man on the moon
music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Sondre Lerche – You Are Not Who I Thought I Was
Sondre Lerche é um músico, cantor e compositor norueguês que vive em Brooklyn, Nova Iorque e que também se tem notabilizado pela composição de bandas sonoras, além do seu trabalho a solo. Impressionou esta redação há uma meia década com Please, um disco que apostava numa pop que entre o nostálgico e o esplendoroso, tinha algo de profundamente dramático e atrativo. Eram dez músicas diversificadas e acessíveis, repletas de melodias orelhudas e que, tendo sido alvo de uma produção aberta e notoriamente inspirada, proporcionavam uma festa pop, psicadélica e sensual.
Agora, em dois mil e vinte, Sondre Lerche está de regresso aos discos com Patience, um registo que chegará aos escaparates a cinco de junho próximo à boleia do selo PLZ. You Are Not Who I Thought I Was é o primeiro single divulgado do alinhamento deste novo registo do músico norueguês, uma composição com um ambiente de festa bem vincado, assente em sons inteligentes e solidamente construídos, que nos emergem num universo carregado de batidas e ritmos que não deixam de exalar um certo erotismo. Confere...
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Dela Marmy - Captured Fantasy EP
Com um passado relevante no projeto The Happy Mess, Joana Sequeira Duarte aposta agora numa carreira a solo e assina o projeto Dela Marmy. Estreou-se o ano passado com a edição dos singles Empty Place, Stellar, Mari Wolf e Secretly Here, uma coleção de canções que viria a resultar num EP homónimo. Dela Marmy foi editado à boleia da KPRecords*KillPerfection, um alinhamento já com sucessor e no mesmo formato. Captured Fantasy é o novo EP da cantora, tem também a chancela também da KPRecords*KillPerfection e viu a luz do dia a vinte e sete de março último.
Captured Fantasy contém cinco canções e foi produzido pelo experiente produtor inglês Charlie Francis, uma opção que conferiu uma maior maturidade e consistência ao cardápio da autora, sem colocar em causa a puerilidade intrínseca à sua filosofia sonora. O EP também conta com as colaborações especiais da escritora e poetisa Raquel Serejo Martins, que credita a letra de Flying Fishes e o lyricist galês TYTUN que participa no introspetivo tema Take Me Back Home. Os músicos que acompanharam Dela Marmy em estúdio foram Vasco Magalhães (bateria), Tiago Brito, Steven Goundrey (guitarras) e o próprio Francis (baixo).
Cada composição do EP Captured Fantasy é uma pequena viagem que nos pede tempo, num resultado final tremendamente detalhístico, porque atenta às pequenas coisas, às pequenas histórias e ao marginal, um paradoxal compêndio de canções, já que todo este intimismo acaba por ter uma universalidade muito própria, visto ser um alinhamento passível de ser apropriado por qualquer comum mortal, que com o seu conteúdo facimente se identificará.
Assim, do notável festim sintético que adorna a guitarra planante que sustenta Flying Fishes, até ao delicioso charme contemplativo que nos proporciona a romântica Take Me Back Home, passando pelo travo pop muito peculiar de Not Real, arquitetado por uma trama instrumental onde é subtil a fronteira entre o orgânico e o sintético, numa canção pulsante, épica, incisiva e particularmente etérea, são vários os momentos deliciosos de um EP cujo birlhantismo é rematado por um registo vocal ecoante que confere ao alinhamento, no seu todo, um charme intenso e tipicamente feminino, como, aliás, convém. Espero que aprecies a sugestão...
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Young Knives – Sheep Tick
Tendo iniciado a carreira discográfica com Voices Of Animals And Men e depois Superabundance, os Young Knives dos irmãos Henry e Thomas Dartnall, aos quais se juntou Oliver Askew, obtiveram rapidamente uma boa reputação e um interessante sucesso comercial de vendas. Depois, em dois mil e onze, com Ornaments From The Silver Arcade, chegaram ainda mais longe na divulgação da sua música, mudaram um pouco o seu som, dando-lhe uma componente mais soul, introduziram novos instrumentos no processo de gravação, contaram com o reputado produtor Nick Launay e alguns músicos, cantores e percussionistas e, através desse trabalho, plasmaram o gosto pelo experimentalismo e pela chamada música de dança. O resultado foi uma míriade de sonoridades, assentes no punk, mas com pinceladas de groove, house, soul, jazz e até alguma eletrónica.
O passo seguinte deu-se quase no ocaso de dois mil e treze, com um trabalho dinâmico e cheio de pequenas surpresas chama-do Sick Octave, álbum que na altura nos propôs uma viagem intensa por diversas sonoridades, climas, emoções e inspirações, um alinhamento de treze temas pensado e desenvolvido numa atmosfera de total liberdade criativa, lançado pelos Young Knives de modo independente, com os próprios recursos financeiros do grupo e sem reportar fosse a quem fosse o andamento do trabalho e o conteúdo sonoro do mesmo.
Depois deste excelente registo os Young Knives ficaram um pouco fora de cena, mas parecem dispostos a voltar a ribalta em dois mil e vinte com um novo trabalho discográfico, que será o quinto da carreira do projeto, uma intenção revelada juntamente com Sheep Tick, o primeiro single desse disco ainda sem nome revelado. A canção é um portento sonoro que mescla algumas das traves mestras da melhor pop contemporânea de raízes eminentemente sintéticas com o indie rock, comercial, pincelado com deliciosos detalhes típicos do punk e do krautrock, num resultado final claramente glorioso e que nos deixa de apetite aguçado para as próximas cenas deste espetacular acordar dos Young Knives. Confere...
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STRFKR – Budapest (Feat. Shy Boys)
Não é assim tão incomum quanto isso encontrar quem ache que os STRFKR de Josh Hodges são a maior banda de todos os tempos. De facto, esta banda norte-americana, natural de Portland, no Oregon, é mestre a transmitir boas vibrações e tem uma inclinação para a beleza que é, quanto a mim, inquestionável. É impressionante a sua capacidade de criar composições que oferecem êxtase às pistas de dança, mas também de proporcionar instantes sonoros contemplativos que, escutados, por exemplo, numa estufa de plantas, tornam-se no adubo ideal para as fazer crescer. Aliás, não será assim tão absurdo quanto isso, acreditar que aquela new wave de forte intensidade e que num misto de nostalgia e contemporaneidade, baliza o catálogo dos STRFKR, foi pensada por Hodges, o grande cérebro criativo do projeto, para o cultivo de sementes.
Assim, alegremo-nos todos e acreditemos piamente que a paz será de novo restaurada nos vales, as vacas voltarão a ser felizes e as águas serão purificadas, porque os STRFKR acabam de nos garantir um futuro mais feliz com o lançamento de mais uma nova canção, a terceira em qusse um mês, intitulada Budapest, mais um sinal de vida do grupo depois do fabuloso registo Being No One, Going Nowhere (2016). Recordo que no início do mês os STRFKR já nos tinham oferecido Never the Same, canção assente numa batida hipnótica, um delicioso efeito planante, cordas vibrantes e sintetizações cósmicas, de forma surpreendente e mágica, enquanto fala de um indivíduo com olhos castanhos iguais aos olhos da sua mãe e depois veio Deep Dream, canção que resultou de um espetacular brainstorming entre Hodges e dois músicos holandeses, Mathias Janmat e David Hoogerheide, um devaneio psicadélico, com uma acentuda vibe setentista, em que diversas texturas orgânicas, orientadas por uma guitarra ecoante e sintéticas, conduzidas por uma sintetizador repleto de efeitos cósmicos se entrecruzam entre si e dividem o protagonismo no andamento melódico e estilístico da canção. Agora chega a vez de nos deliciarmos com Budapest, majestosa e vibrante composição, assente num efeito metálico da guitarra delicioso e que conta com a participação especial vocal dos também norte- americanos Shy Boys, dos irmãos Collin Rausch e Kyle Rausch, um coletivo de Kansas City, no Missouri, que deu um travo mais angelical e solarengo ao típico charme lo fi radiante dos STRFKR.
Este novo tema dos STRFKR não traz, à imagem dos dois anteriores, a companhia de anúncio de um novo álbum do grupo para dois mil e vinte, mas já começa a ser fácil perceber que essa será, claramente, uma realidade incontornável e que se tal suceder os STRFKR figurarão incontestavelmente nos lugares cimeiros das listas dos melhores discos deste ano. Confere...
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Grouplove – Healer
Terminou a espera e já viu a luz do dia o sucessor do excelente registo Big Mess que os norte-americanos Grouplove de Hannah Hooper e Christian Zucconi, editaram em dois mil e dezasseis. O novo registo dos Grouplove chama-se Healer e contém onze canções com a chancela da Canvasback, muito marcadas pelo problema de saúde que Hannah Hooper teve de enfrentar durante este interregno, já que foi diagnosticada com uma mal-formação no cérebro e teve de ser internada durante um longo período, suficiente para a fazer olhar para o mundo em redor e para a sua própria existência de um modo mais profundo e racional do que o habitual.
Healer é, antes de mais e no seu todo, um portento de luz, cor e festa, um alinhamento que traduz na perfeição o sol da California que diariamente banha os Grouplove e que Dave Sitek (TV On The Radio, Yeah Yeah Yeahs, Weezer), produtor do registo, soube captar, aprimorar e burilar no seu estúdio em El Paso, no Texas. Logo em Deleter, em teclas abrasivas, linhas de guitarras estridentes e uma bateria extremamente rápida, fica plasmado uma espécie de grito de libertação de um período negro e uma abertura escancarada de portas para o interior de um alinhamento que quer proporcionar ânimo e positivismo, através de um modus operandi sonoro a instantes implacável e vigoroso, no modo como interpreta alguns dos cânones fundamentais do rock alternativo de cariz mais rugoso, como é o caso deste tema de abertura e, de um modo mais radiofónico The Great Unknown, mas que também dá espaço para instantes mais límpidos e melodicamente prazeirentos.
O eletrofunk oitocentista a que sabe Youth, o delicioso dedilhar da viola e o jogo de vozes intenso que sustenta Places ou o clima nostálgico sessentista do efeito ecoante que abastece a guitarra que conduz This Is Everything e, de um modo ainda mais retro cósmico Expectations, são outros quatro maravilhosos exemplos desta feliz dicotomia entre indie rock cru e uma feliz sensibilidade pop, num disco com imensa carga emocional e que tem claramente a arte de separar muito bem a melancolia da severidade, tratando as diferentes fases sentimentais de uma qualquer existência de forma leve e elegante e colocando cada pârametro na dose perfeita. Espero que aprecies a sugestão...
01. Deleter
02. Inside Out
03. Expectations
04. The Great Unknown
05. Youth
06. Places
07. Promises
08. Ahead Of Myself
09. Hail To The Queen
10. Burial
11. This Is Everything
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Grand Sun - Circles
Os Grand Sun de Ribeiro, António, Simon e Miguel, um coletivo oriundo de Oeiras, nos arredores da capital, estream-se dentro de dias no formato álbum com Sal Y Amore, uma coleção de dez canções que, à boleia da Aunt Sally Records, deverá, de forma mais crua, sem filtros e genuína que o antecessor, o EP The Plastic People Of The Universe, encarnar um exuberante registo indie com fortes raízes no rock setentista mais lisérgico, mas também naquela pop efervescente que fez escola na década anterior e onde a psicadelia era preponderante no modo como trespassava com cor e luminosidade o edifício melódico de muitas composições.
Sal Y Amore foi bastante inspirado nos concertos e nas viagens que os Grand Sun fizeram o ano passado, onde constam passagens memoráveis pelo Festival Ecos de Lima, a Festa do Avante ou o Festival Termómetro. O registo foi gravado e misturado por André Isidro nos estúdios Duck Tape Melodies e masterizado pelo João Alves no Sweet Mastering Studio.
Para marcar o lançamento do registo, os Grand Sun acabam de divulgar o video de Circles, um dos momentos maiores de Sal Y Amore, uma canção frenética, seca e crua, assente num indie rock visceralmente ruidoso e sujo, mas que não deixa de ser melodicamente apelativa, até porque é um convite direto à ação e ao movimento. O tema debruça-se na inevitável aceitação em relação à nossa vida - because Sometimes you don’t get what you want - e pessoalmente sobre este limbo constante em que nos encontramos enquanto construímos a nossa personalidade. A formulação desta dicotomia entre o querer e não querer partir trata-se de cobrirmos este nosso medo existencial com o entusiasmo por esta mesma existência. Visualmente, o vídeo gravado por Francisco Lopes retrata os Grand Sun num talk-show surreal, quase bizarro, onde a banda se entrevista a si própria, numa conversa inconsequente que é uma sátira e uma representação caseira do ruído que estamos expostos diariamente.
Importa ainda referir que, para assinalar o lançamento de Circles e, posteriormente, do disco Sal Y Amore, os Grand Sun lançaram uma campanha especial no Bandcamp, com todo o catálogo do projeto disponível a metade do preço até ao lançamento do disco, sexta-feira próxima, dia vinte e sete de março. Basta apenas colocar a palavra squares no checkout. Confere...
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MGMT – As You Move Through The World
Quase dois anos depois de Little Dark Age, a dupla norte-americana MGMT formada por Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser, voltou a dar sinais de vida recentemente com um single de 12 polegadas com os temas In The Afternoon e o b side As You Move Through The World, sendo esta edição a estreia da banda na sua própria etiqueta, recém-criada, a MGMT Records.
Como certamente se recordam, a nossa redação fez eco desse lançamento no passado mês de dezembro, descrevendo e divulgado o lado a do 12'', o tema In The Afternoon, canção também com direito a um extraordinário vídeo da autoria da própria dupla e misturada por Dave Fridmann e que coloca os MGMT na senda daquela pop cheia de glamour que foi rainha dos anos oitenta do século passado, através de uma voz com aquele tom grave que era comum na época, mas também de efusivos teclados e guitarras com o grau de rugosidade ideal, não faltando na composição uma vibe psicadélica e um grau de epicidade interessantes.
Ora, a dupla tinha previsto editar o b side As You Move Through The World também como single, mas só dqui a algumas semanas. No entanto, como a pandemia do covid-19 forçou os MGMT a cancelar alguns concertos, nomeadamente no México e no Texas, a dupla resolveu antecipar a divulgação da canção, um instrumental com mais de sete minutos impregnados com um ímpar experimentalismo, repleto de sintetizadores com uma elevada vibe psicadélica, receita que nos remete para a melhor herança do house ambiental de final do século passado. Confere...
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The Radio Dept. – You Fear The Wrong Thing Baby
Lund, na suécia, é o poiso da dupla The Radio Dept., que nos tem deixado a salivar desde que em dois mil e três lançou o excelente registo Lesser Matters, ao qual se sucederam mais cinco excelentes registos e, em dois mil e dezoito, duas canções avulsas, Your True Name e Going Down Swinging, que não faziam parte do alinhamento de Running Out Of Love, o álbum que a banda lançou em dois mil e dezasseis e o último longa duração do projeto. Agora, no primeiro semestre de dois mil e vinte e sem aviso prévio, Johan Duncanson e Martin Larsson, começaram por nos oferecer The Absence Of Birds, um maravilhoso tratado de dream pop, repleto de luminosidade, graças a efeitos borbulhantes e a um aditivo timbre metálico no efeito da guitarra, uma canção que já tem sequência com um novo single intitulado You Fear The Wrong Thing Baby.
Este segundo tema que os The Radio Dept. nos oferecem em dois mil e vinte não deixa de conter uma elevada dose de ironia, pelos vistos, involuntária, tendo em conta os dias que vivemos, já que contém uma letra que fala sobre um hipotético ocaso da humanidade tal como a conhecemos, criticando o conservadorismo e o capitalismo dominantes (In the end time to end all end times, Still can’t keep everyone down, Some hijackers will prove the shackles, Are wasted on the young). A dupla assume que quando escreveu e compôs esta canção, simultaneamente negra e tocante, muito por causa de um baixo vigoroso e de uma deliciosa guitarra, sabiamente escolhida para sustentar uma melodia de onde sobressai uma subtil dose de delicadeza e frenesim, não fazia ideia do que aí vinha.
Juntamente com a divulgação desta canção não surgiu o anúncio tão esperado de um novo disco dos The Radio Dept. para dois mil e vinte, mas existe a promessa de serem editadas novas composições, pelo menos uma dezena delas, e a reedição do segundo trabalho do projeto, o álbum, Pet Grief, através da Just So!, assim como uma digressão, já a partir de Abril, no lado de lá do atlântico. Confere...
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Baxter Dury – The Night Chancers
Três anos depois do excelente registo Prince of Tears, o irascível Baxter Dury, filho do icónico Ian Dury, vocalista dos extintos Blockheads, uma das bandas mais importantes do cenário pós punk britânico, está de regresso com The Night Chancers, dez composições abrigadas pela Heavenly Records, produzidas pelo próprio Baxter com o apoio inestimável de Craig Silvey (Arcade Fire, John Grant, Arctic Monkeys) e gravadas nos estúdios Hoxa em West Hampstead, Londres, na primavera do ano passado.
Sexto álbum da carreira de Dury, The Night Chancers aprimora a já habitual e bem sucedida fórmula interpretativa de um músico e compositor que se serve do rock, da pop e da eletrónica para alimentar a sua aúrea de exímio inquieto e provocador, assente em impressivas crónicas e relatos de experiências pessoais mais ou menos aventureiras, mas até comuns e ordinárias,que resultam numa enorme sátira e crítica à modernidade, tudo apimentado com aquele sarcástico humor típico de terras de Sua Majestade.
Assim, num disco idealizado com superior requinte e ousadia, até porque Dury começa dizendo I’m not your fucking friend, se composições como a intrigante Slumlord, que nos faz divagar no regaço de uma guitarra planante, ou Carla's Got a Boyfriend, um lamento soul intenso, íntimo e sensual, protagonizado por alguém que acaba de descobrir que a ex tem outra pessoa (I spotted him on Instagram / Followed him about for a bit), são exemplos de canções que sobressaiem no modo como a gravidade vocal de alguém que se recusa a cantar e apenas declama, como se estivesse constantemente encharcado em álcool e numa manhã difícil depois de mais uma noite plena de aventura, é ampliada pela orgânica das cordas e pelo modo como alguns elementos percurssivos conjuram entre si para arquiteturar inquietude e mistério, já o baixo vigoroso e o sintetizador vintage de I'm Not Your Dog, a batida lenta mas indesmentivelmente hipnótica de Saliva Hog e, num registo mais clássico e chill, o monumental jogo de cintura constante, que o saxofone e a guitarra executam em Sleep People, com tremenda fluidez e incomparável bom gosto, aprisionam-nos nesse tal universo sujo, reacionário e até criminoso, mas de um modo bem mais sereno e contemplativo e, por isso, talvez ainda mais perigoso.
Em The Night Chancers, o spoken word Dury, na altivez dos seus quarenta e oito anos, assume que vive num período negro e algo conturbado da sua existência. Escuta-se o álbum e percebe-se facilmente que, para ele, todos aqueles que o rodeiam não são de confiança, incluindo o próprio, a vida resume-se ao hoje, ao aqui e ao agora. O dia a dia é vivido enclausurado entre quatro paredes de duvidosos quartos de hotel, tendo como única companhia os pensamentos obscuros pelos quais se deixa manipular mais vezes que o recomendável e as noites das quais restam, geralmente, vagas memórias, são, uma após outra, sem intermitências, nada serenas ou agradáveis. Refletir sobre toda esta trama musicalmente e expô-la sem particular receio ou filtro, do modo que Baxter o faz, com crueza, despudor e até desprezo por quem se queira predispôr a ouvi-lo e ajudá-lo, pode não ser um exercício de exorcização minimamente eficaz, mas é um facto que artisticamente resulta, até porque, se calhar são mais do que se pensa aqueles que se podem sentir realmente identificados com toda esta narrativa de vida tão peculiar e realista e que, se todos refletirmos sem medo, espelha aquilo que é a verdade de tantos hoje, na dita sociedade ocidental contemporânea. Espero que aprecies a sugestão...
01. I’m Not Your Dog
02. Slumlord
03. Saliva Hog
04. Samurai
05. Sleep People
06. Carla’s Got A Boyfriend
07. The Night Chancers
08. Hello, I’m Sorry
09. Daylight
10. Say Nothing
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The Proper Ornaments - Mission Bells
Nem um ano passou desde o excelente Six Lenins, disco que figurou na lista dos melhores dez álbuns de dois mil e dezanove para esta redação, e os londrinos The Proper Ornaments já estão de regresso aos lançamentos discográficos com Mission Bells, um compêndio com treze canções e com a chancela da Tapete Records, o quinto registo de originais da banda de James Hoare, uma das caras metade dos Ultimate Painting, ao qual se juntam Bobby Syme e Max Oscarnold e, mais recentemente, o baixista Nathalie Bruno.
Mission Bells, um registo sombrio mas edificante, começou a ser incubado durante a digressão de promoção de Six Lenins, com o esboço de muitas das suas canções a verem a luz do dia em soundchecks e jam sessions, pela Europa fora, durante essa epopeia. Depois os quatro membros da banda começaram a gravar, no verão passado, no estúdio doméstico de Hoare em Finsbury Park, Londres, usando a mesma pafernália tecnológica utilizada no disco anterior, mas também a incorporarem um sequenciador moog e outros instrumentos eletrónicos, detalhes que explicam, desde logo, uma maior riqueza estilística e ao nível dos detalhes e dos arranjos, relativamente ao registo anterior, não faltando aquela espantosa simplicidade de Waiting For The Summer, o disco de estreia do projeto e a suprema melancolia que banhou Foxhole, um dos melhores álbuns de dois mil e dezassete, nuances que, no seu todo, suportam a elevada bitola qualitativa melódica de Mission Bells e, durante a sua interpretação instrumental, o claro domínio do som que tipifica este projeto.
Assim, escutar Mission Bells traz logo à tona aquela curiosa sensação que muitas vezes temos e que nos diz que estamos na presença de um álbum que foi concebido de modo bastante intuitivo e aparentemente sem qualquer esforço. De facto, este é um alinhamento com um clima que oscila entre a melancolia e o hipnotismo e que nos leva, num abrir e fechar de olhos, do nostálgico ao glorioso, numa espécie de indie-folk-surf-suburbano, feito por intérpretes de um arquétipo sonoro que exala um intenso charme, fazendo-o com um acabamento exemplar, enquanto as suas proezas de composição, que divagam entre as heranças de uns Beach Boys ou uns Velvet Underground, se mostram, como de certo modo já referi, intensas, ousadas e surpreendentes.
Composições do calibre de Purple Heart, o tema que abre o disco e que, num clima que oscila entre a melancolia e o hipnotismo, nos oferece um delicioso banquete de cordas luminosas, a rugosa toada misteriosa e flutuante de Downtown, a pueril acusticidade solarenga de Black Tar, a luxuriante folk psicadélica que banha Broken Insect, o momento mais alto do registo, ou a deliciosa dança sedutora que várias guitarras, elétricas e acústicas, executam na intrigante The Impeccable Lawns, sustentam a manifestação de um elevado bom gosto, que se torna ainda maior pela peça em si que este disco representa, tendo em conta a bitola qualitativa do mesmo, ampliada também pela maturidade lírica que os The Proper Ornaments exalam no seu alinhamento e que disserta essencialmente sobre o que é viver nestes tempos distópicos e algo confusos e conturbados.
Mission Bells é, em suma, uma conquista majestosa, um turbilhão musical em que as suas harmonias nos levam a um estado sonâmbulo irreversível, deixando-nos presos entre a terra dos sonhos e as horas de vigília. E a maior beleza disso é que não vamos querer escapar depressa deste clausura, mesmo que a porta esteja aberta enquanto a vida pós-moderna nos espera do lado de fora. Espero que aprecies a sugestão...