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Fleet Foxes – Shore

Quarta-feira, 23.09.20

Surpreendemente e sem aviso prévio concreto, os Fleet Foxes de Robin Pecknold acabam de colocar na boca e nos ouvidos de meio mundo Shore, o quarto registo de originais da banda de Seattle, sucessor do excelente Crak-Up de dois mil e dezassete e  cujo conteúdo é fortemente influenciado pela realidade pandémica atual, conforme confessou o próprio Robin em entrevista recente (All the lyrics came out of reflections around what’s going on right now and tying that into personal things. I ended up just driving around in self-quarantine, writing lyrics and singing). Shore viu a luz do dia de modo a coincidir a aparição do álbum com o equinócio de outono e o seu lançamento veio acompanhado de um filme filmado em Washington, Oregon e Idaho.

Fleet Foxes releasing new album “Shore” on Tuesday

Shore tem um propósito bem claro e claramente optimista, mostrar ao mundo que é nas piores circunstâncias que as melhores qualidades de cada um de nós se podem com maior astúcia se revelar e que a música deste disco pode servir de inspiração para darmos aquele empurrãozinho que muitas vezes nos falta, para que coloquemos ao nosso serviço e dos outros os nossos melhores atributos. De facto, o modus operandi refinado e particularmente gracioso de Shore, que reforça e burila com ainda maior charme a típica monumentalidade espiritual deste projeto, com tambores, sopros e cordas a revezarem-se entre si numa complexa teia relacional que muitas vezes nos faz suster a respiração, oferece-nos, sem dúvida, uma excelente oportunidade para construirmos uma soberba imagem de paz e tranquilidade dentro de nós, nestes tempos tão incómodos, mas em que, mais do que nunca, apesar das regras de etiqueta que ditam o distanciamento social, precisamos inquestionavelmente uns dos outros.

Começa-se a escutar Wading In Waist-High Water e percebe-se rapidamente que a folk continua a ser para os Fleet Foxes o veículo privilegiado de transmissão de todo o seu referencial identitário, mas também fica evidente que há aqui uma superior graça e uma monumentalidade ímpar, relativamente aos trabalhos antecessores do grupo, um salto que resultou num alinhamento musicalmente aventureiro e espiritualmente intenso, que exala uma atitude natural e sincera de reconhecimento por parte da banda relativamente ao mundo que a rodeia e que, passando por um período ímpar, tem mesmo assim caraterísticas passíveis de inspirar este coletivo a compôr de modo tão bonito e espontâneo. Nessa composição inicial, a teia intrincada que se estabelece entre a viola, a voz e um manto de teclas radiante, elucida-nos para essa evidência, que ganha contornos de deslumbramento no modo como em Sunblind e em Young Man’s Game a percurssão se alia ao piano e à guitarra para nos impulsionar até ao estrelato, em duas das canções mais luminosas do catálogo dos Fleet Foxes.

Esta sensação de refinamento, opulência e majestosidade, assim como de clara evolução da tensão lírica habitual em Pecknold, nunca se retrai ou definha, canção após canção. A linha de guitarra que acama um lindíssimo poema sobre arrependimentos inócuos, em A Long Way Past The Past, a intrincada teia melódica, rítmica e estilistica omnipresente em Can I Believe You, uma canção sobre esperança e entrega e a guitarra que não receia distorcer no tempo certo, exemplarmente conduzida por uma bateria intensa e encorpada, em Maestranza, tema sobre remorsos desnecessários, são extraordinários exemplos desta duplicidade harmoniosa entre escrita e música, uma das caraterísticas essenciais de Shore e que materializa a tal essência de um álbum que quer ser fonte de luz e esperança para todos nós. Mesmo no mais íntimo e soturno tema homónimo, em que Pecknold homenageia David Berman, um dos seus heróis, o já desaparecido líder dos míticos Silver Jews e dos Purple Mountain, falecido no verão do ano passado, o disco não perde o calibre identitário que esteve na sua génese.

Shores é, em suma, um tapete de luz que se acomoda no nosso íntimo, uma viagem por um imenso oceano de exuberantes e complexas paisagens sonoras, com a mira apontada ao experimentalismo folk inspiradíssimo, um retrato humanamente doce e profundo, mas também necessariamente inquitetante e por isso revelador, da génese e dos alicerces da realidade civilizacional em que vivemos, que não sendo a mais feliz, tem nos seus pilares aquilo que de mais genuíno podemos experienciar enquanto seres vivos, que é a vibração do interior desta terra mãe que nos alimenta e que nos quer fazer refletir sobre aquilo que somos hoje e os desafios que nos esperam. Enquanto manifestação artística o disco torna-se revelador por desmascarar sensorialmente toda a pafernália biológica, física e filosófica, por um lado e religiosa, por outro, da sociedade dos nossos dias, colocando perante nós aquilo que realmente deve importar e fazer-nos verdadeiramente felizes, que é a essência harmoniosa do que de mais virgem e intocável existe em nosso redor, o nosso âmago. Espero que aprecies a sugestão...

Fleet Foxes - Shore

01. Wading In Waist-High Water
02. Sunblind
03. Can I Believe You
04. Jara
05. Featherweight
06. A Long Way Past The Past
07. For A Week Or Two
08. Maestranza
09. Young Man’s Game
10. I’m Not My Season
11. Quiet Air /Gioia
12. Going-to-the-Sun Road
13. Thymia
14. Cradling Mother, Cradling Woman
15. Shore

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publicado por stipe07 às 12:30

Perfume Genius - Set My Heart On Fire Immediately

Quarta-feira, 20.05.20

Já chegou aos escaparates Set My Heart On Fire Immediately, o quinto registo de originais de Mike Hadreas aka Perfume Genius, um registo de treze canções produzido por Blake Mills, habitual colaborador do artista e que sucede ao muito aclamado álbum No Shape, com quase três anos de existência.

With Set My Heart On Fire Immediately, Perfume Genius makes a home ...

Figura ímpar e até central da indie pop contemporânea de Seattle, o norte-americano Mike Hadreas tem sabido, como mais ninguém, como conciliar o seu conturbado e problemático universo pessoal, com o processo de criação artística que tem desenvolvido e que tem o firme propósito de exorcizar muitos dos demónios que o atormentam, de modo a seguir de modo feliz a sua permanência neste mundo repleto de estereótipos e especialista na rotulagem simplista, baseada em primeiras impressões.

Assim, há quase uma década que Perfume Genius oferece-nos momentos sonoros que, sendo essencialmente soturnos e abertamente sofridos, ampliam continuamente, disco após disco, as suas virtudes como cantor e criador de canções impregnadas com uma rara honestidade, já que, como de algum modo já referi, são profundamente autobiográficas e, ao invés de nos suscitarem a formulação de um julgamento acerca das opções pessoais do artista e da forma vincada como as expõe, optam por nos oferecer esperança enquanto se relacionam connosco com elevada empatia. Set My Heart On Fire Immediately não foge de tais permissas, proporcionando-nos mais um emotivo e exigente encontro com o âmago do autor e toda a intrincada teia relacional que ele estabelece com um mundo nem sempre disposto a aceitar abertamente a diferença e a busca de caminhos menos habituais para o encontro da felicidade plena, até porque ele coloca-se permanentemente a linha da frente de uma questão muito em voga no meio artístico norte-americano, relacionada com a transsexualidade, cada vez mais uma arma de arremesso felizmente eficaz contra a opressão da direita conservadora.

Disco que tanto aposta numa filosofia performativa que privilegia um aparato tecnológico amplo, mas também repleto de instantes orgânicos de profunda acusticidade e rara beleza, Set My Heart On Fire Immediately, começou a ser idealizado logo após a edição de No Shape e importa ressalvar que Hadreas, durante este intervalo entre os dois discos, também criou os temas Eighth GradeBooksmart e13 Reasons Why, para a banda sonora do filme The Goldfinch e participou em diversas colaborações, com especial destaque para a que o juntou com a coreógrafa Kate Wallich e com a companhia de dança The YC, num bailado contemporâneo e numa performance ao vivo, intituladaThe Sun Still Burns Here. Estas experiências profissionais fora da esfera Perfume Genius acabaram por ter reflexo no conteúdo final deste novo trabalho do músico, que nos oferece o alinhamento mais coeso, límpido,  intenso, intimista e despojado da sua discografia.

Assim, se neste registo temos canções, como On The Floor, que tantos nos levam numa intensa viagem no tempo até á melhor pop oitocentista, à boleia de guitarras algo divagantes e com efeitos metálicos bastante charmosos, mas também Moonbend, um soporífero frenesim sintético, outras, nomeadamente Whole Life, um tema assente num ilustre piano, assim como as harpas e os violinos de Leave, as cordas empoeiradas e o fuzz de Describe, a melhor canção do álbum, e a exuberância percurssiva de Without You, oferecem-nos aquele pendor mais rugoso e impulsivo que carateriza, com igual peso, os caminhos de expressão musical inéditos da discografia e das formas de Hadreas se revelar a quem quer conhecer a sua personalidade. No final deste equilíbrio perfeito, temos o disco mais consistente e feliz do músicom, um registo que lança os holofotes não só sobre Mike, mas também sobre nós próprios, já que ajuda ao contacto e à tomada de consciência de muito do que guardamos dentro de nós e tantas vezes nos recusamos a aceitar e passamos a vida inteira a renegar. Espero que aprecies a sugestão...

Perfume Genius - Set My Heart On Fire Immediately

01. Whole Life
02. Describe
03. Without You
04. Jason
05. Leave
06. On The Floor
07. Your Body Changes Everything
08. Moonbend
09. Just A Touch
10. Nothing At All
11. One More Try
12. Some Dream
13. Borrowed Light

 

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publicado por stipe07 às 14:56

Say Hi – Diamonds And Donuts

Sexta-feira, 07.02.20

Say Hi é Eric Elbogen, um músico norte americano natural de Seattle e que faz música desde 2002. O seu disco mais recente tem o sugestivo nome de Diamonds And Donuts, um trabalho que chegou aos escaparates pela mão da Euphobia Records e o décimo terceiro na carreira de um artista que para este registo se inspirou em treze excitantes estudos psicológicos e que é capaz de, em poucos segundos, viajar do rock mais selvagem até à indie pop de cariz experimental e à eletrónica e sempre movido a muita testosterona.

Resultado de imagem para Say Hi eric elbogen 2020

Sucessor do curioso registo Werewolf Diskdrive (2017), Diamonds And Donuts marca mais um capítulo numa saga fictional onde cada tomo deste músico se debruça sobre uma temática precisa. Desta vez, Diamonds And Donuts é o resultado direto de treze experiências psicológicas inovadoras que foram idealizadas e conduzidas pelo próprio Eric ao longo de treze meses, com o único objetivo de gerar teorias sobre a natureza humana que pudessem ser traduzidas em composições musicais. No final, o músico constatou que tanto o Diamond como o Donut foram os dois objetos considerados mais motivacionais para obter respostas verosímeis dos participantes nos grupos de estudo criados para o efeito. Depois de projetar e conduzir cada estudo, o compositor de Seattle entrava em estúdio, na sua própria casa, para manipular os dados obtidos, criando, assim, este disco onde não falta uma mescla de eletropop com sonoridades hard rock, o rock setentista, o rock de garagem e o blues.

Assim, neste Diamonds and Donuts, se temas como Obsidian Oblivion Golfing e Happy As A Clam assentam num sintetizador melodicamente assertivo e numa percussão convincente, além de guitarras plenas de groove e distorção, bem à medida do melhor soft rock oitocentista, já Then Some Miniature Golfing e a soturna Non-Linear Time vs. Misshapen Space abrandam um pouco o clima, mas não o ritmo, já que a receita repleta de espasmos sintéticos debruçados em linhas baixo pulsantes e construções melódicas baseadas em guitarras perspicazes mantém-se, mas numa toada mais nostálgica e intimista. Depois, se Lookachu espreita ambientes mais negros e progressivos, não faltando nessa canção um travo punk delicioso, Confetti Xerox (Let’s Go Team) desvia-se um pouco dessa toada, para se focar num registo mais intrincado e experimental, conferindo ao disco um indispensável grau de ecletismo e abrangência.

A diversidade plasmada nesses seis exemplos acentua a justeza da necessidade de este músico obter, finalmente, um reconhecimento verdadeiro e um estatuto forte no universo sonoro alternativo. Aliás, o modo convincente como em A MacBook Pro To A Nineties Dell e Jupiter Death Bunnies, Say Hi serve-se da grandiosidade das guitarras e das teclas e de variações rítmicas e melódicas constantes, enquanto se debruça a fundo no universo da adição tecnológica e do sobrenatural, além de carimbar a enorme dose de criatividade que nele habita, sugere que este autor busca sempre abranger múltiplas nuances para o seu cardápio, curiosamente dentro de um som experimental, mas que tem, quanto a mim, potencial para um elevado airplay.

Até ao ocaso de Diamonds And Donuts, a imensa soul que desliza pelo piano arrebatador e pelos detalhes sintéticos de Grey As A Ghost e a subtileza instrumental de Ballerina, Ballerina, Ballerina, que desliza até ao âmago de um krautrock tendencialmente obscuro, são outros pontos de paragem obrigatória numa viagem única de fusão entre elementos particulares intrínsecos ao que de melhor ficou dos primórdios da pop, nos anos setenta, com o rock mais épico da década de oitenta e algumas das caraterísticas que definem o adn da eletropop atual.

Indubitavelmente, Say Hi domina a fórmula correta, feita com guitarras energéticas, uma sintetizador indomável, efeitos mais ou menos subtis e melodias cativantes, para presentear quem o quiser ouvir com canções alegres, aditivas, profundas e luminosas. O disco também se torna viciante devido a uma voz que, ao longo do trabalho, preenche verdadeiras pinturas sonoras que se colam facilmente aos nossos ouvidos e que nos obrigam a mover certas partes do nosso corpo. Espero que aprecies a sugestão...

Say Hi - Diamonds And Donuts

01. And Then Some Miniature Golfing
02. Obsidian Oblivion
03. Lookachu
04. Confetti Xerox (Let’s Go Team)
05. Non-Linear Time vs. Misshapen Space
06. Windsor Knots And Ruffles
07. A MacBook Pro To A Nineties Dell
08. Jupiter Death Bunnies
09. Tiger Unicorn
10. Happy As A Clam
11. Grey As A Ghost
12. Heavy Metal And Video Games
13. Ballerina, Ballerina, Ballerina

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publicado por stipe07 às 16:20






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