man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Noiserv – Uma Palavra Começada Por N
Uma das mentes mais brilhantes e inspiradas da música nacional e um dos artistas queridos da nossa redação chama-se David Santos e assina a sua música como Noiserv. Vindo de Lisboa, Noiserv tem na sua bagagem um já volumoso compêndio de canções, que começaram a ser inscritas nos EPs 56010-92 e A Day in the Day of the Days, estando o âmago da sua criação artística nos álbuns One Hundred Miles from Thoughtless e Almost Visible Orchestra, adocicados pelo DVD Everything Should Be Perfect Even if no One's There. No outono de dois mil e dezasseis a carreira do músico ganhou um novo impulso com um trabalho intitulado 00:00:00:00, incubado quase de modo espontâneo e sem aviso prévio, mas que se tornou, justificadamente, mais um verdadeiro marco numa já assinalável discografia, ímpar no cenário musical nacional. Agora, quatro anos depois dessa pérola debitada quase integralmente nas teclas de um piano, Noiserv regressa com Uma Palavra Começada Por N, onze lindíssimas composições que, em pouco mais de meia hora, nos oferecem um David Santos de regresso a territórios sonoros mais intrincados, subtis e diversificados, com o registo, no seu todo, a proporcionar-nos um banquete intenso e criativo e a impressionar pelo modo como diferentes naunces, detalhes e samples se entrelaçam quase sempre com uma base melódica algo hipnótica, mas extremamente doce e colorida.
Gravado no no seu novo estúdio A Loja e com alguns dos temas a terem já direito a excelentes vídeos que resultam de uma colaboração com os leirienses Casota Collective, Uma Palavra Começada Por N marca também o regresso de Noiserv à língua de Camões, nomeadamente no modo como se serve da mesma como elemento estético fundamental das suas canções. De facto, a excelência melódica que faz já parte do adn deste músico e compositor lisboeta é aqui exemplarmente acompanhada por inquietantes letras que, sendo devidamente esmiuçadas, gostam de nos deixar no limbo entre o sonho feito com a interiorização da cor e da alegria sincera que as coisas mais simples desta vida nos podem proporcionar e a realidade às vezes tão crua, porque temos sempre a tendência natural para a complicar, um detalhe que ele soube, de novo, tão bem descrever, por exemplo, nas estrofes de Picotado (Regressa sempre em pressa, só por estar, Mas volta nessa vida torta, uma dança pouco solta, Picotado até lugar nenhum, Sempre só, sempre), ou de Neste Andar (As portas passavam sempre aos pares, Enquanto eu, só, encenei tudo, encenei tudo), apenas dois de vários outros exemplos que eu poderia trazer à baila para justificar esta minha opinião.
Mas há outras conclusões que são possíveis de extraír deste registo, além do notável avanço que o mesmo expressa relativamente à performance do autor como poeta e escritor e que, além das duas canções citadas, também em temas como Eram 27 Metros De Salto ou Neutro atinge picos de excelência. Olhando agora para a vertente sonora do alinhamento de Uma Palavra Começada Por N, uma das notas mais evidentes é que este músico e produtor, que ao longo da carreira tem açambarcado para a sua bagagem mental, com indelével e vincado carimbo, imensa herança sonora da vasta míriade de latitudes audíveis na indie contemporânea, desde, principalmente, o estupendo Almost Visible Orchestra (2013), um trabalho laborioso de lapidação, detalhe, delicadeza e refinamento, que alcancou, três anos depois, laivos de excelência através das burilações exacerbadas que sustentaram as sequências ao piano de 00:00:00:00 (2016), agora alargou os seus horizontes, com superior mestria. Uma Palavra Começada Por N estabelece pontes entre aquilo que é definido como o orgânico e o acústico com o universo que geralmente carateriza aquela eletrónica de cariz mais ambiental, uma simbiose também sempre patente nas suas atuações ao vivo, em que é cada maior e mais intrincada a pafernália instrumental que o rodeia. De facto, este trabalho parece querer mostrar que Noiserv não receia minimamente que as suas criações possam depender, mais do que nunca, de todo um vasto catálogo de ligações de fios e transistores que debitam um infinito catálogo de sons e díspares referências, nem de encontrar o seu espaço particular dentro da vanguarda eletrónica que define muita da música atual, porque, ao mesmo tempo e também sossegando de algum modo os mais seus seguidores mais puristas, o disco está também repleto de momentos em que são as cordas e o piano quem ditam as regras e sobem ao trono sagrado no arquétipo sonoro desses mesmos instantes.
Assim, se no início algo subversivo, imersivo e singular de < i >, relativamente à herança de Noiserv, se percebe que em Uma Palavra Começada Por N pouco ou nada do que vamos escutar será facilmente comparável ao que já conferimos deste artista anteriormente, o crescente teclado hipnótico, a percurssão frenética e as delicadas inserções vocais que conduzem a já referida Eram 27 Metros De Salto, o majestoso clima borbulhante de Meio, assim como a indescritível montanha-russa de flashes, efeitos e interseções que se vão sobrepondo em Mas e que criam laços indeléveis com as cordas em Parou, amplificam tal audácia progressiva e fazem-no, ainda por cima, de modo profundamente emotivo e cinematográfico. Noiserv mostra-se, logo nesta primeira metade do disco, um genuíno e incomparável manipulador do sintético, um génio inventivo que converte tudo aquilo que poderia ser compreendido por uma maioria de ouvintes como meros ruídos, em produções volumosas e intencionalmente orientadas para algo épico, mesmo que a tal nuvem minimal, nunca o traia, porque não fica. em nenhum instante, para trás.
No entanto, a partir daí, na pueril melancolia afetiva a que sabe o piano que nos embala em Picotado, uma das canções mais bonitas de dois mil e vinte, no doce e tocante travo de Neste Andar e no arrojado psicadelismo das cordas que inflamam o manto sintético que abraça Neutro, percebemos que Noiserv mantém sempre, na tal interessante dicotomia em que agora subsiste e que é única no cenário alternativo nacional, um intenso charme, induzido por uma filosofia interpretativa que, mesmo tendo por trás um infinito arsenal instrumental, nunca abandona aquele travo minimalista, pueril, orgânico e meditativo que carateriza o cardápio sonoro deste músico único.
Em suma, não tendo qualquer tipo de preocupação explícita por compôr de modo particularmente comercial e acessível, o que desde logo é um enorme elogio que pode ser feito em relação a este autor, Noiserv deixa-se apropriar de todo o arsenal tecnológico que permite que seja colocado à sua disposição e torna-se ele próprio parte integrante do mesmo que, abraçando o músico, consome-o e dele se apropria. É por Noiserv não ter medo de se deixar enlear e possuir pelas opções instrumentais que toma, que as suas canções ganham a alma e o elo de ligação com a humanidade, que as carateriza, um desejo ardente que sempre o conduziu artisticamente, até porque, em entrevista dada ao nosso blogue há já sete anos, na ressaca de Almost Visible Orchestra, Noiserv confessou-nos que tem como único desejo que as suas músicas possam um dia fazer parte da vida de quem as ouve. O rumo evolutivo que o músico resolveu seguir em Uma Palavra Começada Por N, mostra que está, definitivamente, no bom caminho para atingir esse seu ardente desejo pessoal, suportado em músicas que, além de serem uma intensa fonte de prazer sonoro, têm cheiro, cor e sabor únicos no cenário musical alternativo atual. Espero que aprecies a sugestão...
01. < i >
02. Eram 27 Metros De salto
03. Mas
04. Parou
05. Meio
06. Picotado
07. Neste Andar
08. Neutro
09. Sem Tempo
10. Por Arrasto
11. Sempre Rente Ao Chão