãos dadas, cabendo depois aos sintetizadores, geralmente encharcados em cosmicidade e a sopros e outras cordas, o extraordinário papel de adorno, num resultado final repleto de guinadas, interseções, detalhes inesperados, trechos de puro experimentalismo e, acima de tudo, preenchido com um travo de fragilidade e inocência que é, sem dúvida, um dos grandes atributos de Saturnia.
O perfil ecoante e planante de Argentina, um oásis de luminosidade e complacência, ou o carimbo tremendamente rugoso das guitarras que se acotovelam em Muscle Memory, são outros dois bons exemplos da enorme disparidade sonora sagaz de Saturnia, uma evidência que funciona, em simultâneo, como um enorme elogio, porque é neste jogo de aparentes contradições que o ouvinte é instigado, seduzido e prendido a uma audição que vicia. O dedicado e harmonioso dedilhar de uma viola acústica e o falsete ecoante de Jay Watson em Music Is Bigger Than Air e, na mesma toada, a singela e sentida acusticidade de Real Life, são mais duas lindíssimas canções, de forte pendor íntimo e contemplativo, que deixam a nu o tremendo dinamismo de um álbum que se deixa conduzir, como é natural, por muitas das imagens de marca daquele que é o habitual registo psicadélico de projetos conterrâneos que todos conhecemos e que comprovam que a Austrália é um manancial deste espetro sonoro do indie rock, mas também pelo que de melhor a contemporaneidade indie vai oferecendo a Jay. E o bónus é quarenta e dois minutos depois do início da audição ficarmos com a certeza de que Saturnia exala uma luminosidade imponente, ainda mais charmosa e classicista do que essas notáveis referências. Espero que aprecies a sugestão...
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Teenage Fanclub – Nothing Lasts Forever
Trinta anos após o registo de estreia e quatro do excelente disco Here, os icónicos veteranos escoceses Teenage Fanclub, formados por Norman Blake, Raymond McGinley, Francis Macdonald, Dave McGowan e Euros Childs, voltaram em dois mil e vinte e um ao ativo e mais efusivos e luminosos do que nunca, com Endless Arcade, doze canções de um projeto simbolo do indie rock alternativo e que provou, nesse registo, que ainda tem um lugar reservado, de pleno direito, no pedestal deste universo sonoro.
Um ano depois desse belíssimo regresso, ou seja, o ano passado, o projeto escocês voltou a dar sinais de vida com uma nova composição intitulada I Left A Light On, que acabou por ser a primeira amostra de um novo trabalho dos Teenage Fanclub, um disco intitulado Nothing Lasts Forever, que acaba de chegar aos escaparates, com a chancela da Merge Records e da PeMa, etiqueta do próprio grupo.
A ideia de luz é o foco central de um portentoso alinhamento de dez canções que, no seu todo, encarnam um tratado de indie rock com aquele perfil fortemente radiofónico que sempre caracterizou os Teenage Fanclub. De facto, Nothing Lasts Forever, um álbum encharcado em positividade, sorridente melancolia, inocente intimismo e ponderado pendor reflexivo, é um caminho seguro, retílineo e consistente rumo aquele indie rock que provoca instantaneamente sorrisos de orelha a orelha, independentemente do estado de espírito inicial. É um disco cheio de canções leves, melodicamente sagazes e, se forem analisadas tendo em conta o catálogo já vasto do projeto, são imperiosas no modo como, com uma intensidade nunca vista no quinteto, desbravam caminho até uma mescla contundente entre os primórdios da indie folk, a britpop e o melhor rock oitocentista.
Logo a abrir o disco, em Foreign Land, o modo como uma rugosa e épica distorção é trespassada por cordas vibrantes e melodicamente irrepreensíveis, cativa de imediato o ouvinte, ao mesmo tempo que o esclarece devidamente acerca da caraterização do adn que fez dos Teenage Fanclub, ao longo destas décadas, uma banda de pedestal, ou seja, uma referência obrigatória para muitos outros grupos que também procuram o seu lugar ao sol. A guitarra elétrica que acama Tired Of Being Alone é outra imagem de marca e, ao mesmo tempo, um porto seguro para uma canção sentimentalmente desafiante e o piano de I Left A Light On, a prova do apurado ecletismo e da superior sagacidade interpretativa de um quinteto que, por incrível que pareça, pode muito bem estar, à boleia de Nothing Lasts Forever, no pináculo da carreira.
O disco prossegue e no embalo percurssivo de It's Alright, uma canção com um espírito veraneante anguloso, no travo surf punk de Falling Into The Sun, ou na singela acusticidade que atiça a lágrima fácil ao som de Middle Of My Mind, somos afagados por quase quarenta minutos feitos de canções assobiáveis, mas com substância, que dão vida a um bom disco de indie pop rock, feito da mais pura estirpe escocesa. Nothing Lasts Forever é calor e luz, mas ouve-se em qualquer altura do ano. Intenso, poético e cheio de alma, exala um sedutor entusiasmo lírico, uma atmosfera sempre amável e prova que, quando os intérpretes têm qualidade, escrever e compôr boa música não é uma ciência particularmente inacessível. Aliás, para os Teenage Fanclub nunca foi. Espero que aprecies a sugestão...
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Jonathan Wilson - Eat The Worm
O aclamado produtor norte-americano Jonathan Wilson que, conforme demos conta na primavera de dois mil e vinte dois, ajudou Father John Misty a dar mais uma guinada conceptual e até sonora no seu catálogo, ao produzir Chloë And The Next 20th Century, tem uma reputadíssima carreira de produtor, tendo também, à semelhança do que fez com Misty, produzido discos de Angel Olsen, Margo Price e muitos outros. Além disso, é também vocalista e guitarrista da banda de Roger Waters. Importa ainda referir que Wilson tem uma curiosa carreira musical interpretativa, primeiro como membro integrante do projeto Muscadine, que fez furor no final do século passado e depois, a partir de dois mil e sete, a solo, uma fase individual criativa que viu o seu último capítulo recentemente com um trabalho intitulado Eat The Worm, que sucede ao aclamado registo Dixie Blur, lançado em dois mil e vinte.
Eat The Worm é um álbum com treze canções, anunciado em março último, quando Wilson divulgou Marzipan, o primeiro single extraído de um registo que foi gravado, quase na íntegra, nos estúdios do músico, em Topanga Canyon, na Califórnia. Neste trabalho, o reputado músico ensaia, como é seu apanágio, uma abordagem tremendamente empática e próxima com o ouvinte, sem se deslumbrar e perder a sua capacidade superior de criar canções assentes num luminoso e harmonioso enlace entre cordas e teclas, que dão vida a temas carregados de intimidade e classicismo, mas também de ironia e, por isso, de certo modo provocadores.
Marzipan, o tema que abre o álbum, coloca-nos imediatamente numa mesa redonda de uma sala fumarenta, mesmo em frente a um palco escuro onde o músico, vestido impecavelmente, nos oferece audácia e esplendor, suportado por metais, sopros e cordas, tudo liderado por um piano exemplar. Logo de seguida, Bonamossa induz-nos num universo de puro requinte e de experimentação minimalista, enquanto são calcorreados alguns dos melhores traços identitários do R&B, trespassados por um sintetizador insinuante, que depois entrega todos os méritos a um lindíssimo coro de violinos. Já Ol’ Father Time, uma canção que impressiona pelo modo como viola e bateria afagam alguns efeitos planantes, pisca o olho aquela sempre curiosa e mescla entre acusticidade folk, blues e eletrónica, num resultado final de imensa beleza. Estas três composições esclarecem o ouvinte, logo a abrir, acerca da vincada identidade de Eat The Worm, um disco que consegue abraçar, quase sem se notar, diversos universos sonoros díspares e heterogéneos, que parecem conjurar entre si para incubar uma trama de caraterísticas únicas e que merecem, também por isso, dedicada audição.
A partir dessa notável introdução, canções como Hollywood Vape, uma paleta sonora pintada com rock sinfónico de primeira água, que introduz notavelmente Charlie Parker, um fabuloso tratado sonoro, tremendamente cinematográfico, que materializa uma espécie de colagem de vários trechos díspares numa única composição, enquanto abraça um elevado leque de influências que vão do jazz à folk, passando pelo rock psicadélico e progressivo, ou The Village Is Dead, tema que expressa impressivamente e com um frenesim intuitivo luminoso e festivo, todos os atributos crativos de Wilson, de modo rápido e incisivo e que assentando numa efusiante vertigem percussiva, impressiona pelo modo como um piano sem rédeas se junta à guitarra para homenagear o movimento folk que, na década de sessenta do século passado, florescia em Greenwich Village, bairros dos subúrbios de Nova Iorque, hoje transformado num complexo residencial apenas acessível à elite, são apenas três exemplos felizes de um alinhamento repleto de laivos musicais de excelência, que proporcionam, entre muitas outras sensações que só a vivência da sua audição consegue descrever, beleza e melancolia ímpares.
Eat The Worm é, pois, uma obra criativa única e indispensável, incubada por um autor que gosta de cantar e contar na primeira pessoa e assumir, ele próprio, o protagonismo das histórias que nos relata, enquanto prova ao mundo inteiro, mais uma vez, que é imcomparável a recriar diferentes personagens, cenas e acontecimentos, geralmente sempre dentro de um mesmo território criativo, neste caso o cinema. Espero que aprecies a sugestão...
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Slowdive – Everything Is Alive
Foi com a chancela da Dead Oceans que chegou recentemente aos escaparates Everything Is Alive, o quinto e novo álbum dos britânicos Slowdive, verdadeiros mestres e pioneiros do shoegaze e uma referência ímpar do indie rock alternativo, desde que quase no final do século passado, lançaram o excelente registo Pygmalion.
Everything Is Alive sucede ao belíssimo álbum homónimo que o projeto atualmente formado por Nick Chaplin, Rachel Goswell, Neil Halstead, Simon Scott e Christian Savill, lançou em dos mil e dezassete e encarna uma sentida dedicatória à mãe de Goswell e ao pai de Scott, ambos falecidos em dois mil e vinte. Essa realidade justifica o tom algo negro e pesado do registo, nuances que são, neste caso, notáveis atributos, porque os Slowdive conseguem conferir ao alinhamento do disco o necessário tom pesaroso, sem colocar em causa uma sempre indispensável faceta melódica e uma elevada carga de beleza, comprovando que isso também é possível no meio da dor e do aparente caos.
The Slab, por exemplo, é uma boa amostra dessa convivência aparentemente impossível. A canção que encerra o disco é, de facto, um tormento ruidoso quase incomodativo, mas também um oásis de grandeza e de psicadelia. São pouco mais de cinco minutos de contínuo hipnotismo, em que uma simples e repetiva melodia de uma guitarra, acompanhada por um baixo firme e hirto, recebem, sempre de braços abertos, diversas distorções e alguns efeitos planantes, criando, assim, uma laje sonora imponente onde, como é hábito, a voz sempre eficiente na transmissão de melancolia de Neil Halstead encaixa na perfeição. Já canções do calibre de Skin In The Game, um belo tratado de dream pop, calcorreiam territórios um pouco mais esotéricos e sintéticos, que também são do agrado dos Slowdive, já que, mantendo a filosofia adjacente ao registo, mas através de um ângulo diferente de The Slab, encarna um orgasmo soporífero de eletrónica, simultaneamente enevoada e minimalista, mas onde também não faltam camadas de cordas acústicas e elétricas.
De facto, esta simbiose quase impercetível entre o orgânico e o sintético parece ser o novo modus operandi preponderante deste projeto natural de Reading, no condado de Berkshire, que confessou recentemente sentir-se cada vez mais atraído por abordagens sonoras que dêem primazia aos sintetizadores, na definição do arquétipo instrumental das suas composições. Everything Is Alive é, por isso, um passo em frente seguro dos Slowdive rumo a uma abordagem sonora um pouco inédita, tendo em conta o catálogo do quinteto, mas sem deixar de respeitar o seu adn que tem sido pioneiro a provar que a segunda metade da segunda década deste novo século está a ser, pelas circunstâncias atuais e pelo estado algo angustiante deste mundo em que vivemos, perfeita para a assimilação de um indie rock mais contemplativo, melancólico e atmosférico, mas mesmo assim incisivo, não só porque é uma sonoridade que vai ao encontro daquilo que são hoje importantes premissas de quem acompanha as novidades deste espetro sonoro, mas também porque, num período de algum marasmo, esta tem sido uma estética que tem encontrado bom acolhimento junto do público.
Na verdade, na delicadeza percurssiva do teclado que nos hipnotiza em Chained To A Cloud, ou no travo nostálgico arrepiante do punk rock lo fi de Kisses, percebemos o tom multifacetado que é hoje imagem de marca deste projeto britânico que, querendo exalar dor e redenção, consegue também oferecer-nos uma revitalizante dose de esperança e redenção, à boleia de oito canções que, entrelaçando tristeza e gratidão, emergem-nos num universo muito próprio e no qual só penetra verdadeiramente quem se predispuser a se deixar absorver por esta peculiar cartilha. É um paradigma artístico que se firma num falso minimalismo, já que da criteriosa seleção de efeitos da guitarra, à densidade do baixo, passando por uma ímpar subtileza percussiva e um exemplar cariz lo fi na produção, são diversos os elementos que costuram e solidificam um som muito homogéneo e subtil e, também por isso, bastante intenso e catalizador. Espero que aprecies a sugestão...
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Elephant – Shooting For The Moon
Com três anos de existência, os Elephant são um coletivo dos Países Baixos, sedeado em Roterdão. Estrearam-se em dois mil e vinte e um com um EP homónimo que teve uma forte repercurssão no país natal e que valeu a chancela da etiqueta local Excelsior Recordings, que acabou por abrigar, no ano seguinte, o disco de estreia do projeto, um trabalho intitulado Big Thing, que foi destaque no verão de dois mil e vinte e dois na nossa redação.
Agora, apenas um ano depois de Big Thing, os Elephant estão de regresso aos álbuns com Shooting For The Moon, um alinhamento de dez canções que chegou por estes dias aos escaparates e que solidifica a excelente impressão que o quarteto nos tinha deixado com Big Thing. de facto, Shooting For The Moon personifica, conforme o título indica, um tiro certeiro na recriação de um ambiente muito próprio, ligeiramente narcótico e implacavelmente sedutor, um daqueles discos que, feito com canções tocantes e imersivas, nos deixa, literalmente, no mundo da lua.
A receita não tem grandes segredos mas é tremendamente eficaz; Existe no processo de recriação sonora dos Elephant uma inegável mestria no controlo melódico das canções, que apostam sempre num descarado perfil radiofónico, mas que não cai em redudâncias ou facilitismos. São temas orelhudos, é um facto, mas também são esteticamente ricos, compactos, heterógeneos e repletos de esquinas e nuances que vale bem a pena destrinçar com audições sucessivas.
The Morning, composição que conta com a participação especial da cantora Meskerem Mees, é um extroardinário exemplo deste modus operandi. É um tema luminoso, rico e apelativo, que, aposta num timbre metálico de uma viola acústica insinuante e de forte pendor experimental. Depois, a balada Baby Jean oferece também o protagonismo à viola, mas aqui o resultado final é eminentemente reflexivo e intimista, com diversos efeitos planantes a enredarem-se com um dedilhar astuto e tecnicamente intocável, oferecerendo, desse modo, à melodia um travo charmoso irresistível, impressões sonoras que são já imagem de marca deste projeto neerlandês. Descrevo esepcificamente estas duas canções porque deambulam por pólos aparentemente opostos, mas têm imensos pontos e aspetos em comum, ou seja, é na diversidade e na riqueza estilística, feita com equilíbrio e sem exageros desnecessários, que os Elephant sustentam a sua filosofia sonora e, no fundo, o seu adn, pleno de especificidades que cimentam uma identidade já bem delineada.
Shooting for The Moon é, portanto, um disco de confirmação de um caso sério no panorama indie e alternativo europeu, que tem o aclamado rock setentista com uma indecritível pitada de lisergia, como principal sustento e, partindo dess base, toda a herança do melhor indie pop rock alternativo das últimas décadas como territórios alvo de bicadas mais ou menos profundas, de canção para canção, num resultado final com um charme muito próprio e intenso e com um polimento reluzente e impecavelmente burilado. E um outro enorme atributo deste alinhamento é, liricamente, debruçar-se sobre as agruras de uma faixa etária cada vez mais confusa nas oportunidades disponíveis, mas consciente daquilo que quer, acabando por personificar aquele grito de raiva que muitas vezes é imprescindível soltar no clímax de um instante reflexivo, que pode muito bem ter Shooting For The Moon como banda sonora. Espero que aprecies a sugestão...