man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
The Flaming Lips – American Head
Ninguém no seu perfeito juízo duvida que os The Flaming Lips, uma banda norte-americana natural de Oklahoma, são um dos projetos sonoros mais curiosos e animados da cultura musical contemporânea. Há quase três décadas que gravitam em torno de diferentes conceitos sonoros e diversas esferas musicais e em cada novo disco reinventam-se e quase que se transformam num novo projeto. Tal sucede porque foram sempre uma banda cheia de ideias e com uma agenda de lançamentos bastante preenchida, principalmente depois de Oczy Mlody, o trabalho que este coletivo liderado pelo inimitável Wayne Coyne lançou há pouco mais de três anos e que nos ofereceu uma verdadeira orgia lisérgica de sons e ruídos etéreos que os orientaram, em simultâneo, para duas direções aparentemente opostas, a indie pop etérea e psicadélica e o rock experimental. A partir daí, o ritmo acelerou sempre e, felizmente, parece não se vislumbrar o último capítulo de uma saga alimentada também por histórias complexas (Yoshimi Battles the Pink Robots), sentimentos (The Soft Bulletin), experimentações únicas (Zaireeka) e ruídos inimitáveis (The Terror). De facto, ultimamente não tem sido fácil perceber, com clareza, que rumo concreto quer a banda dar ao seu percurso discográfico e o truque parece ser mesmo navegar ao sabor da corrente criativa dos seus membros e fazê-lo de modo (aparentemente) anárquico.
Assim, e tomando apenas como ponto de partida o histórico mais recente do projeto, se no verão de dois mil e dezoito revisitaram, numa edição de luxo de três tomos intitulada Greatest Hits, todo o catálogo dos The Flaming Lips na Warner Brothers, não só os singles e temas mais conhecidos do grupo mas também alguns lados b, versões demo e temas que nunca foram gravados, nem um ano depois já tinham nos escaparates King's Mouth, um registo conceptual de doze canções baseado no estúdio de arte com este nome que a banda de Oklahoma abriu há quatro anos e que tem com uma das principais atrações que os visitantes podem usufruir, um espetáculo de luzes LED de sete minutos que falam de um rei gigante bebé que quando cresceu fê-lo de tal modo que sugou para dentro da sua enorme cabeça todas as auroras boreais. Logo de seguida, pouco antes do último Natal, revelaram The Soft Bulletin: Recorded Live At Red Rocks With The Colorado Symphony Orchestra, mais doze canções que se assumiram como o primeiro tomo ao vivo da banda de Oklahoma, um trabalho que contou com a participação especial de cento e vinte e cinco elementos da Colorado Symphony Orchestra, conduzidos pelo maestro Andre De Ridder, sessenta e oito instrumentistas e cinquenta e sete cantores e que reproduziu o alinhamento de The Soft Bulletin, a obra-prima dos The Flaming Lips, com vinte anos de vida.
Sem pausas, já neste ano de dois mil e vinte participaram numa das colaborações mais inusitadas do universo sonoro indie e alternativo, dando as mãos ao projeto californiano Deap Vally, da dupla Lindsey Troy e Julie Edwards. O resultado final da equação, ainda fresco na memória e no ouvido, chamou-se Dead Lips e materializou-se com um disco homónimo que fundiu com elevado grau criativo o universo psicadélico unicorniano dos The Flaming Lips e o rock puro e simples das Deap Vally.
Agora, quase no ocaso deste verão, os The Flaming Lips voltam à carga com American Head, a visão pura, crua e dura, apartidária, sem preconceitos e amiúde até irónica de uma América que vive uma contemporaneidade algo perigosa, fraturada em dois extremos dominantes, espartilhada por um vírus que não tem sido fácil de lidar nesse vasto território e ensaguentada de traumas e males raciais, assentes numa sequência nada feliz de décadas e até de séculos de casos mal resolvidos, que remontam ao período da escravatura, o grande motivo da Guerra Civil que o país viveu há pouco mais de duzentos anos e que deixou fantasmas ainda a pairar. E fê-lo, sonoramente, ampliando a dose de arrojo que tem caraterizado, como já referi, a carreira dos The Flaming Lips, espeditos a rejeitar todas as referências normais do que compreendemos por música, um pouco em contraciclo com uma imensidão de projetos que, com a massificação das formas de divulgação e audição, insistem em colocar a vertente mais comercial na ordem do dia.
De facto, é nas raízes mais profundas e puras do rock tradicional americano que American Head entronca. Desiludido com o seu país, Coyne resolveu colocar na primeira linha do novo álbum da sua banda, aquilo que a América ainda tem de melhor, a sua herança sonora, inigualável no cenário indie e alternativo contemporâneo, mesmo que seja em terras de sua Majestade que estão as raízes de alguns dos melhores projetos de sempre da história da música, vários, como é o caso dos The Beatles, referências incontornáveis dos The Flaming Lips. Logo na soul da guitarra e na vibração luminosa e sentida das cordas que conduzem Will You Return / When You Come Down, temos esse travo tipicamente mojave, que o lindíssimo tema Flowers Of Neptune 6, ainda mais evidencia, nomeadamente na luminosa acusticidade das teclas e das cordas, conjugadas com uma ímpar grandiosidade psicadélica e induzidas por um registo percurssivo heterogéneo, onde abunda uma vasta miriade de efeitos e detalhes. Entretanto, Watching The Lightbugs Glow, confere ao registo aquela faceta mais pop e climática que também é rainha nesse lado do hemisfério norte, um verdadeiro tratado de sentimentalismo latente e pura melancolia, uma canção que nos embarca numa viagem lisérgica ímpar, uma daquelas canções que subjuga momentaneamente qualquer atribulação que no instante da audição nos apoquente.
Este início esplendoroso de American Head faz logo o ouvinte sentir que houve da parte deste grupo uma forma magnífica de darem a volta por cima à tristeza que certamente os invade devido aquilo que vão observando diariamente em redor e fizeram-no, arrisco, até com uma certa dose de ironia, como se aquela sensação depressiva que as canções possuem e que lhes confere, por acaso, grande parte da sua beleza, fosse canalizada para a ironia e para o sarcasmo. A confessional Mother I've Taken LSD, uma canção que contém o clássico arquétipo majestoso que sempre marcou os The Flaming Lips, será talvez o exemplo mais impressivo dessa estratégia libertadora, mas o oásis psicadélico de Dinosaurs On The Mountain, a bonomia complacente da lindíssima balada You N Me Sellin’ Weed, o travo beatleiano do piano que conduz Mother Please Don’t Be Sad, a canção mais estrondosa do álbum e a pueril e etérea, mas riquíssima de detalhes e, por isso, enganadoramente minimal At The Moovies On Quaaludes, são outros temas que nos relatam vidas inocentes mas gloriosas, alienadas e ingenuamente heróicas, aparentemente bem resolvidas, vidas com futuro e potencialmente inundadas em epicidade e alegria, mesmo sendo vividas no meio do caos e da anarquia.
Disco cinematográfico porque inventaria de certo modo tudo aquilo que faz parte da realidade de um normal cidadão americano nos dias de hoje, independentemente do lado da barricada em se encontre e explicitamente aberto aquele experimentalismo tão caro aos The Flaming Lips, mas sem colocar em causa a própria integridade sonora do registo ou descurar a essência inicialmente pretendida para o mesmo, American Head mostra que até é possível ser-se feliz nesse estranho país onde raramente existe algo que pareça aquilo que realmente é. E estas treze canções não fogem a essa impressão firme da aparência, porque se forem analisadas e escutadas com a devoção que merecem, são muito mais otimistas e reluzentes do que aquilo que à primeira audição parecem. Sendo atingido esse efeito no ouvinte, então elas têm tudo para nos fazer acreditar numa posterior redenção e na esperança numa américa melhor e com potencial para renascer em algo melhor. Seja como for, e independentemente da obtenção desse desiderato, não há como negar que este extraordinário registo é mais uma prova da abrangência anteriormente descrita que os The Flaming Lips transportam no seu adn e solidifica a habitual estratégia da banda de construir alinhamentos de vários temas que funcionem como uma espécie de tratado de natureza hermética, onde esse bloco de composições não é mais do partes de uma só canção de enormes proporções, num resultado final que ilustra na perfeição o cariz poético de um grupo ao mesmo tempo próximo e distante da nossa realidade e sempre capaz de atrair quem se predispõe a tentar entendê-los para cenários complexos, mas repletos de sensações únicas que só eles conseguem transmitir. Espero que aprecies a sugestão...
01. Will You Return / When You Come Down (Feat. Micah Nelson)
02. Watching The Lightbugs Glow
03. Flowers Of Neptune 6
04. Dinosaurs On The Mountain
05. At the Movies On Quaaludes
06. Mother I’ve Taken LSD
07. Brother Eye
08. You N Me Sellin’ Weed
09. Mother Please Don’t Be Sad
10. When We Die When We’re High
11. Assassins Of Youth
12. God And The Policeman (Feat. Kacey Musgraves)
13. My Religion Is You