music will provide the light you cannot resist! ou o relato de quem vive uma nova luz na sua vida ao som de algumas das melhores bandas de rock alternativo do planeta!
Oriundos de El Paso, no Texas, os norte americanos Cigarettes After Sex são uma das novas coqueluches da indie pop de cariz mais ambiental. Passaram por cá há poucos dias pelo Vodafone Primavera Sound, num concerto que apanhou muitos espectadores deprevenidos, mas que deixou logo impressa a marca indistinta de uma banda que se baptizou com felicidade, já que compôe com todos os sentidos apontados à alcova, criando temas que tanto servem para o jogo de sedução, como para (traduzindo à letra) aquele cigarro que muitos gostam de queimar depois do coito.
Liderados por Greg Gonzalez, ao qual se juntam Jacob Tomsky, Phillip Tubbs e Randy Miller, os Cigarettes After Sex abrigam a sua filosofia estilística numa sonoridade simples e nebulosa, mas bastante melódica e etérea. Os temas arrastam-se com complacência e sem pressas, espraiando-se no tempo certo, envoltos por cordas de forte pendor acústico e orgânico e muitas vezes com uma subtil vibração metálica particularmente charmosa, mas também em redor de sintetizadores assertivos e guitarras com efeitos recheados de eco, nuances que fazem sobressair a aura melancólica e mágica de um projeto que também vive da voz doce e algo andrógena de Greg.
Logo na viola e nas teclas de K., canção que abre o disco homónimo destes Cigarettes After Sex e o motivo desta análise crítica, encontra-se muito presente a marca da tal indie pop contemporânea, mas com traços de shoegaze, que tem vivido suportada pela mestria na simbiose minimal entre alguns detalhes típicos do melancólico rock oitocentista e a sensualidade onírica do melhor r&b e da eletrónica ambiental. Se projetos como os Beach House pendem um pouco a balança para o primeiro lado e os The XX para o segundo, só para citar dois entre tantos outros exemplos, estes Cigarettes After Sex equilibram-se no meio dos dois pratos, muitas vezes com uma fragilidade que chega a ser comovente. Prova disso está no modo como na brisa etérea de Each Time You Fall In Love pretendem ensinar-nos a lidar com o aparecimento desse estranho sentimento chamado amor nos nosssos corações, e como na batida de Sunsetz e nos efeitos sintéticos que rodeiam esse tema colocam em prática essa alternância contínua e quase impercetível entre diferentes estilos e com uma dose de experimentalismo bastante vincada, sendo comum o timbre de uma corda ou o flash de um botão divagarem, de mãos dadas, na mesma direção melódica.
Um dos instantes particularmente encantadores deste álbum acaba por ser Flash, canção onde um efeito de guitarra ecoante e onírico, uma batida sincopada e o timbre doce de Greg que a acompanha, nos esclarecem que se saborearmos condignamente este álbum, só nos resta deixarmos a nossa mente e o nosso espírito irem à boleia desta proposta estética assente num clima abstrato e meditativo, presente em praticamente todo o trabalho, mas com um impacto verdadeiramente colossal e marcante. Depois, em Opera House, no arrastar do ritmo da bateria quase até ao infinito e no esoterismo do efeitos de uma guitarra que marca o traço melódico do tema, contemplamos mais dois aspetos marcantes deste alinhamento e percebemos como, apesar do minimalismo constante, todos os detalhes mais eletrificados que nos vão surgindo, nesta e noutras canções, nunca defraudam o ambiente contemplativo fortemente consistente do trabalho. O efeito da guitarra no singleTruly e, paralelamente, o aparecimento da bateria, um pouco mais afoita, além de consolidar essa impressão conceptual, mostra o modo exímio como o quarteto consegue que as texturas e as atmosferas que criam, transitem, muitas vezes, entre a euforia e o sossego, de modo quase sempre impercetível, mas que inquieta todos os poros do nosso lado mais sentimental e espiritual.
Há nos Cigarettes After Sex um assomo de elegância contida, mas que não esconde um consciente exibicionismo de uma banda que é dona e senhora de uma superior sapiência melódica. Os floreados percussivos, os acordes a transbordar de cândura, mas épicos e deslumbrantes, e algumas belíssimas letras entrelaçadas com melodias minuciosamente construídas com diversas camadas de instrumentos, fazem com que seja atraente e hipnotizadora esta estranha escuridão interestelar mas marcadamente soul que, mesmo no caso de John Wayne, sendo cantada em jeito de lamúria ou desabafo, nunca deixa de encarnar um notório marco de libertação. Espero que aprecies a sugestão...
01. K. 02. Each Time You Fall In Love 03. Sunsetz 04. Apocalypse 05. Flash 06. Sweet 07. Opera House 08. Truly 09. John Wayne 10. Young And Dumb
Joe Newman, Gus Unger-Hamilton e Thom Green são três amigos que se conheceram na Universidade de Leeds em 2007 e juntamente com Gwil Sainsbury, entretanto retirado, formaram os Alt-J (∆), banda que está de regresso aos lançamentos discográficos com Relaxer, sete originais e uma excelente cover do clássico House Of Rising Sun, dos The Animals. Recordo que este projeto começou a criar raízes quando Joe tocou para Gwil várias canções que criou, com a ajuda da guitarra do pai e de alguns alucinogéneos; Gwil apreciou aquilo que ouviu e a dupla gravou de forma rudimentar várias canções, nascendo assim esta banda com um nome bastante peculiar. Alt-J (∆) pronuncia-se alt jay e o símbolo do delta é criado quando carregas e seguras a tecla alt do teu teclado e clicas J em seguida, num computador Mac. O símbolo é usado em equações matemáticas para representar mudanças e assenta que nem uma luva à banda que se estreou em junho de 2012 nos discos comAn Awesome Wave, e que, pouco mais de dois anos depois e já sem o contributo de Gwil Sainsbury, confirmou a excelente estreia com This Is All Yours, um álbum que além de não renegar a identidade sonora distinta da banda, ainda a elevou para um novo patamar de novos cenários e experiências instrumentais.
Agora, três anos depois desse excelente registo, neste Relaxer o trio de Leeds continua a oferecer-nos canções que só mostram a sua verdadeira identidade e complexidade quando são escutadas forma viciante, com o habitual pendor orgânico de cariz eminentemente acúsatico a revelar-se de modo ainda mais esculpido e complexo, algo que nos obriga a um exercício maior na primeira percepção das novas composições, mas que eu recomendo vivamente e que asseguro ser altamente compensador.
O alinhamento de Relaxer abre com 3WW, um tema que entre a pop ambiental contemporânea e o art-rock clássico, é uma epopeia onde em quase cinco minutos se acumula à volta de um ré constante um amplo referencial de elementos típicos desses dois universos sonoros e que se vão entrelaçando entre si de forma particularmente romântica e até, diria eu, objetivamente sensual, também muito por causa da performance vocal de Ellie Roswell, vocalista dos Wolf Alice, que também pode ser escutada em Deadcrush, um trecho movido a sintetizador, rasgado por uma melodia profundamente sintética e digital. E depois, no virtuosismo da guitarra que trespassa o funk de Hit Me Like That Snare, no modo como em Pleader osAlt-J selecionaram os riquíssimos arranjos do diverso arsenal instrumental que foi monumental e cuidadosamente executado pela Orquestra Metropolitana de Londres, no trip-hop acústico de Adeline e na leveza tocante e singela de Last Year, rematada pelo modo como a voz de Marika Hackman transborda de melancolia, fica expresso um arregaçar de mangas cada vez mais liberto de uma certa formatação criativa bem balizada, com o trio a mostrar que se tem dedicado de forma mais democrática à expansão do seu cardápio sonoro, sempre com uma dose algo arriscada de experimentalismo, mas bem sucedida, já que é feita de imensos detalhes e com uma elevada subtileza.
O som complexo e profundo dos Alt-J (∆) continua a resistir com solidez e de modo exemplar ao tempo e ao sucesso. Relaxer comprova que um dos predicados que poderemos, pelos vistos, esperar sempre deste coletivo britânico, prende-se com a capacidade em inovar e ser imprevisível em cada novo registo discográfico apresentado. E este novo trabalho, naturalmente corajoso e muito complexo e encantador, ao ser desenvolvido dentro de uma ambientação essencialmente experimental, plasma mais uma completa reestruturação no que parecia ser o som já firmado na premissa original da banda. Espero que aprecies a sugestão...
01. 3WW 02. In Cold Blood 03. House Of The Rising Sun 04. Hit Me Like That Snare 05. Deadcrush 06. Adeline 07. Last Year 08. Pleader
Lançado no passado dia dois de junho através da Tough Love Records, Modern English Decoration é o mais recente capítulo da saga discográfica dos britânicos Ulrika Spacek de Rhys Edwards e Rhys William, um disco que à semelhança de The Album Paranoia, o registo de estreia editado no início de 2016, foi gravado, produzido e misturado numa galeria de arte chamada KEN e à qual os Ulrika Spacek e os três músicos que os acompanham, Ben White, Callum Brown e Joseph Stone, chamam de sua casa, a bolha onde se refugiam para compôr, idealizar vídeos e expressar-se através de outras formas de arte além da música.
A filosofia de composição musical destes Ulrika Spacek baliza-se através de um assomo de crueza tingido com uma impressiva frontalidade quer lírica quer sonora. Na complacência enganadora de Mimi Pretend há uma guitarra rugosa e plena de efeitos metálicos, acompanhada por uma bateria falsamente rápida, e esta dupla é a mesma que vai ser depois o grande suporte das canções, em volta da qual gravitarão diferentes arranjos, quer orgânicos, quer sintéticos, geralmente com um teor algo minimal. E se a guitarra nunca perde identidade, a bateria mantém-se precisa no modo como confere alma e robustez ao ritmo de cada composição. Depois, há um baixo implacável na marcação à zona e todo este arsenal instrumental é rematado por uma voz geralmente reverberizada e que se arrasta. É um rock que impressiona pela rebeldia com forte travo nostálgico e por aquela sensação de espiral progressiva de sensações, que tantas vezes ferem porque atingem o âmago, bastanto ouvir Protestant Work Slump para se tomar contacto com esta autenticidade que desmascara quem arrisca entrar no jogo de sedução ímpar que Modern English Decoration proporciona.
Canções do calibre de Dead Museum, quase cinco minutos de um cósmico devaneio soul ou, em oposição, a indulgência acústica intensamente reflexiva do tema homónimo, plasmam também uma das maiores virtudes destes Ulrika Spacek que é a capacidade de conseguirem divagar por diferentes ângulos e espetros dentro de um universo sonoro bastante específico. Isso sucede porque corre-lhes nas veias aquela atitude claramente experimental e enganadoramente despreocupada, expressa numa vontade óbvia de transformar cada composição numa espécie de jam session, através de uma espécie de colagem de vários momentos de improviso. Se nas cordas de Saw A Habit Forming aquela pop sessentista ácida e psicotrópica, encontra o poiso ideal para se espraiar, o modo quase cínico como em Full Of Men os Ulrika Spacek nos levam a sorrir e a abanar a anca ao som de uma canção que se insinua continuamente por causa do modo algo desconexo como se vai desenvolvendo ritmíca e melodicamente, acaba por ser a expressão máxima deste modo bastante textural, orgânico e imediato de criar música e de fazer dela uma forma artística privilegiada na transmissão de sensações que não deixam ninguém indiferente.
Modern English Decoration atesta a segurança, o vigor e o modo criativamente superior como este grupo britânico entra em estúdio para compôr e criar um shoegaze progressivo que se firma com um arquétipo sonoro sem qualquer paralelo no universo indie e alternativo atual. Um dos discos obrigatórios do ano, claramente. Espero que aprecies a sugestão...
01. Mimi Pretend 02. Silvertonic 03. Dead Museum 04. Ziggy 05. Everything, All The Time 06. Modern English Decoration 07. Full Of Men 08. Saw A Habit Forming 09. Victorian Acid 10. Protestant Work Slump
Vai ver a luz do dia a vinte e cinco de agosto próximo, através da Castle Face, a editora do próprio John Dwyer, Orc, o novo e décimo nono álbum da carreira dos norte americanos Thee Oh Sees, que são liderados por este músico e ao qual se juntam atualmente Tim Hellman (baixo), Nick Murray (bateria), Brigid Dawson (teclados) e Chris Woodhouse (engenheiro de som). Este é um regresso aos lançamentos discográficos que se saúda desta banda californiana que também vai mudar mais uma vez de nome, algo que não é inédito nas cerca de duas décadas que já levam de carreira.
Querendo ser conhecido a partir de agora simplesmente como Oh Sees (sem o The), este quinteto apresentará em Orc dez canções que, tendo em conta The Static God, a primeira amostra divulgada, manterão uma elevada bitola qualitativa que sobrevive à custa do modo astuto como o grupo continua a abanar-nos com riffs agressivos e esplendorosos que, quer se prolonguem por músicas completas, ou por instantes das composições, têm sempre uma forte vertente hipnótica e uma ilimitada ousadia visceral, que explode em cordas eletrificadas que clamam por um enorme sentido de urgência e caos, num incómodo sadio que já não nos deixa duvidar acerca do ADN destes agora Oh Sees. Confere The Static God e o alinhamento de Orc...
P.S. - No âmbito da iniciativa Follow Friday, recomendo o blogue http://jazzistica.blogs.sapo.pt/, uma lufada de ar fresco no panorama dos blogues de música nacionais.
Oriundos de Melbourne, na Austrália, os Underground Lovers são Philippa Nihill, Richard Andrew, Maurice Argiro, Glenn Bennie, Vincent Giarrusso e Emma Bortignon. Apostam no revivalismo do rock progressivo e psicadélico, com uma forte componente experimental, que começou a fazer escola nas décadas de sessenta e de setenta. Pouco conhecidos no resto do mundo, são acompanhados com particular devoção no país de origem e considerados como uma das mais inovadoras bandas australianas, pela forma como conjugam a tradicional tríade baixo, guitarra e bateria com a tecnologia e a eletrónica que hoje prolifera na música e que permite às bandas alargar o seu cardápio instrumental. Editado através da Rubber Records, habitual depositário do catálogo da banda, Staring At You Staring At Me é o trabalho mais recente dos Underground Lovers, um disco que celebra quase três décadas da carreria do grupo e que sucede a Wonderful Things (2011) e ao excelente Weekend (2014).
A banda iniciou a sua carreria discográfica em mil novecentos e noventa e um com um homónimo e Staring At You Staring At Me é já o décimo segundo álbum da carreira dos Underground Lovers, um grupo que passou por algumas transformações, várias entradas e saídas de elementos e com um historial típico de uma banda com um elevado número de músicos com vidas díspares e conturbadas.
Staring At You Staring At Me são nove canções que nos permitem aceder a uma outra dimensão musical com uma assumida pompa sinfónica e inconfundível, sem nunca descurar as mais básicas tentações pop e onde tudo soa utopicamente perfeito. Apesar da já extensa carreira, confesso-me cada vez mais impressionado pela beleza utópica das composições dos Underground Lovers, algo que não falta neste álbum, assim como as belas orquestrações, que vivem e respiram, lado a lado, com distorções e arranjos mais agressivos.
Staring At You Staring At Me denota esmero e paciência por parte de Vincent Giarrusso, o grande mentor e compositor da banda, principalmente na forma como acerta nos mínimos detalhes. Das guitarras que escorrem ao longo de todo o trabalho, passando pelos arranjos de cordas, pianos, efeitos e vozes, tudo se movimenta de forma sempre estratégica, como se cada mínima fração do que escutamos tivesse um motivo para se posicionar dessa forma. Ao mesmo tempo em que é possível absorver Staring At You Staring At Mecomo um todo, entregar-se aos pequenos detalhes que preenchem o trabalho é outro resultado da mais pura satisfação, como se os Underground Lovers projetassem inúmeras possibilidades e aventuras ao ouvinte em cada canção, assentes num misto de psicadelia, rock progressivo, soul e blues.
O som espacial, experimental, psicadélico e melódico que a banda criou ao longo da carreira, encontra aqui o conforto que necessita para se justificar e se cimentar ainda mais, com o disco a acrescentar à bagagem sonora dos Underground Lovers novas e belíssimas texturas, mais serenas, mas que não se desviam do cariz fortemente experimental que faz parte do ADN do grupo. Assim, da luminosidade do efeito metálico da guitarra que conduz Seen It All, passando pela serenidade folk das cordas que abastecem It’s The Way It’s Marketed e Unbearable e pela elevadíssima dose de psicadelia em que assenta St. Kilda Regret, assim como pela majestosidade experimental e intensa de Glamnesia, um tema cantado com uma voz em eco entrelaçada com uma guitarra plena de distorção, dois detalhes que conferem à canção um enigmático e sedutor cariz vintage, são vários e convincentes os exemplos de rejuvenescimento de um projeto essencial para o rock alternativo australiano e não só.
Apesar da longevidade e da erosão que a instabilidade da formação provoca no seio de uma banda, os Underground Lovers parecem não ter perdido o brilho e não demonstram cansaço ou falta de inspiração. Staring At You Staring At Metem tudo para ser mais um clássico de uma banda que mergulhada num universo sonoro um pouco mais intimista e reflexivo, continua a soar tão jovial e inventiva como soava há duas décadas. Espero que aprecies a sugestão...
01. St. Kilda Regret 02. You Let Sunshine Pass You By 03. The Conde Nast Trap 04. The Rerun 05. Seen It All 06. It’s The Way It’s Marketed 07. Glamnesia 08. Every Sign 09. Unbearable
Pouco mais de dois anos após o lançamento de No Life For Me, um disco que resultou de uma parceria com os Cloud Nothings de Dylan Baldi e de um trabalho intitulado V, lançado pela Warner Records, editora com quem divergiram recentemente, os californianos Wavves de Nathan Williams estão de regresso com You're Welcome, o sexto álbum deste grupo com praticamente dez anos de estrada e que, atingindo este marco temporal importante para bandas contemporâneas, angaria já uma certa maturidade em torno de si.
Editado pelo selo Ghost Ramp, You're Welcome é um atestado de maior abrangência e ecletismo de uns Wavves que sempre tiveram fortes ligações ao universo punk, mas que piscam com cada vez maior assertividade o olho à pop, apesar do riff vigoroso e frenético de Daisy, o tema que abre o alinhamento do registo. Mas depois, no ocaso, na doçura carente de I Love You, uma canção onde é fácil imaginar os Wavves numa praia perto de casa, de prancha na mão e calções bem justos, a piscar os olhos aos fatos de banho que passam e na batida ritmada e no refrão imponente da solarenga Million Enemies, fica registada esta guinada cada vez mais certeira umo a um universo sonoro menos garageiro e lo fi e mais comercial e, de certo modo, com uma outra abrangência no que concerne ao público alvo.
Seja como for, no baixo e nas quebras de ritmo de Animal, no devaneio punk, intenso e lascivo de Exercise ou no sarcasmo percetível nos samples de Come To The Valley, os Wavves continuam a ser fiéis à sua fórmula identitária que, sem grandes segredos, truques intrincados ou artifícios desnecessários, nos proporciona um som nostálgico que, como seria de esperar, contém aquela mescla entre surf music e punk rock que bandas como os The Replacements, os Green Day e até os Blink-182, cultivaram e semearam aos sete ventos, exaustivamente no final do século passado. E convém também esclarecer que é um indie rock incubado na mente de um músico que, parecendo ter maiores e mais firmes intenções comerciais, continua a não demonstrar uma obsessiva preocupação em vir a fazer parte dos compêndios futuros que compilarão nomes e bandas que serviram de referência essencial ao desenvolvimento da pop e do rock alternativo desta década.
Se a música faz parte da indústria do entretenimento, You're Welcomeé uma seta apontada diretamente ao centro do alvo desse conceito de animação, através de canções rápidas e incisivas, de acordes simples e facilmente digeriveis, com refrões orelhudos e intensidade melódica suficiente para divertir uma juventude despreocupada, que vive o imediato e que olha para o amanhã como algo longínquo e que merecerá toda a atenção quando se fizer presente. Espero que aprecies a sugestão...
01. Daisy 02. You’re Welcome 03. No Shade 04. Million Enemies 05. Hollowed Out 06. Come To The Valley 07. Animal 08. Stupid In Love 09. Exercise 10. Under 11. Dreams Of Grandeur 12. I Love You
Desde o psicadélico e inebriante álbum Paracosm (2013) que o projeto Washed Out, do multi-instrumentista norte-americano natural da Georgia, Ernest Greene, um dos nomes fundamentais, a par de Neon Indian ou Toro Y Moi, da nova chillwave, não dava sinais de vida. No entanto, esse hiato já chegou ao fim com a divulgação de Get Lost, uma canção que surge isoladamente, sem atrelar a edição prevista de um álbum.
Em Get Lost a batida dançante, os detalhes percussivos orgânicos e os flashes irradiantes sintetizados transportam-nos de imediato para o universo sonoro típico de Washed Out e já nem queremos olhar para trás porque entramos em contado direto com uma praia ensolarada à beira de uma floresta tropical, à boleia de uma pop sonhadora, excelente para nos hipnotizar e que acaba por funcionar como aquele eficaz soporífero que nos leva para longe de uma realidade tantas vezes pouco agradável. Confere...
Os Beach Fossils são uma banda de Brooklyn, Nova Iorque e que começou por ser um projeto a solo de Dustin Payseur, ao qual se juntaram, entretanto, Tommy Davidson e Jack Doyle Smith. Estão de regresso aos discos com Somersault, um trabalho lançado pela Bayonet Records e que sucede a um homónimo, datado de 2010 e ao aclamado antecessor, Clash The Truth (2013). Somersault conta com a participação especial de Rachel Goswell no temaTangerinee de Cities Aviv em Rise e contém onze canções com um têmpero lo fi muito próprio. Refiro-me a um indie rock alternativo, com leves pitadas de surf pop, eletrónica e garagerock, tudo embrulhado com um espírito vintage marcadamente oitocentista e que se escuta de um só trago, enquanto sacia o nosso desejo de ouvir algo descomplicado mas que deixe uma marca impressiva firme e de simples codificação.
Somersault é um refúgio luminoso e aconchegante, um recanto sonoro sustentado por guitarras melodicamente simples, mas com um charme muito próprio e intenso, principalmente quando a elas se agregam outros arranjos, com a curiosidade de o violino ser uma arma de arremesso bastante utilizada nesses detalhes que adornam as melodias. Logo no enorme esgar de sorriso que comporta This Year e no clima lisérgico de Tangerine os violinos surgem amiúde, a consolidar a vertente vocal e a dar um polimento charmoso de inegável valia às guitarras, que são quem toma conta da condução dos temas. Depois, em redor da toada barroca das cordas que marcam a majestosidade de Closer Everywhere e no dedilhar corpulento e na percussão ritmada de Saint Ivy, assim como na leveza enternecedora do baixo de Sugar, esses violinos continuam a planar e a carimbar com acerto esta espécie de passeio tímido à beira mar numa manhã de sol, mas que também serve de consolo para quem tiver de se contentar com um cenário mais noturno, cinzento e urbano.
Somersault eleva os Beach Fossils a um novo patamar criativo, com as canções a abrigarem-se à sombra de uma filosofia estilística bastante marcada e homogéna, o que faz com que funcionem, individualmente, como vinhetas climáticas que vão servindo para marcar o ambiente e a cadência do mesmo. Mas, um dos maiores atributos do alinhamento é a quase indivisibilidade entre os temas, que podem ser apreciados como um todo, já que, liricamente, debruçando-se sobre as agruras de uma América cada vez mais confusa, garantem a formatação de uma obra de maior alcance e até, do modo como estão alinhados, engrandecem algumas canções menores. É o caso de Be Nothing, composição posicionada no final de Somersault e que, no modo como cresce e progride, além de personificar aquele grito de raiva que muitas vezes é imprescindível soltar no clímax de um instante reflexivo, acaba também por fazer uma súmula de todo o ideário, quer sentimental, quer sonoro, subjacente à intimidade que exala de toda a obra e que nos envolve de um modo muito particular. Espero que aprecies a sugestão...
01. This Year 02. Tangerine (Feat. Rachel Goswell) 03. Saint Ivy 04. May 1st 05. Rise (Feat. Cities Aviv) 06. Sugar 07. Closer Everywhere 08. Social Jetlag 09. Down The Line 10. Be Nothing 11. That’s All For Now
Três anos depois do excelente Reflektor e de dois discos a solo de Will Butler, os canadianos Arcade Fire aproveitaram a tomada de posse de Donald Trump e os seus devaneios para apresentarem ao mundo as primeiras canções do seu próximo álbum, que será um claro manifesto político e de protesto claro, parece-me, ao novo rumo tomado pelo país vizinho.
Assim, a nova canção divulgada pelo grupo chama-se Everything Nowe segue um pouco a linha delineada já em Reflektor, ou seja, cada vez mais distante do rock impetuoso dos primórdios. Os Arcade Fire apostam agora na preponderância de sonoridades com outra luminosidade, com o formato eminemtemente pop a ser definitivamente relegado para primeiro plano e com o grupo a ter uma nova aúrea, completamente remodelada.
Infinite Content é o título mais plausível para o novo registo da banda, ainda sem data de lançamento definida. Confere...
Acaba de chegar aos escaparesLingering, novo registo de originais do projeto Sleep Party People do dinamarquês Brian Batz. São doze canções editadas à boleia da Joyful Noise Recordings e não receio arriscar que este poderá muito bem ser um dos melhores discos de 2017. O álbum conta com as participações especiais de Peter Silberman dos The Antlers e Beth Hirsch na suavidade tocante de We Are There Together, cantora que emprestou a sua voz a alguns dos temas mais emblemáticos de Moon Safari, a obra-prima dos franceses Air, entre outros.
Este projeto Sleep Party People, tem-nos vindo a proporcionar, disco após disco, uma dream pop de forte cariz eletrónico, mas cada vez mais rugosa e imponente, instrumentalmente mais arriscada e onde não falta imensa diversidade, principalmente ao nível das orquestrações e do conteúdo melódico. Num músico que sempre gostou de se debruçar sobre o lado mais inconstante e dilacerante da nossa dimensão sensível e de colocar a nú algumas das feridas e chagas que, desde tempos intemporais, perseguem a humanidade e definem a propensão natural que o homem tem, enquanto espécie, de cair insistentemente no erro e de colocar em causa o mundo que o rodeia, tal opção faz sentido, com este Lingering a ser o momento mais alto e afirmativo desta caminhada filosófica e estilística. Assim, o que temos aqui é um registo eminentemente experimental, que sobrevivendo também à custa de alguns dos detalhes fundamentais do indie rock atual, tem na eletrónica contemporânea e no cruzamento que esta efetua com campos tão díspares como o r&b ou paisagens mais eruditas e clássicas, a sua grande força motriz.
Se os cavernosos tambores de Figures e o efeito da sua guitarra planante encorajam-nos a partir estrada fora guiados por um espírito maior, em The Missing Steps somos como aquele passageiro que sai de um comboio num destino ao acaso hipnotizado pela gentileza das teclas e por um falsete que se eleva ao alto, exemplos do modo como metaforicamente, ou indo diretamente ao assunto, este incomparável poeta que é Brian Batz nos recorda como poderá ser drástico viver em permanentemente desafio com os nosso medos, sem ter em conta o seu verdadeiro lugar e posição, no seio do nosso âmago. A redenção e a bússola que nos indica o rumo certo chega logo depois em Fainting Spell, canção construída em redor de um muro sónico de sons sintetizados plenos de luz e harmonia, ao qual depois se junta uma guitarra pulsante, um tema que regenera e salva, precisamente pelo modo como nos faz sentir um pouco estranhos no meio de nós mesmos, um, ninguém e cem mil. A voz de Batz olha, portanto, para o interior da alma e incita os nossos desejos mais profundos, como se cavasse e alfinetasse um sentimento em nós, impulsionado pela vontade que ele tem de nos orientar sobre o modo como devemos lutar contra a permanente angústia, mesmo nos instantes em que entre o sono e o estado de consciência, vivemos naquele limbo matinal e intimista. E assim, se essa canção mostra um Batz cada vez mais maduro e assertivo, também mostra que ele está apostado em servir de exemplo, saindo um pouco do seu casulo instrospetivo e da timidez que o enclausura e apostando num ambiente sonoro mais luminoso, colorido e expansivo, algo que pouco depois os timbres metálicos e as sedutoras teclas da etéreaLingering Eyes também apontam e nos fazem contemplar.
Com a participação especial de Luster, Dissensions inicia mais outra sequência obrigatória de Lingering, nomeadamente pelo jogo que na canção se estabelece entre a percussão, o baixo e uma guitarra explosiva, um mescla sobreposta por camadas. Esta composição e a seguinte, Limitations, canção onde brilha a junção de um teclado sintetizado retro, um efeito vocal ecoante e uma guitarra abrasiva, noutro tema que aborda a propensão humana para a fragilidade, são novas preciosas achas para a fogueira que ilumina a abrangência estilística do adn sonoro atual de Sleep Party People. Depois, uma espécie de dicotomia entre um lado mais orgânico e outro mais sintético, expressa com luminosidade, frescura e cor nas cordas e nos efeitos borbulhantes de The Sound Of His Daughter e, logo a seguir, na espiral cósmica de teclas, sopros, metais, guitarras e de um baixo pleno de groove em The Sun Will Open Its Core, ficamos definitivamente pasmados com a segurança, o vigor e o modo criativamente superior como este projeto dinamarquês entra hoje em estúdio para compôr e criar um arquétipo sonoro que não tem qualquer paralelo no universo indie e alternativo atual.
Disco muito desejado por todos os seguidores dos Sleep Party People e não só, Lingeringé um lugar mágico para onde podemos canalizar muitos dos nossos maiores dilemas, porque tem um toque de lustro de forte pendor introspetivo, livre de constrangimentos estéticos e que nos provoca um saudável torpor, num disco que, no seu todo, contém uma atmosfera densa e pastosa, mas libertadora e esotérica. Acaba por ser um compêndio de canções que nos obriga a observar como é viver num mundo onde somos a espécie dominante e protagonista, mas também observadora de outros eventos e emoções, um trabalho experimentalista naquilo que o experimentalismo tem por génese: a mistura de coisas existentes, para a descoberta de outras novas. Espero que aprecies a sugestão...
01. Figures 02. The Missing Steps 03. Fainting Spell 04. Salix And His Soil 05. Lingering Eyes 06. Dissensions (Feat. Luster) 07. Limitations 08. The Sound Of His Daughter 09. The Sun Will Open Its Core 10. We Are There Together (Feat. Beth Hirsch) 11. Odd Forms 12. Vivid Dream