man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Scott Orr – Horizon
O canadiano Scott Orr é um dos nomes fundamentais da indie mais melancólica e introspetiva da América do Norte. Depois do excelente registo Worried Mind, um álbum com uma subtileza muito própria e contagiante e que marcou o ano discográfico de dois mil e dezoito, Orr dedicou-se a lançar alguns singles avulsos, através da editora independente canadiana Other Songs Music Co., uma etiqueta indie independente de Hamilton no Ontário, terra natal deste extraordinário músico e compositor.
Agora, em dois mil e vinte e três, Scott Orr está de regresso aos discos com um novo alinhamento de canções intitulado Horizon e que foi produzido pelo próprio Orr. É um disco intimista e aconchegante, feito com um delicioso naipe de canções que, num misto de folk e eletrónica de cariz eminentemente ambiental, nos embala e emociona.
A maioria das canções de Horizon são construídas à sombra de um borbulhante sintetizador, que vai recebendo diversos efeitos percussivos e outros arranjos inspirados, um modus operandi concebido com uma intimidade muito própria e contagiante. São pouco mais de vinte e cinco minutos minuciosamente concebidos e exemplarmente interpretados, onde a toada instrumental se entrelaça com o charme inconfundível da voz de um músico maduro e capaz de nos fazer despertar aquelas recordações que guardamos no canto mais recôndito do nosso íntimo e que em tempos nos proporcionaram momentos reais e concretos de verdadeira e sentida felicidade, ou, no sentido oposto, de angústia e depressão e a necessitarem de urgente exercicío de exorcização para que consigamos seguir em frente.
Orr é capaz de nos colocar a olhar o sol de frente com um enorme sorriso nos lábios, mas também desafia o nosso lado mais sombrio e os nossos maiores fantasmas no convite que nos endereça, muitas vezes, à consciência do estado atual do nosso lado mais carnal, ou no desarme total que torna inerte o lado mais humano do nosso peito, quando opta por uma toada mais realista e racional. Mesmo quando Scott Orr comete o pecado da gula e se liga um pouco mais à luminosidade, fá-lo com um açúcar muito próprio e um pulsar percurssivo particularmente emotivo e rico em sentimento, não deixando assim, em nenhum instante de Horizon, de ser eficaz na materialização concreta de melodias que vivem à sombra de uma herança natural claramente definida e que, na minha opinião, contém um estado superior de consciência e profundidade. Espero que aprecies a sugestão...
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Woods – Between The Past & White Winter Melody
Com uma dezena de discos no seu catálogo, os Woods são, claramente, uma verdadeira instituição do indie rock alternativo contemporâneo. De facto, esta banda norte americana oriunda do efervescente bairro de Brooklyn, bem no epicentro da cidade que nunca dorme e liderada pelo carismático cantor e compositor Jeremy Earl e pelo parceiro Jarvis Taveniere, aos quais se junta John Andrews, tem-nos habituado, tomo após tomo, a novas nuances relativamente aos trabalhos antecessores, aparentes inflexões sonoras que o grupo vai propondo à medida que publica um novo alinhamento de canções. E foi isso que sucedeu em dois mil e vinte com Strange To Explain, um álbum que, plasmando tais laivos de inedetismo, entroncou num fio condutor, com particular sentido criativo, enquanto abarcou todos os detalhes que o indie rock, na sua vertente mais pura e noise e a folk com um elevado pendor psicadélico permitem.
Agora, três anos depois desse espetacular registo que figurou na lista dos melhores álbuns de dois mil e vinte para a nossa redação, na décima nona posição, os Woods estão de regresso aos discos com Perennial, um alinhamento de onze canções que irá ver a luz do dai a quinze de setembro com a chancela da Woodsist. Perennial começou por ser incubado na mente de Jeremy e depois os esboços das canções foram aprefeiçoados por toda a banda na casa do músico em Nova Iorque e nos estúdios Panoramic House, sedeados em Marin County, a norte de São Francisco, na Califórnia.
Between The Past e White Winter Melody, a segunda e a quarta canção do alinhamento de Perennial, são os primeiros singles divulgados do registo. A primeira é uma belíssima composição nostálgica, solarenga e ecoante, com um elevado travo reflexivo e íntimo, adornado por cordas exemplarmente dedilhadas e uma bateria enleante. Já White Winter Melody é um delicioso intrumental que contém uma toada mais jazzística e subtilmente experimental. São duas composições que, simultaneamente, nos alegram e nos conduzem à introspeção e que nos mostram uma intenção clara de estabelecer um diálogo sonoro com o ouvinte que convide à reflexão, ao mesmo tempo que induzem uma sonoridade agradável, sorridente e o mais orgânica possível. Confere Between The Past e White Winter Melody e a tracklist de Perennial...
The Shed
Between The Past
Another Side
White Winter Melody
Sip Of Happiness
Little Black Flowers
Day Moving On
The Wind Again
Weep
Double Dream
Perennial
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Palace – When Everything Was Lost
Sedeados em Londres, os Palace deram-nos, no ano passado, um dos grandes momentos discográficos de dois mil e vinte e dois, encarnado em Shoals, um espetacular alinhamento de doze canções consumidas na esfera de um indie alt-rock expansivo e encharcado em emotividade, que encontrava fortes reminiscências no catálogo de nomes tão credenciados como os DIIV, Alt-J ou os Local Natives e que acabou por fazer parte, com toda a naturalidade, da nossa lista dos melhores álbuns desse ano.
Agora, em dois mil e vinte e três, e depois de uma aclamada digressão por terras de Sua Majestade, a banda londrina, que tem no centro das suas criações sonoras o inconfundível falsete de Leo Wyndham, o vocalista de um projeto ao qual se juntam Rupert Turner, Will Dorey e Matt Hodges, apresentou já algumas canções novas e, na sequência dessa sequência criativa, referiu, no passado mês de maio, que tinha na forja um novo EP, com edição prevista para muito em breve.
O novo EP dos Palace chama-se When Everything Was Lost e do seu alinhamento de quatro canções acaba de ser divulgado o tema homónimo, depois de há algumas semanas atrás termos dado aqui conta do conteúdo de All We've Ever Wanted e How Far We've Come, as duas canções que o quarteto há tinha lançado anteriormente este ano e que também irão fazer parte do registo.
When Everything Was Lost é a canção mais labiríntica e majestosa do catálogo conhecido dos Palace. Começa algo soturna, mas rapidamente ganha dimensão, através de um efeito ecoante de uma guitarra planante, que rapidamente ganha rudeza, para depois, também impressionando pelo falsete astuto e corajoso de Wyndham, encarnar um magnífico tratado de indie post-rock charmoso e sofisticado, com todo o arsenal instrumental presente a colocar os nossos sentidos num universo sonoro com um adn muito vincado e que encontra as reminiscências estruturais no melhor rock clássico dos anos oitenta. Confere...
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The Smile – Bending Hectic
Pouco mais de um ano depois de A Light For Attracting Attention, o disco de estreia do projeto The Smile que reúne Thom Yorke e Jonny Greenwood, o chamado núcleo duro dos Radiohead, com Tom Skinner, baterista do Sons of Kemet, a banda está de regresso aos lançamentos, desta vez em formato single, com uma composição intitulada Bending Hectic, que fez parte do alinhamento apresentado pelo trio em alguns dos seus concertos mais recentes.
Em oito minutos produzidos por Sam Petts-Davies (Red Hot Chili Peppers, Frank Ocean) e que contam com a participação irrepreensível de alguns membros da London Contemporary Orchestra, Bending Hectic oferece-nos uma fina e vigorosa interseção entre o melhor dos dois mundos, o do orgânico e o do sintético, numa composição exemplarmente burilada, bastante intrincada e que, começando por impressionar pela delicadeza do modo como as cordas são dedilhadas e a bateria se vai intrometendo sorrateiramente nesse registo, acaba por nos deixar boquiabertos pelo modo como violinos, guitarra e sintetizador adicionam diversas nuances, pormenores, sobreposições e encadeamentos, explodindo tudo, com rugosidade e eloquência, pelo sexto minuto, num resultado final que sendo indisfarçadamente labiríntico é também grandioso, comovente e catárquico. Confere...
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Beck – Odyssey (feat. Phoenix)
A prepararem uma digressão conjunta em agosto, intitulada Summer Odyssey e que terá nomes como Jenny Lewis, Japanese Breakfast, Weyes Blood e Sir Chloe, a fazer a primeira parte dos concertos, Beck Hansen e a banda francesa Phoenix, formada atualmente por Thomas Mars, Deck D'Arcy, Laurent Brancowitz e Christian Mazzalai, acabam de divulgar um novo single, creditado por ambos, intitulado Odyssey.
Produzida pelo próprio Beck e por Thomas Mars, o vocalista dos Phoenix e misturada por Serban Ghenea, Odissey é uma canção que está em simbiose com estes dias mais quentes, oferecendo-nos um festim de sintetizações cósicas e guitarras aguçadas, uma mescla que, exalando uma ímpar toada psicadélica e um apetitoso transe melódico, proporciona um inquestionável ambiente dançante humorístico. Confere...
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Albert Hammond Jr. – Melodies On Hiatus
Meia década após o excelente Francis Trouble, álbum que foi cuidadosamente dissecado por esta redação há exatamente cinco anos, Albert Hammond Jr., músico norte americano e uma das faces mais visíveis dos The Strokes, está de regresso aos discos com Melodies On Hiatus, o quinto e novo trabalho do artista, um alinhamento de dezanove canções masterizadas por Dave Cooley (Paramore, Spoon, Tame Impala) e misturadas por Tony Hoffer (Beck, Air, M83), que tem a chancela da Red Bull Records e que inclui nos seus créditos as participações especiais de nomes com o calibre de Matt Helders, baterista dos Arctic Monkeys, Rainsford, Matt Helders, GoldLink e Steve Stevens.
Com um faustoso alinhamento de quase vinte canções, como foi acima referido, Melodies On Hiatus é um buliçoso acervo sonoro que compila, com ímpar destreza, uma visão muito própria da situação atual daquele indie rock que contém um nada desprezável lado radiofónico, mas que, mesmo assim, gosta de se entrelaçar com alguns dos melhores tiques identitários do punk rock deste novo milénio.
Albert Hammond Jr. será, talvez, a face mais visível da imponente destreza melódica, que foi sempre imagem de marca dos The Strokes. E podendo, a solo, livre de constrangimentos, expressar sem rodeios e receios toda a sua criatividade, criou um disco coeso, maduro, orelhudo, impecavelmente adequado para estes dias mais quentes e que nos deixa facilmente com um sorrido de orelha a orelha.
O festim sintético, imbuido em intensa nostalgia, de Downtown Fred, a angulosa, rápida e aditiva Old Man, a subtil faceta strokiana de Darlin', o colorido neon pop que encharca Thoughtful Distress e a intensidade ímpar de Memo Of Hate são alguns dos instantes obrigatórios de um disco repleto de sons, tiques e detalhes disponíveis para a descoberta em audições sucessivas, um álbum que ensina que nunca é tarde para recomeçar e que os anos podem passar por um músico já com imensas provas dadas, mas o seu espírito pode manter-se amplamente jovial e criativo. Espero que aprecies a sugestão...
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Bombay Bicycle Club – My Big Day
Três anos depois de Everything Else Has Gone Wrong, os Bombay Bicycle Club de Jack Steadman, Jamye MacCol, Suren de Saram e Ed Nash, estão de regresso aos discos com My Big Day, o sexto registo de originais do quarteto, um alinhamento de onze canções com data prevista de lançamento para vinte de outubro e que conta com as participações especiais de nomes como Damon Albarn, Jay Som, Nilüfer Yania, Holly Humberstone, entre outros.
My Big Day foi produzido pelo próprio Jack Steadman nos The Church Studios em Londres e o primeiro single retirado deste novo álbum do projeto de Crouch End, nos arredores da capital britânica, é o tema homónimo. My Big Day é uma curiosa e efervescente canção, assente na habitual filosofia sonora dos Bombay Bicycle Club que, dando também primazia ao baixo e às guitarras, sobrevive cada vez mais à sombra da omnipresença do sintetizador, nomeadamente nos arranjos melódicos, criando, desse modo, sagazes interseções entre rock e eletrónica. Confere My Big Day e a tracklist do disco...
01. Just a Little More Time
02. I Want to Be Your Only Pet
03. Sleepless (feat. Jay Som)
04. My Big Day
05. Turn the World On
06. Meditate (feat. Nilüfer Yanya)
07. Rural Radio Predicts The Rapture
08. Heaven (feat. Damon Albarn)
09. Tekken 2
10. Diving (feat. Holly Humberstone)
11. Onward
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Allah-Las – The Stuff & Zuma 85
Quase quatro anos depois de Lahs, já tem sucessor esse disco que os norte americanos Allah-Las de Miles Michaud, Pedrum Siadatian, Spencer Dunham e Matt Correia lançaram em outubro de dois mil e dezanove e que, na altura, sucedeu ao fantástico álbum Calico Review que, em dois mil e dezasseis, colocou este quarteto de Los Angeles no nosso radar. Zuma 85 é o título do novo trabalho dos Allah--Las, um alinhamento de treze canções que vai ver a luz do dia a treze de outubro, com a chancela da Calico Discos, a editora do grupo.
Do alinhamento de Zuma 85 é já possível ecutar The Stuff, o tema que abre o disco e a canção homónima. The Stuff assenta numa vibrante guitarra elétrica de forte vibe sessentista e num registo percussivo de ímpar acusticidade, apostando, ao nivel dos arranjos, numa charmosa toada eletrónica, onde não faltam diversas robotizações, quer vocais, quer nas cordas, uma opção algo inédita num grupo que sempre apostou numa espécie de súmula de um indie surf rock com uma indesmentível vibe tropical, com a típica psicadelia lo-fi. Já Zuma 85, o tema homónimo, é um instrumental em que uma bateria hipnótica sustenta uma guitarra com um timbre metálico ecoante que se esparaia preguiçosamente com complacência e com um pendor jazzístico e experimental deliciosos. Confere...
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Jonathan Wilson – Charlie Parker
O aclamado produtor norte-americano Jonathan Wilson que, conforme demos conta na primavera de dois mil e vinte dois, ajudou Father John Misty a dar mais uma guinada conceptual e até sonora no seu catálogo, ao produzir Chloë And The Next 20th Century, tem uma reputadíssima carreira de produtor, tendo também, à semelhança do que fez com Misty, produzido discos de Angel Olsen, Margo Price e muitos outros. Além disso, é também vocalista e guitarrista da banda de Roger Waters. Importa ainda referir que Wilson tem uma curiosa carreira musical interpretativa, primeiro como membro integrante do projeto Muscadine, que fez furor no final do século passado e depois, a partir de dois mil e sete, a solo, uma fase individual criativa que viu o seu último capítulo em dois mil e vinte com o disco Dixie Blur.
Em dois mil e vinte e três Jonathan Wilson vai adicionar mais um compêndio ao seu catálogo a solo à boleia de Eat The Worm, um álbum com treze canções, anunciado em março último, quando Wilson divulgou Marzipan, o primeiro single extraído de um registo que irá chegar aos escaparates no início de setembro, com a chancela da BMG. Agora chega a vez de contemplarmos o segundo single extraído de Eat The Worm, um tema intitulado Charlie Parker. É um fabuloso tratado sonoro, tremendamente cinematográfico, que materializa uma espécie de colagem de vários trechos díspares numa única composição, enquanto abraça um elevado leque de influências que vão do jazz à folk, passando pelo rock psicadélico e progressivo. É um tema que impressiona pela vasta diversidade instrumental, repleta de metais e cordas e um piano exemplar, uma canção que Wilson descreve como um voo fantástico e fictício de fantasia, acrescentando que é inspirada em experiências em Boston nos anos oitenta, na Carolina do Norte no início dos anos noventa e num festival de jazz europeu no início do século, além de abordar os altos e baixos da sua vida na última década como músico em constante digressão. O vídeo do tema é assinado pela artista Andrea Nakhla, esposa de Jonathan Wilson e usa a tecnologia de inteligência artificial de difusão estável. Confere Charlie Parker e o alinhamento de Eat The Worm...
Marzipan
Bonamossa
Ol’ Father Time
Hollywood Vape
The Village Is Dead
Wim Hof
Lo And Behold
Charlie Parker
Hey Love
Stud Ram(vinyl exclusive)
B.F.F.
East LA
Ridin’ In A Jag
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Sigur Rós - ÁTTA
Os islandeses Sigur Rós são provavelmente os maiores responsáveis pela geração a que pertenço se ter aproximado da música erudita ou de quaisquer outras formas de experimentação e de estranhos diálogos que possam existir dentro do campo musical. Ultimamente viviam numa espécie de hiato, pelo menos como banda, mas, finalmente, onze anos depois de Valtari, estão de regresso aos discos com ÁTTA, o oitavo disco do projeto, um alinhamento de dez canções produzido por Paul Corley e que é, de acordo com a própria banda, o trabalho mais emotivo e íntimo de todos os álbuns que já compuseram.
Gravado em diferentes estúdios espalhados por vários continentes, em Abbey Road (Londres), no estúdio da banda em Sundlaugin e em diversos estúdios nos Estados Unidos da América, ÁTTA (que significa oito em islandês) é simultaneamente estranho e familiar para quem conhece e ouve afincadamente esta banda há aproximadamente duas décadas, algo que não é, diga-se, inédito numa projeto que logo desde Von, o primeiro álbum, se concentrou na produção de discos que, mesmo próximos, organizam-se e funcionam de modo distinto. O resultado final é uma discografia que se renova, capítulo após capítulo, acabando sempre por partilhar um novo sentimento ou proposta, ao mesmo tempo que utiliza uma fórmula básica, mas riquíssima, que serve de combustível a cada novo catálogo. E esse combustível parece-nos ser, mais do que o modus operandi, uma necessidade intensa que este trio tem de, com generosidade, convicção, impressionismo e patriotismo, plasmar a sua visão física e espiritual relativamente ao país de origem e, a partir daí, do mundo que os rodeia e no qual, por acaso, também, vivemos.
ÁTTA é, portanto, um novo marco e um passo em frente, seguro e maduro, na discografia dos Sigur Rós. Em quase uma hora, o trio avança, talvez definitivamente, rumo à musica de cariz mais clássico e erudito, deixado para trás as guitarras inflamadas em agrestes distorções e uma imponência percurssiva, tantas vezes inigualável, que só o baterista Orri Páll Dýrason sabia como replicar, para se deleitar com um manuseamento tremendamente delicado, despudoradamente calculado e indisfarçadamente belo, do sintético, mesmo se trombones, violinos, harpas ou trompetes continuem a fazer parte da equação, exemplarmente tocados, na sua maioria, pela orquestra contemporânea de Londres. No entanto, é curioso o modo como mesmo através desta guinada conceptual e interpretativa, os Sigur Rós continuam a manter intacto aquele adn muito próprio e único que nos transporta sempre para a típica paisagem vulcânica islandesa, fria e inóspita, já que, à semelhança da restante discografia do trio, este alinhamento é para ser escutado como um único bloco de som, compacto, hermético e aparentemente minimalista, mas rico em detalhes, experiências, nuances e paisagens, como é, num obrigatório e feliz paralelismo, um país tão belo, intrigante e rico como a Islândia.
ÁTTA é, então, um deleite de sons com forte inspiração em elementos paisagísticos, uma imagem de marca Sigur Rós em que a pouca acusticidade orgânica que ainda subsiste, entrelaça-se com texturas eletrónicas particularmente intrincadas, que conjuram entre si, muitas vezes de modo quase impercetível, para incubar melodias com uma beleza sonora que nos deixa muitas vezes boquiabertos. O disco avança, música após música, e dificilmente nos apercebemos de quando começa um tema e acaba outro. Os momentos de (quase) silêncio abundam e mesmo esses são detalhísticamente muito ricos. A ímpar delicadeza comovente que nos submerge em Glóð, o manancial sintético com poderes encantatórios que sustenta Blóðberg, enquanto convida o nosso âmago a dar primazia aos nossos sonhos em detrimento da velocidade vertiginosa em que todos vivemos e que Skel também ajuda, qual ABS em forma de orquestra, a abrandar, a suprema espiritualidade que exala de Mór, a pura adrenalina soporífera que nos injeta com pó de ignimbrite em Andrá e, principalmente, o modo como Klettur nos eleva à categoria de protagonistas e de seres escolhidos para a condução até ao caminho maior, deste mundo que nos foi oferecido, por geração espontânea ou por obra do divino, não se sabe muito bem, mas que estando ainda escondido no fundo de um lago gelado que se formou há milhares de anos nas profundezas de uma escura, mas intacta e nunca explorada caverna e de onde nunca saiu, agora explode, finalmente, rumo ao espaço celestial, ao som desta imponente canção, são instantes obrigatórios de um álbum que, mesmo tendo trechos sonoros que sabem a tormento e a desolação e que são impossíveis de ignorar, até por causa da beleza dos mesmos, quer queiramos, quer não, facilmente mexe com todos os nossos sentidos, nos arrepia e nos dá momentos momentâneos de pura felicidade!
ÁTTA surpreende todos aqueles que consideravam que este trio formado por Kjartan Sveinsson, Jónsi e Georg Holm já não teria capacidade de criar alinhamentos conceptualmente tão portentosos como Ágætis Byrjun ou Takk. Mas, imensamente mais importante que isso, é um regresso feliz dos Sigur Rós à boa forma e mostra que a espera de mais de uma década valeu bem a pena. ÁTTA vale, reforço uma vez mais, pelo todo e a audição individual de uma única canção, descontextualiza-o, até porque cria ao nosso redor, instantaneamente, uma espécie de névoa celestial. Como é apanágio dos Sigur Rós, cada ouvinte é livre para absorver o seu conteúdo do modo que mais lhe convier. Pessoalmente, ÁTTA soube-me, na dúzia de vezes que já ouvi o disco nos últimos quatro dias, a uma expressão sublime de contradições e a uma materialização assustadoramente real do modo como a sagacidade de três mentes inspiradas consegue feitos únicos e inolvidáveis, demonstrando que é possível a convivência saudável entre ordem e caos, amor e ódio, paz e guerra, presença e ausência, neste mundo tão agreste e cinzento em que vivemos e que a própria capa do registo quer, de algum modo, fazer-nos recordar. O perigo em que vivemos é tal nos dias de hoje, que até uma das obras mais sublimes da natureza, o arco-íris, sendo confiada nas nossas mãos, corre o risco de se incendiar. Espero que aprecies a sugestão...